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Guerra na Ucrânia (que rapidamente levou à acusação de uma submissão de Le Pen perante a Rússia), imigração e poder de compra. Se estes eram, para os franceses, os temas centrais do debate desta quarta-feira à noite entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen — o único frente-a-frente dos dois candidatos na segunda volta das presidenciais francesas —, então esse tête-à-tête teria de pender para o lado do Presidente em funções. Nas quase três horas de um longuíssimo e quase sempre morno debate, Macron e Le Pen ainda trocaram argumentos sobre a União Europeia, as questões ambientais e a economia francesa. E, aí, a candidata da União Nacional conseguiu equilibrar um pouco a balança.

Mas, se em abril de 2022 os protagonistas eram exatamente os mesmos da noite de 3 de maio de 2017, de um dos lados da mesa foi possível encontrar uma Le Pen em modo “francês suave”. Há cinco anos, Macron esmagou a sua oponente, muito fragilizada por um debate que — a própria haveria de reconhecer mais tarde, lhe correu mal. Sobretudo (mas não só) no estilo. Cinco anos volvidos e Le Pen apresentou-se mais contida, menos agressiva no tom e nas palavras, uma moderada. E isso valeu-lhe, em última análise, o ponto de equilíbrio em que acabaria por terminar o grande debate para as presidenciais do próximo domingo.

Poder de compra

Vencedor: Marine Le Pen

É a grande preocupação dos franceses e aquilo que determinará o voto de muitos dos eleitores.

Marine Le Pen começou logo por ir ao fulcro da questão: “Quero devolver o dinheiro aos franceses”. Como? Com aumento de apoios e corte nos impostos. A candidata da União Nacional defendeu uma redução do IVA da energia para 5%, uma descida dos impostos sobre o rendimento, aumentos dos salários dos professores e profissionais de saúde, e mais apoio aos grupos vulneráveis, como portadores de deficiência. Sem explicar como, a candidata da extrema-direita defendeu também um aumento de 10% nos salários — quais ou como, não disse.

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Foram medidas concretas e Le Pen deixou até as contas feitas: tudo junto vai aumentar o poder de compra dos franceses em “500 a 600 euros por mês”, garantiu. Por seu lado, Macron anunciou um limite do preço da energia, uma medida que seria, no entanto, temporária, apenas como “mecanismo de gestão de crise”. Em “tempos normais”, a opção do seu governo seria antes “ajudar as pessoas a passar para veículos elétricos”.

Entre as medidas para fazer crescer o orçamento dos franceses, o Presidente referiu o aumento do salário mínimo em 34 euros e o aumento das pensões mínimas para 1.100 euros. Deixou ainda uma ideia para o setor privado: que seja obrigatório que empresas com lucros deem bónus aos funcionários.

Neste que é o grande tema desta eleição, Le Pen destacou-se pela eficácia, tanto nas propostas que fez, como nas críticas. Macron chamou a atenção para a improbabilidade de um aumento generalizado de 10% num país com mercado livre, mas a candidata da União Nacional apontou baterias aos bónus empresariais. “Na vida real, quando se vai ao banco pedir um empréstimo, pedem-lhe o seu salário real, não os bónus que recebe, porque esses podem mudar ou ser cancelados”, rematou.

Apoio à Ucrânia e ligações à Rússia

Vencedor: Emmanuel Macron

Neste tema, Macron esteve em clara vantagem, atirando a Le Pen uma frase demolidora, em tempos de guerra: “Você está na mão da Rússia”. Le Pen mostrou dificuldade em se defender.

Em causa um empréstimo que a candidata da extrema-direita contraiu junto do banco russo Aviazapchast em 2014, para financiar campanhas eleitorais. Macron foi taxativo ao dizer que esta dívida, que ainda existe, deixa Le Pen “numa relação de dependência” face à Rússia.

A candidata da União Nacional admitiu ter feito o empréstimo e disse, em jeito de justificação, que tal como muitos franceses, não conseguiu fazê-lo junto de nenhum banco nacional. “Há milhões de franceses que nos últimos anos foram pedir empréstimos a bancos e não lhe devem nada, só querem pagar os seus empréstimos, como eu”, comentou. Recusou por completo estar refém da Rússia e afirmou-se “uma mulher livre”.

Não foi uma explicação que tenha satisfeito o candidato do En Marche!, que fez questão de dizer que recorrer a um banco russo estava longe de ser algo que o cidadão comum faça. Os franceses, disse, obtêm empréstimos “em bancos franceses” e “pagam-nos de volta”.

Pressionada por Macron durante o momento de maior dificuldade durante o debate, Le Pe acusou então o Presidente de a ter impedido de obter um empréstimo em França como ministro da Economia à altura. Macron corrigiu: “O ministério das Finanças é que controla os bancos, como sabe.”

Para enfatizar esta ligação à Rússia, Macron lembrou também que a agora candidata da União Nacional foi das poucas figuras políticas europeias a “reconhecer o referendo da Crimeia” em 2014. Ainda assim, Le Pen ganhou pontos ao falar de forma emotiva sobre a guerra, e manifestou total apoio à Ucrânia: “A invasão russa da Ucrânia é inaceitável. Devemos ajudar a Ucrânia? Claro. Com ajuda humanitária? Claro. Financeira? Claro. De armamento? Claro”.

