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Rui Sinel de Cordes subiu ao palco alcoolizado e insultou uma espectadora a 23 de janeiro num espetáculo de homenagem a Ricardo Vilão

Rui Sinel de Cordes subiu ao palco alcoolizado e insultou uma espectadora a 23 de janeiro num espetáculo de homenagem a Ricardo Vilão

Rui Sinel de Cordes: um humorista entre a fama, os ódios e as polémicas

Episódio de insultos no Teatro Tivoli foi o mais recente a envolver um dos maiores nomes do humor negro nacional, com uma carreira de quase duas décadas marcada por sucessos e polémicas sucessivas.

Rui Sinel de Cordes dizia ao podcast Humor à Primeira Vista que não gostava de interagir com o público nos seus espetáculos. “Às vezes são situações desconfortáveis, que não gosto que as pessoas passem por minha causa. (…) Gosto que as pessoas estejam sossegadas no seu lugar, podem estar na primeira fila à vontade que eu não vou chateá-las”, explicava então o humorista, de 43 anos.

A conversa foi gravada na manhã do dia 23 de janeiro, horas antes de Sinel de Cordes protagonizar um episódio de insultos a uma mulher que se encontrava no Teatro Tivoli BBVA para assistir a Morro Amanhã, espetáculo de homenagem ao comediante Ricardo Vilão, que morreu em 2023, da autoria do primeiro com os também humoristas Salvador Martinha e Luís Franco Bastos. O episódio acabou por levar à saída de vários espectadores da sala.

Humorista Rui Sinel de Cordes acusado de insultar mulher em espetáculo no Tivoli. Teatro “demarca-se de atitude ofensiva”

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O incidente desencadeou uma polémica que ditou o cancelamento da segunda data do espetáculo (no teatro Sá da Bandeira, no Porto), pedidos de desculpa por parte de quem também estava em palco – “magoou-me, chateou-me e enraiveceu-me”, disse Salvador Martinha sobre o episódio – e a um retratamento público por parte do próprio humorista, que confessou estar sob o efeito do álcool aquando do sucedido.

“Pedir desculpa é o único ato possível em relação ao que aconteceu na passada terça-feira. [dia 23] (…) Disse e fiz coisas que me envergonham profundamente”, escreveu, numa mensagem em que isentou os colegas humoristas de responsabilidade e em que pediu desculpas “à Ana, uma pessoa que insultei sem justificação e saiu da sala, (…) a toda a audiência, produção e ao teatro, mas sobretudo à família do Vilão”.

Para muitos, o momento terá funcionado como uma espécie de ponto de inflexão na carreira e imagem pública de Sinel de Cordes, há muito um dos mais bem-sucedidos nomes portugueses na arena do stand-up comedy. O estilo de humor negro e abrasivo e a fama de polémico notabilizaram-no e desde cedo alimentaram ódios e admiradores em igual medida, tornando-o  numa figura divisiva.

Rui Sinel de Cordes assumiu-se como um enfant terrible deliberado, que fez da controvérsia uma imagem de marca e um caminho para a popularidade e para quem, das críticas ao conteúdo do seu humor às defesas em favor da sua liberdade artística e de expressão, o “olho da tempestade” não é um lugar estranho.

Dos limites do humor à fuga de uma “prisão” chamada Portugal

Nascido em 1980, em Lisboa, filho daquilo que apelida como “uma família tradicional portuguesa” (os pais são divorciados), o apelido foi desde sempre uma marca. Quer o avô quer o bisavô foram funcionários do Banco Nacional Ultramarino durante o período do Estado Novo; Joaquim Sinel de Cordes, o seu tio-bisavô, foi militar e administrador colonial na Guiné-Bissau; já o trisavô foi um dos últimos ministros das Finanças do período da ditadura militar. O seu sucessor no cargo? António de Oliveira Salazar.

"A verdade é que desde pequeno que me lembro de gozar com os deficientes. E de levar na cabeça por o fazer, claro”.

Tal genealogia foi desde cedo alvo de escrutínio público e, segundo o próprio em entrevista ao Sol em 2011, motivaram em parte a “veia sádica” patente no seu humor. Na mesma entrevista, recordava um episódio da infância que tipificava esta tendência, quando a avó matava as galinhas para fazer arroz de cabidela. “[Cortava-lhes a cabeça] e depois soltava-as para elas andarem a correr meias tontas e ríamo-nos à gargalhada com isso. A verdade é que desde pequeno que me lembro de gozar com os deficientes. E de levar na cabeça por o fazer, claro.”

O interesse pela escrita e pela comédia surgiu enquanto estudava Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa. Concluída a formação, fundou o grupo Alcómicos Anónimos com Salvador Martinha, Alexandre Romão, João Miranda e Zé Beirão, onde começou a apresentar as primeiras peças e discos, sempre no estilo que o viria a notabilizar. Da pedofilia à religião, passando por piadas sobre etnias, violência doméstica e doenças graves, nenhum tema estava fora dos limites, e Sinel de Cordes ia a todos, sempre num estilo cáustico que, de alguma maneira, procurava testar até onde seria possível ir em nome de uma piada.

