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Não era “aluna de quadro de honra”, passava horas a ouvir Sérgio Godinho e um dos primeiros encontros que teve verdadeiramente com a azáfama de Lisboa foi para ir ver um concerto dos Supertramp no estádio de Alvalade
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Não era “aluna de quadro de honra”, passava horas a ouvir Sérgio Godinho e um dos primeiros encontros que teve verdadeiramente com a azáfama de Lisboa foi para ir ver um concerto dos Supertramp no estádio de Alvalade

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Não era “aluna de quadro de honra”, passava horas a ouvir Sérgio Godinho e um dos primeiros encontros que teve verdadeiramente com a azáfama de Lisboa foi para ir ver um concerto dos Supertramp no estádio de Alvalade

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

São José Correia, a actriz narradora de "O Encantador de Ricos": "A televisão veio abrir horizontes na nossa sociedade"

Entre o teatro, a televisão, o cinema e a realização, uma certeza: "Gosto de andar neste barco". Quem é hoje São José Correia, que dá voz ao podcast do Observador "O Encantador de Ricos"?

“Sou um ser criativo e quando assim é, tudo o que quero fazer é continuar a criar”: as palavras têm peso e fazem eco na carreira com mais de três décadas que já leva, entre palcos e ecrãs. Quase a chegar aos 50 anos, São José Correia é uma das atrizes portugueses mais conhecidas da sua geração. Mulher sem filtros, sem dogmas definidos e multifacetada. Nasceu poucos meses depois da revolução de Abril e esse espírito, em certa medida, também explica muito daquilo que foi o seu percurso como intérprete — mas não só. Não é pessoa de balanços: “Fazer isso seria cair na armadilha de achar que a minha vida está a passar. Pelo contrário. Há muita coisa por fazer e tento não olhar para o que fiz de forma fechada”, explica em entrevista ao Observador.

Já o disse no passado. Não é só da televisão, dos palcos ou do cinema. É atriz e também narradora. Aliás, esse foi um dos desafios que abraçou recentemente, ao emprestar a sua voz de intérprete a O Encantador de Ricos, o novo podcast narrativo do Observador (faz parte da série Podcast+), que conta a história do corretor Pedro Caldeira e tem banda sonora original do músico e compositor Paulo Furtado, The Legendary Tigerman. “Sempre sonhei em ter um programa da rádio, daqueles que vão para o ar na madrugada e correm pela noite fora”, diz. O gosto pela palavra e pela leitura salientaram a importância deste novo desafio. “Além de estar a dar o meu lado de intérprete, está aqui também o desafio de se juntar um profundo trabalho de investigação com uma narração ficcionada, algo que me fascina porque precisa de despertar o imaginário do ouvinte”, acrescenta. Entre as muitas experiências profissionais que acumula há o elo comum de procurar uma plateia em tudo o que faz. “Gosto de saber que algures no processo está um interlocutor. É para ele que me dirijo.”

Durante as gravações da narração de "O Encantador de Ricos", o novo capítulo da série Podcast+ do Observador

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A sua vida foi uma itinerância criativa. Viveu entre Lisboa, Almada e na ilha da Madeira. Quis ser advogada, mas era tímida. Subiu aos palcos – incentivada por um namorado que já era ator – com o medo de quem vai saltar de paraquedas pela primeira vez, mas foi ai que encontrou o que queria realmente fazer ao longo da vida. Para a banda sonora da mesma, escolheria talvez o terceiro disco de Tom Waits, Nighthawks at the Diner (1975). Mas também poderia ser um qualquer disco de Leonard Cohen. Nunca houve um “plano B”. Iniciou-se no universo da representação, mas nunca foi algo que desejasse em pequena. Ainda assim, adianta, não teria feito outra escolha de profissão se soubesse o que sabe hoje.

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Do salão de jogos para os palcos

Nem seis meses passados do 25 de Abril e nascia, a 13 de setembro de 1974, Maria José Correia da Silva. Nascida na capital, a família vivia em Almada, embora os pais fossem madeirenses. “A minha mãe era doméstica e o meu pai trabalhava na Lisnave. Tenho poucas memórias. Lembro-me dos períodos de greves, mas nem sei bem qual era a posição do meu pai. Foram tempos conturbados”, conta. Ainda antes de terminar a 4.ª classe rumaram de novo ao arquipélago e foi lá que ganhou amor ao Funchal e à Ponta do Sol. Só mais tarde voltaria ao continente, quando a família se fixou novamente em Almada. Numa entrevista que deu ao Observador em 2018 recordava a infância passada na rua, onde perdeu os medos. Era maria-rapaz e não descartava qualquer oportunidade de invadir as ruas. “Tocava nas campainhas, andava de skate, jogava ao mata, mas também jogava ao elástico. E andava à porrada”, lembra.

“Foi uma mudança um pouco difícil, mas era uma decisão importante que tinha de tomar. Lembro-me que estávamos a fazer o Mercador de Veneza e percebi que ia ser difícil conciliar a novela com o teatro. Desisti da peça. Foi uma decisão difícil, mas necessária.”

No período de adolescência, ainda a margem de Almada parecia distante de Lisboa, era uma jovem que gostava de passar tempo com os amigos e, sobretudo, dos muitos serões a jogar snooker. Não era “aluna de quadro de honra”, passava horas a ouvir Sérgio Godinho e um dos primeiros encontros que teve verdadeiramente com a azáfama de Lisboa foi para ir ver um concerto dos Supertramp no estádio de Alvalade. Nessa época, recorda, Almada era um espaço de confronto entre tribos urbanas, em especial pelos skinheads que marcaram a história da cidade naqueles anos. Já Lisboa era, até então, apenas uma ideia vaga, que pouco tempo lhe ocupava o pensamento.