Ainda assim, manifestou reservas em relação a algumas sanções: “Concordo com as sanções impostas a oligarcas, mas não concordo com uma sanção que proíba o gás e petróleo russos, porque não afetará a Rússia, mas irá prejudicar o povo francês. As consequências serão catastróficas”.

Projeto Europeu

Vencedor: Macron

Foi um tema em que Marine Le Pen fez por moderar a linguagem, mas sem grande sucesso, vendo-se obrigada a reiterar que não pretende que França saia da União Europeia ou abandone o euro. Estas foram ideias que a candidata da extrema-direita chegou a pôr em causa, há cinco anos, mas que foram reformuladas no programa de 2022. Macron não deixou passar: “Então, 80% do seu programa mudou, é uma boa notícia em relação há cinco anos”.

Enquanto a Europa foi tema, Le Pen esteve mais à defesa que ao ataque. Macron definiu-se com um europeísta convicto, promotor de uma Europa liderada por um eixo franco-alemão, e insistiu que a candidata da União Nacional “continua a querer sair do euro, mas já não o diz”. “Já eu acredito no euro”, sublinhou.

Le Pen defendeu uma posição intermédia. “Quero permanecer na UE, mas quero transformá-la radicalmente, porque tem uma série de políticas com que discordo”, explicou. A causa da discórdia, disse, prende-se com acordos comerciais europeus, bem como com a política de imigração e a política agrícola. “Servi como eurodeputada, vi como é e pergunto: porque é que a França nunca defende os seus próprios interesses?”, questionou. “Talvez não tenha ido vezes suficientes ao Parlamento Europeu”, respondeu-lhe Macron.

Marine Le Pen chega a trazer para a mesa o tema dos trabalhadores europeus em França, dizendo que “isso prejudica o nosso país, porque não pagam impostos aqui”. Macron responde que esse é o princípio da União Europeia. “Acabar com isso significa o fim do mercado comum europeu”, resumiu.

Reforma das pensões e economia

Vencedor: Empate

A “retraite” tem sido dos temas mais falados em toda a campanha eleitoral e, à partida, não é o tema que mais favorece Emmanuel Macron, tendo em conta a proposta de aumento da idade da reforma dos 62 para os 65 anos que fez recentemente. Marine Le Pen tentou explorar isso mesmo no debate, deixando clara a sua proposta — oposta: baixar a idade da reforma. “Comigo, os franceses terão a reforma entre os 60 e os 62 anos”, garantiu, num sistema progressivo relacionado com a idade de entrada no mercado de trabalho e o número de anos de descontos.

A candidata da UN explorou o tema ao máximo. “Reforma aos 65 anos? Os franceses reformarem-se numa idade em que já não são capazes de aproveitar a reforma? A reforma aos 65 anos é uma injustiça absolutamente insuportável”, afirmou. Aquilo com que não contava era que Macron contra-atacasse com um ponto claro: o aumento do valor das pensões mínimas para 1.100 euros. Bem como o sublinhar de que o aumento será progressivo e só estará concluído em 2032.

Mesmo tendo em conta que a proposta de Le Pen é mais popular e que ela pode ter sido mais eficaz nesta matéria, quando se olha para o tema da economia em geral os resultados não são tão positivos para a candidata da extrema-direita. Puxou do soundbyte — “Para Mozart das finanças, você tem um balanço muito medíocre” — e tentou usar os números a seu favor, como quando recorreu aos dados do desemprego puxando pelo número de pessoas ativamente à procura de emprego (5,4 milhões agora contra 5,5 milhões em 2017), em vez de da taxa de desemprego (7,4% agora, face a mais de 9% há cinco anos).

Mas a ginástica numérica foi facilmente desmontada por Macron, que sublinhou não ter encontrado a palavra “desemprego” no programa da candidata da União Nacional e puxou dos galões sobre os apoios económicos relacionados com a Covid-19. “Os restaurantes, os pequenos empresários, quem os ajudou? Com empréstimos, com impostos? Eu! E tenho orgulho nisso”, afirmou o atual Presidente. Entre “retraite” e “desemprego”, um ponto para cada um.

Clima e energia

Vencedor: Le Pen

Dois projetos claros: um de combinação da energia nuclear com energias renováveis e um assente sobretudo no nuclear. Macron de um lado, Le Pen do outro. O candidato do En Marche!, porém, não conseguiu ser tão eficaz. Teve de reconhecer o caminho ziguezagueante que teve face ao nuclear, assumindo que o fecho da central de Fessenheim foi um falhanço. Atirou a acusação de “cética climática” (e levou de volta com “hipócrita climático”) e enfatizou a importância de apostar na energia solar e marítima —, mas pouco mais.