Em 2009, chegou à televisão para apresentar Preto no Branco, na SIC Radical. A série viria a valer-lhe a primeira queixa por uma piada, quando, num sketch, entrou com um cão num restaurante de comida chinesa e saiu com um maço de notas. A multa não foi pelo teor potencialmente ofensivo da piada, mas por ter mostrado o letreiro do estabelecimento no programa. “Não fui eu que paguei a multa, foi a SIC”, disse anos mais tarde ao recordar o episódio num dos seus especiais de stand-up.

Em 2010 veio Gente da Minha Terra, série do mesmo canal que o começou a notabilizar entre o meio cómico português. Deslocava-se por vários territórios e regiões nacionais e aplicava o seu humor negro a histórias e personagens locais. O formato provou ser popular, gerando até uma sequela, Gente da Minha Terra — Europa, em 2011. Em 2012, estreou o seu primeiro solo ao vivo, Black Label.

Longe de ser consensual, o teor por vezes ofensivo das piadas tornou-o no primeiro humorista a ser alvo de um processo por parte da Entidade Reguladora Para a Comunicação (ERC), em 2011. Transmitido no ano anterior na SIC Radical, Rui Sinel de Cordes – Especial de Natal continha várias referências a pedofilia, cenas de violência, piadas sobre violência doméstica (“é constrangedor estar sentado a uma mesa onde há uma mulher que tem a cara mais assada do que o perú”, diz a certa altura o humorista) e humor em torno da religião. O especial motivou uma multa de 20 mil euros, paga pela SIC.

“Considero o meu estilo de humor ofensivo, porque é como ele é caracterizado, mas faço o parêntesis, é ofensivo para quem se possa ofender” disse o humorista posteriormente ao jornal Público. “Para mim, e para milhares de pessoas, não é ofensivo. Felizmente, só é ofensivo na designação”, acrescentou, considerando que deliberações como a da ERC apontavam para um meio cómico com “muito menos liberdade”.

O incidente foi mais um exemplo no debate constante sobre os limites do humor e da liberdade artística. Ao mesmo tempo, catapultou Rui Sinel de Cordes que, à boleia de uma imagem de “representante máximo” da liberdade de expressão na comédia, multiplicou as aparições televisivas e os espetáculos de stand-up ao vivo. Gravados entre 2013 e 2016, solos como Punchliner, Isto era para ser com o Sassetti e Je Suis Cordes continuaram a dividir opiniões, com admiradores do estilo sem tabus de um lado e os que apenas reconheciam piadas de choque fácil e mau gosto do outro – e em qualquer um dos casos, cimentando o seu lugar entre os mais discutidos humoristas nacionais. Cordes, pela sua parte, ia-se defendendo das acusações, considerando-as “tentativas de denegrir” a sua imagem.

Piadas chocantes com temas tabu e por vezes ofensivos fizeram de Sinel de Cordes um dos mais conhecidos humoristas do stand-up português

Diana Quintela/Global Imagens

Em 2016, regressou à grelha da SIC Radical com o programa Very Typical e apresentou o primeiro roast transmitido na televisão portuguesa, o “roast à SIC Radical”, numa emissão especial por ocasião dos 15 anos da estação. No mesmo ano, viu-se novamente envolto em críticas ao fazer comentários interpretados como tendo por alvo a atriz Sofia Ribeiro, pouco depois desta ter publicado um muito publicitado vídeo em torno do seu diagnóstico de cancro.

“Ter cancro está cada vez mais difícil. Antigamente, bastava fumar, apanhar sol sem protetor ou ser o Manuel Forjaz. Hoje em dia, é preciso ter um amigo editor de vídeo e investir em duas Go-Pro. Ter amigos fotogénicos e contactos na imprensa. Contratar uma publicitária, um assessor de imprensa e um relações públicas”, escreveu o humorista, no início de uma longa publicação em que criticava o que entendia como o aproveitamento mediático da doença por parte de figuras públicas. “Nós nem sequer temos cancro. Nós temos cancro VIP”, atirou.

O coro de críticas que se seguiu levou mesmo a uma clarificação por parte de Sinel de Cordes, que disse que o texto originalmente publicado na sua página de Facebook não visava ninguém em particular, ainda que admitisse que o caso da atriz lhe tinha passado pela cabeça quando o escreveu. “Se a mensagem fosse para a Sofia Ribeiro, eu tinha usado o nome dela”, disse, acrescentando que várias pessoas na sua família, incluindo a mãe e avó, já tinham passado pela doença, e argumentando que o intuito era o de criticar “o circo mediático que se está a montar à volta dessa doença, não só com a Sofia Ribeiro mas com muita gente e em todas as partes do mundo”.

