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NACHO GALLEGO/EPA

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Receita de IRS ainda aguenta mais 100 mil desempregados, mas nada salva os outros impostos

Os trabalhadores não qualificados, que menos recebem e que pouco ou nada pagam de IRS, são também os que mais sujeitos estão ao desemprego. O problema não está no IRS, está em tudo o resto.

A crise é aguda, leva o país a perder riqueza como nunca num só ano — as piores previsões apontam para uma quebra de quase 10% em 2020 — e o Estado vê fugir receita fiscal em doses industriais, ajudando a empurrar o défice para os 7% previstos pelo Governo. Mas há um imposto que, se correr tudo menos mal, deverá passar pelos pingos da chuva. O IRS, que incide sobre os rendimentos das famílias deverá ser capaz de aguentar, pelo menos, mais dois ou três pontos percentuais de desemprego — se a perda de postos de trabalho continuar a afetar sobretudo os não qualificados e as profissões de baixas remunerações.

O ministro das Finanças revelou este mês, em entrevista à RTP, que a receita de IRS teve um aumento de 7% em agosto, face ao mesmo período do ano passado, e que, mesmo “corrigindo efeitos” que impedem a comparação, o dinheiro que o Estado encaixa, “pela primeira vez, em agosto, aumentou face ao ano anterior em 1%”. Isto porque, de acordo com João Leão, “a receita caiu de forma muito acentuada, sobretudo no segundo trimestre”, tendo sido seguida pela retoma económica e pela saída de trabalhadores do regime de lay-off simplificado. Estes números poderão ser verificados ainda esta semana no próximo boletim de execução orçamental.

HOMEM DE GOUVEIA/LUSA

Não deveria surpreender, porque o valor avançado pelo ministro das Finanças cumpre o guião do orçamento suplementar para este ano, fechado em julho, em que o Governo previu estabilidade na receita de IRS — mais 27 milhões de euros do que o valor executado no ano passado, num total de 13,2 mil milhões de euros.

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Pode parecer bizarra a ideia de um imposto como este conseguir resistir em tempos de pandemia, sem que tivesse havido alteração nas tabelas de IRS e numa altura em que o desemprego já trepou quase dois pontos percentuais, até 8,1%, desde que o coronavírus se instalou na economia. Mas, na verdade, a receita com IRS aguenta muito mais.

Mais IRS com menos emprego? A culpa é dos salários

A questão não se colocaria se os salários fossem mais altos. Centenas de milhar de trabalhadores estão isentos em Portugal de pagar IRS, por receberem salários baixos, incluindo mais de 700 mil contribuintes que ganham 635 euros de salário mínimo e todos os outros que ganham até 658 euros. Isto porque o mínimo de existência, abaixo do qual não se paga imposto, está fixado nos 9.215 euros por ano.

Pode parecer bizarra a ideia de um imposto como este conseguir resistir em tempos de pandemia, (...) numa altura em que o desemprego já trepou quase dois pontos percentuais, até 8,1%, desde que o coronavírus se instalou na economia. Mas, na verdade, a receita com IRS aguenta muito mais.

A estes, juntam-se ainda os milhares de trabalhadores em que a contribuição pouco acrescenta às contas do Estado. Nos contribuintes que ganham até 19 mil euros brutos por ano (ou 1357 euros vezes 14 meses), as Finanças arrecadam apenas cerca de 10% de toda a receita de IRS (o que já inclui os pensionistas) — apesar de abranger cerca de 3,7 milhões de agregados familiares.

Ora, é nestes contribuintes que incide tipicamente o desemprego, e mais ainda em tempos de recessão. “Nas crises em Portugal, o desemprego que se verifica é tradicionalmente na mão-de-obra menos qualificada, que, fruto da regra do mínimo de existência, está naqueles quase 50% dos contribuintes portugueses que não pagam IRS”, sublinha Luís Leon, da consultora Deloitte. Como o desemprego “afeta, em grande medida, pessoas que infelizmente não pagam imposto, porque não ganham o suficiente para pagar imposto“, a receita de IRS quase não é afetada.

Os últimos dados do do IEFP, referentes a agosto, mostram precisamente que as profissões mais afetadas abrangem trabalhadores não qualificados (24,9% do total, incluindo, entre outros, trabalhos de limpeza, na agricultura, na indústria e nos transportes) e trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção segurança e vendedores (21,9% do total).

Centro de emprego

LUIS FORRA/LUSA

E até ao final do ano, o que é que podemos esperar? “Vai depender muito do nível de desemprego e dos extratos a que esse desemprego vai chegar”, esclarece o consultor, especialista em IRS. “Não quer dizer que não aconteça, mas não é expectável que, com uma taxa de desemprego a rondar os 10% ou 11%, haja essa queda de receita”, por causa desse “fenómeno em que as profissões mais frágeis estão nos segmentos da sociedade que não pagam IRS” e que inclui “todo o segmento dos serviços, nomeadamente”.