Marine Le Pen contrapôs puxando o tema para mais perto dos eleitores: “Falei com todos os pescadores que relataram o impacto daquelas turbinas nas suas zonas”, apontou e classificou a política de transição energética como “punitiva”, dando como exemplo concreto as pessoas que não podem conduzir para um hospital numa zona de emissões reduzidas por terem “um carro antigo”. “Sim à transição [climática], mas é preciso que ela seja muito menos rápida do que tem sido imposto aos franceses”, resumiu.

Para finalizar, Le Pen ainda conseguiu colar Macron à imagem de que se considera acima da maioria: “Você quer turbinas eólicas em todo o lado, menos em frente a Le Touquet”, disse, referindo-se à zona onde o Presidente passa férias e onde esteve a ser avaliado um projeto de energia eólica que acabou por não avançar. “Teorias da conspiração”, respondeu Macron. “Não, é tudo por acaso…”, ironizou a adversária.

Segurança e imigração

Vencedor: Macron

Outro dos pontos mais tensos de todo o debate, que deixou claro duas visões absolutamente opostas. Marine Le Pen começou por falar de insegurança — “O nosso país está nas ruas da amargura e estou a medir as palavras. Estamos a assistir a comportamentos bárbaros.” — e rapidamente deu o salto que liga a criminalidade diretamente à imigração. “Os franceses devem poder decidir quem vem, quem fica, quem sai do país”, declarou. Como? Através de um referendo à sua proposta que permitiria deportações com maior facilidade e acesso de franceses a serviços essenciais à frente de imigrantes, mesmo que legais.

Macron sublinhou a ligação direta feita pela candidata, que deplorou. E rapidamente a discussão evoluiu para a questão do véu islâmico, que Le Pen assumiu claramente querer banir dos espaços públicos — depois de semanas a evitar o tema em campanha. “Acredito que o hijab deve ser banido nos locais públicos, porque é um uniforme imposto pelos islamistas a estas mulheres e raparigas.” Le Pen, a feminista, foi um dos twists que tentou introduzir no seu argumentário, a par da repetida distinção entre combate “ao islamismo” e não “ao Islão”.

Apesar das nuances, o tema não beneficiou de todo Marine Le Pen. Por uma questão simples: depois de meses de campanha a tentar assumir-se como candidata moderada, líder de um partido “desintoxicado” do racismo dos últimos tempos, o discurso duro na imigração e contra o véu fez a candidata marcar pontos junto da sua base eleitoral, mas dificilmente convenceu indecisos que ainda não tenham sido seduzidos por este discurso.

E Macron capitalizou junto do potencial eleitorado de Mélenchon que não adora Le Pen, tão crucial para ganhar esta eleição, aproveitando para cavalgar a onda e colar a candidata o mais à extrema-direita possível: “Você quer polícias a correr pela rua a deter mulheres que usam hijab (…). Temos muçulmanos que morreram em ataques terroristas, e você quer tirar-lhes os véus?”, disse. “Você está a criar uma guerra civil se fizer isso. França, o berço do Iluminismo, tornar-se-ia o primeiro país no mundo a banir símbolos religiosos no espaço público.”

Estilo

Vencedor: Le Pen

A calma quase soporífera de Marine Le Pen, serena durante quase todo o debate, podia ser uma desvantagem, mas não foi. Depois de um debate de 2017 em que a candidata da UN se deu mal pela postura agressiva e impreparada, desta vez a correção foi feita com todo o cuidado. Por um lado, pelo recurso a dados consolidados e estudados, que evitaram erros como os de há cinco anos, quando confundiu o Euro com o ECU. Por outro, pela postura suave. Exemplo: quando Le Pen mencionou Charles de Gaulle e Macron se indignou, dizendo “Não invoque CDG!” como se fosse blasfémia o nome do antigo Presidente passar-lhe pelos lábios, Le Pen manteve toda a calma e respondeu simplesmente “Invoco, sim”.

A candidata acusou várias vezes Macron de estar a mentir, mas nunca com voz elevada ou exasperação. Em vez disso, foi eficaz a tentar retratar o candidato do En Marche! como um adversário arrogante, que não consegue evitar entrar no tom professorial e que olha de cima para baixo para adversários e eleitores. “Senhor Macron, não me dê lições sobre como vou sustentar o meu programa”, disse a certa altura. “Eles sentem o seu desprezo”, afirmou repetidamente, referindo-se a sindicatos, professores ou eleitores no geral. Não por acaso, mencionou os Coletes Amarelos duas vezes, também.

Emmanuel Macron refreou-se muitas vezes, mas não conseguiu evitar resvalar por vezes para a caricatura de que é tantas vezes alvo, como quando quis explicar a Le Pen — e aos espectadores — o que era o hidrogénio verde. A audiência já estava perto de desligar e a adversária sabia-o, limitando-se a sorrir de volta. Até no momento mais alto do debate para Macron, quando encostou Le Pen às cordas na questão do empréstimo ao banco russo, não conseguiu evitar repetir várias vezes que a UN “ainda não pagou o seu empréstimo”. O ponto era o de tentar provar a dependência de Le Pen face à Rússia; mas, perante muitos franceses confrontados com as suas próprias dívidas, não é de excluir que alguns tenham interpretado o momento como exemplo de um Presidente distante das suas vidas.