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Num discurso à nação ao início da manhã deste sábado, as palavras do Chefe de Estado da Rússia, que falou em "traição" e que prometeu represálias para os autores da rebelião, não foram suficientes para travar o líder do grupo Wagner

SPUTNIK/AFP via Getty Images

Num discurso à nação ao início da manhã deste sábado, as palavras do Chefe de Estado da Rússia, que falou em "traição" e que prometeu represálias para os autores da rebelião, não foram suficientes para travar o líder do grupo Wagner

SPUTNIK/AFP via Getty Images

Rebelião do grupo Wagner mostrou um regime russo mais "frágil": "Putin já não é um líder absolutamente incontestado"

Insurreição do grupo Wagner mostrou "fragilidades" do regime de Putin e isso pode "aumentar instabilidade política" na Rússia. E é "sinal positivo e moralizador" para a contraofensiva ucraniana.

Foi uma rebelião, ou uma marcha pela justiça como Yevgeny Prigozhin lhe chamou, que durou apenas 24 horas. Praticamente sem resistência, o grupo Wagner avançou pela Rússia adentro. Os mercenários controlaram, em poucas horas, uma cidade de um milhão de habitantes, Rostov-on-Don, percorreram a autoestrada M4, chegaram a Lipetsk. A 200 quilómetros de Moscovo, o chefe da milícia paramilitar anunciou que recuaria, que a insurreição terminaria ali e que não chegaria à capital russa, de modo a evitar um “derramamento de sangue”.

Com tudo isto, Yevgeny Prigozhin conseguiu o que parecia impossível: foi uma das poucas vozes que enfrentou Vladimir Putin durante o seu longo mandato e até obteve alguns sucessos militares, expondo as vulnerabilidades da segurança interna da Rússia. Em declarações à Rádio Observador, Isidro de Morais Pereira, antigo representante de Portugal na NATO, não tem dúvidas: é “óbvio” que o Presidente russo sai mais “enfraquecido” desta insurreição.

Como nota o correspondente Luke Harding do jornal britânico Guardian, os eventos das últimas 24 horas deixaram Vladimir Putin numa posição mais “frágil” do que nunca, desde o momento em que se sentou no Grande Palácio do Kremlin há 23 anos. O Estado russo não conseguiu dar resposta eficaz a uma insurreição, cujo desfecho poderia ter sido o início de uma guerra civil. “O Presidente russo não ganhou este braço de ferro. Se assim fosse, teria esmagado a rebelião e teria metido ordem na revolta”, sustentou Isidro de Morais Pereira.

Grupo Wagner. “Vladimir Putin sai enfraquecido desta novela e a Ucrânia fica moralizada”

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Num discurso à nação ao início da manhã deste sábado, as palavras do Chefe de Estado da Rússia, que falou em “traição” e que prometeu represálias para os autores da rebelião, não foram suficientes para travar o líder do grupo Wagner, que contestou assim a autoridade de Vladimir Putin. A insurreição só chegou ao fim depois de o Presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, ter chegado a acordo com Yevgeny Prigozhin — que fez saber publicamente que interrompia a marcha porque quis e para evitar um “banho de sangue”.

Sendo Vladimir Putin líder de um país em guerra, a Ucrânia aproveitou para reconquistar alguns territórios em Donetsk. E não só. As autoridades de Kiev argumentaram que esta é mais um prova de que a invencibilidade da Rússia é um mito — e que há esperança para uma vitória ucraniana no futuro. “Hoje o mundo viu que os chefes da Rússia não controlam nada”, sentenciou Volodymyr Zelensky, o Chefe de Estado ucraniano.

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O grupo Wagner na cidade de Rostov

AFP via Getty Images

A figura de Putin — um líder mais fraco?

Desde 24 de fevereiro de 2022, a Rússia tem-se desdobrado em esforços para esconder os efeitos negativos do conflito na sociedade civil. Através de propaganda e do controlo da informação, a população russa conformou-se, como mostram várias sondagens, com a guerra no país vizinho, que até parece longínqua de território russo.