Atingir 10% de desemprego, que corresponde à última estimativa do Conselho das Finanças Públicas para este ano, significaria potencialmente mais cerca de 103 mil desempregados (dependendo da evolução na população ativa e das dinâmicas na chamada subutilização do trabalho — porque nem todos os que estão sem emprego são considerados desempregados). E Portugal regista neste momento pelo menos 409 mil desempregados inscritos nos centros de emprego.

Isto não significa, no entanto, que o desemprego seja irrelevante para as contas do Estado. O problema, neste caso, está nas contribuições sociais: “Nas crises, o aumento do desemprego está associado normalmente a um drama da Segurança Social, porque é menos receita e mais pagamento de subsídio de desemprego”.

No boletim de execução de orçamental até julho é possível verificar que, do lado da receita, as contribuições sociais tiveram uma quebra de -154,7 milhões de euros face ao período homólogo (-1,2%), a que se juntam, na despesa, mais 150,8 milhões de euros em subsídio de desemprego (+21,7%).

“Não quer dizer que não aconteça, mas não é expectável que, com uma taxa de desemprego a rondar os 10% ou 11%, haja essa queda de receita”
Luís Leon, partner da consultora Deloitte

Luís Leon lembra ainda que a receita de IRS que o Estado recebe este ano diz também respeito aos rendimentos de 2019. “A maior parte dos contribuintes só pensa no tema dos reembolsos do IRS, mas para muitos contribuintes há ainda imposto a pagar”, diz o consultor, sublinhando que “2019 não foi um mau ano em mais-valias, foi um bom ano”. Estão em causa, nomeadamente, “todos os que têm rendimentos prediais por arrendamento a consumidores finais e muitos trabalhadores independentes que podem não ter retenção na fonte”.

Finalmente, o IRS aguenta neste contexto difícil também porque houve uma decisão “tecnicamente discutível”, na opinião de Luís Leon, de sujeitar os salários em lay-off a IRS. O impacto desta medida de apoio às empresas é, por isso, “relativamente marginal” neste imposto.

O IRS foi ainda alvo de uma longa “novela” durante a pandemia, por causa das devoluções aos contribuintes. Durante alguns meses, depois de adiar o início da campanha de reembolsos para 21 de abril, num contexto de confinamento, o Estado foi sempre tendo uma “almofada”, até junho, embora reduzindo-a progressivamente, enquanto não devolvia tudo o que era devido.

As Finanças chegaram a ter um acréscimo de 1,3 mil milhões de euros em IRS até maio (mais 33,4%), face ao mesmo período do ano anterior, descendo depois para 422 milhões de euros no final do semestre. Mas, no último boletim, referente a julho, a situação estava praticamente normalizada, com uma queda marginal na receita de IRS, de 0,4% (menos 22 milhões de euros).

JOAO RELVAS/LUSA

O efeito ao retardador do IRC

Os impostos diretos, que incluem sobretudo IRS e IRC, valeram até julho 8,3 mil milhões de euros, menos 1,9 mil milhões (-18,8%) face ao mesmo período do ano passado. E tendo em conta que o imposto sobre as famílias tem uma diferença marginal, é na tributação sobre as empresas que encontramos essencialmente essa quebra (-46,2%). No entanto, não está ainda aqui refletida totalmente a crise que o país vive, porque o efeito no IRC deste ano será sentido também em 2021.

As empresas têm de pagar todos os anos, por antecipação, imposto pelos previsíveis lucros que vão ter, com o acerto a ser feito no ano seguinte. Só que este ano, para fazer face à crise, o Governo decidiu adiar por uns meses, até agosto, esse pagamento especial por conta. O que significa que, na comparação com o mesmo período do ano passado, o boletim de execução orçamental ainda não refletia em julho o verdadeiro quadro de receita no IRC.

Onde é que reside o problema? É que “o pagamento por conta é uma antecipação de IRC do próprio ano — e é expectável que os lucros de 2020 venham por aí abaixo”, afirma Luís Leon. Ou seja, a estimativa de lucros em que assenta este Pagamento Especial por Conta foi ultrapassada pela realidade, tendo em conta o descalabro que a pandemia significou para muitas empresas. E sem lucro não há imposto.

A estimativa de lucros em que assenta este Pagamento Especial por Conta foi ultrapassada pela realidade, tendo em conta o descalabro que a pandemia significou para muitas empresas. E sem lucro não há imposto.