Certo é que este e outros casos acabaram por contribuir para um desgaste da imagem do humorista que, em 2017, anunciou a intenção de emigrar para o Reino Unido e estabelecer-se em Londres, para tentar ser “um humorista a sério”.

“Quero ir às origens e, sobretudo, aprender”, explicava então em entrevista à NiT. Pelo meio, deixava críticas ao país que considerava “uma prisão” e às amarras do meio cultural português. “Vários diretores de teatros ou salas não querem que eu atue lá, por isso é que em certas cidades só atuo em certas salas”, disse, ele que assinalou a “despedida” de Portugal com Cordes Out, novo espetáculo de stand-up.

“Se calhar contigo nota-se mais porque és fascista”

A experiência em Londres viria a ser relativamente curta, cerca de um ano. Em 2018, Rui Sinel de Cordes voltou ao território nacional com nova digressão, levando aos palcos London Eyes, uma espécie de reintrodução em que, longe de abandonar o estilo que o caracterizava, abordava o seu período no estrangeiro, as saudades de Portugal e a evolução na relação com o país de origem.

As críticas, contudo, continuaram e não só vindas de fora do meio humorístico. No mesmo ano, por ocasião de um debate no programa da RTP1 Prós e Contras sobre os limites do humor, a também comediante Beatriz Gosta acusou Rui Sinel de Cordes de ter um preconceito subjacente às suas piadas e insinuou que este era fascista:

“Se calhar contigo nota-se mais porque és fascista” disse, entre risos, argumentando que “não há limites no humor, o limite é ter piada. Mas transparece vindo do humorista se ele tem preconceito ou não. (…) Quando estás a pisar uma minoria, sente-se”.

A crítica não ficou sem resposta por parte de Sinel de Cordes, que apontou o dedo àqueles que, na sua opinião, o tentavam silenciar. “Quantos espetáculos meus já viste ao vivo? Tenho sete. E as pessoas que vão, sabem. Não tenho preocupação com as pessoas que não gostam de mim, só me interessam as que vão aos meus espetáculos”, disse. “Faço piadas com todos porque o meu humor é inclusivo. (…) Não podemos decidir quem é dono do direito a rir. E há muita gente que quer que este mundo se torne um sítio onde as pessoas não se possam rir dos seus problemas”, acrescentou.

O episódio representou um microcosmo na relação sempre difícil entre o humorista e o meio social e cultural português. No seu solo de stand-up seguinte, Memento Mori, recuperou um episódio de nova queixa interposta contra si pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género — “já ouviram falar? eu também não. (…) É para aqui que vai o vosso dinheiro”, disse — que o acusou de incitar à violência contra mulheres por uma piada sobre violações (o caso foi arquivado por se considerar que a piada em causa se encontrava protegida ao abrigo da liberdade de expressão).

"Temos tendência para evocar aquela pessoa que nos permite sermos bem comportados em situações sociais, quando é preciso, e esconder a outra. (...) Uma entidade que não é bem comportada e que aparece com álcool, ou quando já não a conseguimos prender durante mais tempo”.

Para 2020, Sinel de Cordes anunciou um projeto ambicioso: dois espetáculos de stand-up interligados que formavam parte de uma mesma narrativa. O Início (sobre a história da humanidade) e É o Fim (sobre o seu possível futuro) deveria ter começado em março de 2020; contudo, os espetáculos acabaram adiados devido à pandemia, com o projeto a ficar concluído apenas em 2022. Pelo meio, o humorista lançou a sua própria plataforma de streaming, denominada Cordesflix, que se tem mantido ativa até hoje com conteúdos exclusivos, bem como arquivos de todos os seus espetáculos de stand-up e programas de televisão anteriores.

Os anos pós-pandemia foram, segundo o próprio, de reflexão e crescimento. No podcast Humor à Primeira Vista (o mesmo que gravou no dia antes do incidente no Tivoli), chegou mesmo a dizer que tinha colocado em cima da mesa a possibilidade de não voltar a fazer stand-up. “Acho que senti que precisava de um motivo maior, de me sentir importante. Não queria fazer só mais uma tour, mais umas gargalhadas, mais umas ovações e parece que é tudo igual outra vez. Precisava de sentir um apelo maior”, disse.

Após anunciar o seu décimo solo de stand-up, King Cordes, explicou que não iria abandonar o humor negro, mas que pretendia aplicá-lo a uma visão mais positiva do mundo. Apresentando-se com uma postura mais calma e ponderada, disse no final de 2023 no podcast do humorista e ator Rui Unas que tinha começado a fazer terapia com Júlio Machado Vaz e que o processo o tinha levado a cortar com o álcool e, ao mesmo tempo, a identificar uma realidade curiosa em si mesmo. “[Há] duas pessoas que todos temos dentro de nós, e (…) temos tendência para evocar aquela pessoa que nos permite sermos bem comportados em situações sociais, quando é preciso, e esconder a outra. (…) Uma entidade que não é bem comportada e que aparece com álcool, ou quando já não a conseguimos prender durante mais tempo”.

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