À exceção das incursões perto da fronteira ucraniana em Belgorod em maio do mês passado, os russos nunca foram expostos a um conflito de forma direta. Ora, isto mudou este sábado. A rebelião, que atravessou a fronteira ucraniana e percorreu centenas de quilómetros em território da Rússia, gerou o pânico. Vários governadores das regiões afetadas cancelaram atividades, incluindo em Moscovo, e surgiram vários constrangimentos. Carros de combate estiveram estacionados na capital russa e Rostov foi inteiramente controlada pela milícia paramilitar Wagner.

A população russa assistiu — sem qualquer filtro — a uma insurreição, presenciando os seus efeitos. E testemunhou igualmente a incapacidade do Kremlin em tentar controlar a rebelião, ao mesmo tempo que — através das redes sociais — seguia os relatos de Yevgeny Prigozhin, por muito que o Kremlin tenha tentado impor controlos. Mais: rapidamente começaram a circular vídeos de muitos populares a saudarem os mercenários, ajudando a expor ainda mais as divisões nas Forças Armadas russas.

Com uma agravante: pela primeira vez, uma figura com as responsabilidades e influência de Prigozhin desmontou publicamente a narrativa de Moscovo sobre a “operação especial na Ucrânia”, dizendo que a guerra não começou devido a uma ameaça de invasão da Ucrânia e da NATO, mas sim “para que um grupo de canalhas triunfassem e mostrassem a força do seu exército”.

Ainda que a rebelião tenha terminado em 24 horas, no entender de Luke Harding, as “ondas de choque” vão continuar “durante meses”. Tendo em conta a resposta pouco assertiva do líder russo, o correspondente do Guardian admite que cada vez mais pessoas questionar-se-ão se “Vladimir Putin tem condições para assumir o cargo de líder russo”. Isso pode, frisa, “aumentar a instabilidade política” na Rússia, um país que vai a eleições no próximo ano.

Em declarações à rádio Observador, Diana Soller, especialista de assuntos internacionais, assinala que a rebelião iniciada pelo grupo Wagner “mostrou uma grande fragilidade na cúpula do poder central russo” — e especialmente de Vladimir Putin, alguém que parecia ter um “poder absolutamente intocável” na Rússia. Agora, “o poder” do Chefe de Estado russo “pode ser desafiado por alguém que tenha um corpo de soldados e algum dinheiro”. “É uma reviravolta bastante estrondosa.”

Wagner. Ida de Prigozhin para a Bielorrússia é “exílio”

A revolta do grupo Wagner revelou a instabilidade que o regime de Putin tentou esconder durante anos, nota o historiador Max Boot, num artigo escrito pelo Washington Post, acreditando que a “aura de poder absoluto” do Presidente da Rússia terminou, o que pode dar espaço para que a oposição, ou um grupo armado, se organize e leve a cabo uma insurreição idêntica à de Yevgeny Prigozhin — e, desta vez, não ceda aos apelos de um líder estrangeiro.

Desmobilizada e sem oportunidades no horizonte para se impor, a oposição notou que é possível fazer tremer o poder central russo — e que sabe se este não acaba por ceder. Aliás, vários opositores a Vladimir Putin, como a Legião da Liberdade da Rússia, juntaram-se à insurreição da milícia paramilitar Wagner, mesmo discordando dos motivos de Yevgeny Prigozhin.

Com as informações que existem até ao momento, é ainda prematuro explicar como é que Prigozhin conseguiu bloquear Moscovo com relativa facilidade. Os especialistas em política internacional vão variando entre várias teses, complementares ou não: os Wagner terão tido o apoio no terreno de fações das forças armadas russas descontentes com o rumo da guerra; podem ter tido o conforto de alguns setores ligados à elite política e económica e a adesão setores da sociedade civil que exigem mudanças na guerra da Ucrânia.