Já este ano o Governo vai sentir a falta de receita, porque concedeu uma redução do pagamento às empresas — isenção total para as micro e PME que tenham quebras superiores a 40% ou que pertençam aos sectores do alojamento e da restauração e uma redução de 50% para as que tenham quebra de faturação superior a 20%. Mas a pandemia também fará um ajuste de contas em 2021. “Ainda é preciso mais dados para perceber a real dimensão do problema, mas o maior impacto que estamos a estimar vai ser no Orçamento do Estado para 2021. Vemos com bastante curiosidade a estimativa que o Governo vai fazer para o OE2021, porque o grande impacto do IRC da crise vai verificar-se no próximo ano, quando as empresas pagarem imposto com base nos resultados de 2020, e que não se adivinha nada de bom”, nota Luís Leon.

“Já se está a ver, com a quebra do consumo, um impacto nas receitas com impostos indiretos, que gera também uma queda nos impostos diretos de IRC, porque se houve menos vendas, houve menos lucros e, portanto, em 2021 haverá um impacto ainda maior”.

O medo também destrói a economia

A fatura passada pelo coronavírus ao Governo até julho ascendeu a cerca de 1,4 mil milhões de euros. No caso do IVA, que teve uma quebra total de 1,3 mil milhões (-12,4%), quase mil milhões devem-se à pandemia. Os restantes 379 milhões de euros correspondem ao adiamento do prazo de pagamento concedido pelo Estado, até um máximo de seis meses. A medida já chegou a representar 567 milhões de euros na execução orçamental de junho, mas, depois de ter sido iniciado o pagamento em julho, o Estado recuperou cerca de 200 milhões de euros.

Alba Vigaray/EPA

Aos mil milhões de euros do imposto que mais rende ao Estado juntam-se ainda as quebras noutros impostos indiretos. O ISV, sobre os veículos (-46,4%, -214 milhões), o IABA, sobre as bebidas (-18,3%, -27 milhões), o ISP, sobre produtos petrolíferos (-10,7%, -227 milhões) e o imposto de selo (-2,9%, -29 milhões) não trouxeram boas notícias às contas públicas. O tabaco é exceção, com um acréscimo de 2,3% face ao mesmo período do ano passado.

A economia até pode vir a recuperar no segundo semestre, mas os impostos sobre o consumo não voltarão a ser os mesmos em 2020. Luís Leon lembra que “há uma parte do ano que já foi perdida — uma parte significativa do ano de consumo, que é o verão — porque há muito imposto sobre o consumo em Portugal que não é pago por portugueses”. O turismo “caiu a pique” e esse consumo “não se repõe”.

E se há um problema de perda de rendimento dos contribuintes, quando falamos de consumo há que contar também com o fator medo. Até porque “os últimos dados da pandemia em Portugal não incutem confiança nos consumidores”, defende Luís Leon. “O desemprego acarreta obviamente redução do consumo, por falta de liquidez — as pessoas têm menos dinheiro e portanto não gastam”, mas a população menos afetada pela crise também contribui para a quebra nas vendas das empresas, porque “tem receio de perder rendimentos no futuro”, afirma o consultor.

A estimativa de lucros em que assenta este Pagamento Especial por Conta foi ultrapassada pela realidade, tendo em conta o descalabro que a pandemia significou para muitas empresas. E sem lucro não há imposto.

O problema é claro: “Se poupa, não gasta, não há atividade económica, que foi o que aconteceu durante a crise financeira e que foi uma das explicações para a recessão” nesse período. Em 2009, em plena crise global — e com uma recessão de 3,1% em Portugal —, a taxa de poupança subiu no país de 7,3% para 11,9%, caindo depois progressivamente até os 8,8% em 2011, o ano em que a Troika chegou a Portugal.

E em 2012 — ano em que se registou uma recessão de 4% e uma taxa de desemprego de 15,5% — a taxa de poupança voltou a subir, desta vez para 10,2%, depois de anunciadas as primeiras grandes medidas de austeridade desse período, de acordo com os dados do INE, disponíveis no Pordata.

No ano passado, a taxa de poupança já estava em 6,7%, a mais baixa desde o início da série, em 1995, mas já há fortes sinais de que está a disparar no contexto da pandemia, como mostram os dados do INE conhecidos esta semana sobre o segundo trimestre. “Considerando valores trimestrais efetivos e não valores anuais, a taxa de poupança das famílias aumentou 12,0 pontos percentuais no 2º trimestre de 2020 face a igual trimestre do ano anterior, refletindo sobretudo a redução do consumo privado, designadamente do consumo privado de bens duradouros”, indica o INE.

É expectável que o comportamento não seja muito diferente” nesta crise do que foi nas anteriores, considera Luís Leon, sobretudo “à medida que isto se prolonga no tempo”.

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