Existe também quem sugira que Putin permitiu o avanço do Grupo Wagner porque lhe resolveria vários problemas: daria o pretexto perfeito para mudar chefias militares incompetentes, ganharia um pretexto para diminuir esforços numa guerra que tem corrido manifestamente mal (na Ucrânia) para se centrar num conflito interno (contra os dissidentes) e permitiria perceber que homens lhe permanecem leais. Ainda assim, mesmo que esta teoria tenha alguma adesão à realidade, a verdade é que a imagem pública e autoridade política de Putin saíram mais afetadas do que nunca depois de ter sido humilhado por um homem que, noutros tempos, foi seu cozinheiro.

epa10688679 Russian President Vladimir Putin chairs a meeting with Russian war journalists in Moscow, Russia, 13 June 2023.  EPA/GAVRIIL GRIGOROV / SPUTNIK / KREMLIN POOL MANDATORY CREDIT

Insurreição fez tremer regime de Putin

GAVRIIL GRIGOROV / SPUTNIK / KREMLIN POOL/EPA

A guerra na Ucrânia como origem e como Kiev pode beneficiar

Ao iniciar a guerra na Ucrânia em fevereiro de 2022, nos cálculos de Vladimir Putin, que acreditava que ia controlar o país vizinho em poucos dias, dificilmente estaria a prever que o poder absoluto cimentando durante décadas pudesse desabar. Se bem que esse momento não tenha chegado, certo é que a insurreição da milícia paramilitar pode ter com as estruturas do regime — e tudo isto por causa do conflito.

Yevgeny Prigozhin ganhou poder e influência precisamente na guerra da Ucrânia, nomeadamente na batalha de Bakhmut. Saindo do anonimato, o líder do grupo Wagner defendeu a cidade durante meses, sempre num clima de tensão com o Ministério da Defesa russo. O conflito foi uma catapulta para o chefe paramilitar ganhar prestígio — e utilizá-lo com a intenção de empreender voos mais altos.

Adicionalmente, com tropas no país estrangeiro, a segurança interna da Rússia torna-se mais débil. A falta de resposta às incursões perto da fronteira pelos opositores declaradamente anti-Putin em maio já mostravam um certa fragilidade — mas a rebelião ainda veio colocar mais clara a desorganização das tropas que defendem o território russo. Por exemplo, durante a insurreição do grupo Wagner, perto de Rostov, houve pilotos, que seguiam a coluna militar do grupo Wagner, que rejeitaram as ordens das forças armadas.

Isso mostra, no entender de Isidro de Morais Pereira, que as forças armadas russas, um dos pilares do regime russo, são “indisciplinadas” e “não existe um nível de comando e controlo eficaz”, insuficiências que ficaram provadas durante não só a rebelião, mas essencialmente na guerra da Ucrânia.

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Os Wagner em Rostov

AFP via Getty Images

Relativamente ao futuro e como isto muda a guerra na Ucrânia, os especialistas ouvidos pelo Observador coincidem num ponto: as tropas ucranianas saem beneficiadas com esta rebelião, mesmo que ela tenha apenas durado 24 horas. Para Isidro de Morais Pereira, esta “novela vem moralizar a Ucrânia” e vem dar mais força a Kiev pela “causa pela qual luta”. “O governo de Zelensky tem dito muitas vezes que a Rússia é um tigre de papel e isso veio a verificar-se.”

“Indiretamente, já mudou o curso da guerra”, concorda Diana Soller, que lembra que nos conflitos a projeção de uma “imagem de líder forte” conta muito. “Putin já não é um líder absolutamente incontestado e a quem todos obedecem”, prossegue a especialista em assuntos internacionais, realçando que isso é um “sinal muito positivo e moralizador” para as tropas de Kiev.

Do lado do Kremlin, o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov, descarta a tese de que a rebelião “vá afetar a intervenção militar”. “A operação militar especial continua. As nossas tropas conseguiram repelir a contraofensiva da Ucrânia”, assegura, isto no dia em que a Ucrânia fez um balanço positivo das conquista de vários territórios.

Em apenas 24 horas, e depois de vários anos no poder, a imagem de Vladimir Putin enquanto líder incontestado da Rússia foi colocada em causa. O futuro dirá se estas horas podem ter consequências profundas num regime que parecia estar blindado a qualquer oposição ou revolta.

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