Olhando para esses anos, São José Correia destaca como viu muitos episódios violentos nas ruas e que de alguma forma a impactaram, embora não a tenham feito medrosa ou agressiva. “Sempre tive as minhas ideias e refleti muito sobre as pessoas que me rodeavam”, completa. Por causa de um namorado que já pertencia à Companhia, aproximou-se do Teatro de Almada (CTA), para depois surgir um convite de Joaquim Benite. “Ele convidou-me para fazer um espetáculo infantil. Eu não queria, mas felizmente o meu namorado obrigou-me.” Tudo iria, no entanto, mudar. As faltas às aulas e o não aceitar por parte do pai ao facto de querer ser atriz fê-la sair de casa. “Foi um período muito desafiante para mim, mas foi também quando a CTA abriu um curso de formação de atores que frequentei e que me fez continuar a ser atriz”, sublinha. Ali permaneceria durante dez anos.

Como protagonista no teatro e no cinema ("O Medo Devora a Alma" e "A Bela América"); e a primeira realização, a curta "Uma Noite na Praia"

Entre Bertolt Brecht, García Lorca e William Shakespeare, São José Correia ia, aos poucos, criando a sua própria mundividência artística. Ainda hoje recorda a importância de aprender com outros atores e atrizes, sobretudo pela mão de Teresa Gafeira. “Ensinou-me muito, não só por iniciativa dela, mas pelo simples facto de a observar a trabalhar e a viver o teatro. É um dos últimos dinossauros no sentido em que ela só vive e só pensa no teatro. É inteira e plena naquilo que faz em palco”, realça. Além de Teresa, Joaquim Benite, Rogério Carvalho e Jorge Listopad foram figuras decisivas, que lhe permitiram ir mais além.

No virar para o novo milénio, a televisão tinha ganho um avanço decisivo no que à ficção dizia respeito. “Em 2001 tinha feito um telefilme da SIC e foi aí que o José Eduardo Moniz [então diretor-geral da TVI] viu o filme e convidou-me para protagonista de O Último Beijo, no ano seguinte. Foi a minha primeira novela.” Depois de uma década em palco, tinha vontade de experimentar e de se testar a si própria. “Foi uma mudança um pouco difícil, mas era uma decisão importante que tinha de tomar. Lembro-me que estávamos a fazer o Mercador de Veneza e percebi que ia ser difícil conciliar a novela com o teatro. Desisti da peça. Foi uma decisão difícil, mas necessária.”

"No início, o ritmo era muito duro. Tive dias em que gravava, ia fazer um espetáculo e depois de terminar ainda ia gravar novamente. São muitas horas e dias em que é preciso manter uma disponibilidade total. Consegui porque era jovem, mas hoje já não conseguiria”

Bem vistas as coisas, reflete, o princípio de trabalho do ator é igual. “A entrega, a concentração e o estudo são parecidos. Claro que a confusão maior era a relação com a câmara, mas também surgiu muito naturalmente”, diz. As telenovelas sucederam-se em catadupa e também os papéis como protagonista. A jovem de Almada começava então a ser uma atriz com carreira, já a viver em Lisboa e a ser reconhecida nas ruas. “Chegou o estrelato. Quando decidi ser atriz nunca pensei nesse lado, em que de repente a nossa privacidade fica em perigo. Querem saber da nossa vida e contar a nossa história. Lembro-me que no início houve uma revista que foi entrevistar uma vizinha da minha mãe. Foi de mais. Passado algum tempo acabamos por saber lidar com isso, mas não é o lado que mais me agrada, definitivamente”, sintetiza.

Para onde navegar?

O trabalho em televisão, sobretudo nas novelas, deu-lhe vantagem financeira e revelou-a como atriz para o grande público. E por isso mesmo, salienta, é preciso que não se descure a importância que a televisão tem para uma vasta geração de atores e atrizes. “Criou uma carreira, deu trabalho a imensa gente. Teatros temos poucos e não há condições para termos companhias. A televisão veio abrir horizontes na nossa sociedade e a ficção foi essencial nessa formação de diferentes pessoas.” No meio disso, diz, subsiste por vezes uma mesquinhez e um estereótipo face aos atores que fazem muitas novelas. E mesmo quando quis ficar fora disso, foi apanhada pelo preconceito. Sobre isso recordou, em 2018, o momento em que realizou a sua primeira curta-metragem, Uma Noite na Praia (2014).

“Adoro tudo o que diz respeito à minha profissão. Lá no fundo sempre quis ser atriz. Seja a fazer teatro, televisão ou a realizar, gosto de andar neste barco”

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Comecei a realizar curtas-metragens e enviei a primeira [Uma Noite na Praia, 2014] para um festival de cinema bastante conhecido, não interessa dizer qual, para não criar conflitos. Alguém do festival diz isto: ‘Então, mas esta não faz novelas? E agora é realizadora?’ Primeiro, disse ‘esta’, e não ‘a São José’. Depois, ‘faz novelas’, como se eu tivesse uma máquina de fazer novelas; sou atriz, trabalho para televisão, cinema, teatro, conforme há convites. E mesmo que seja ‘atriz de novelas’, faço teatro desde os 19 anos, estive uma década na Companhia de Teatro de Almada. Se aquela pessoa não sabe que faço teatro, não sabe grande coisa do meio”, contava na mesma entrevista ao Observador em 2018.

De mal ao menos, a verdade é que a vontade de fazer cinema ficou. Pela primeira vez, diz, concorreu aos apoios do ICA como realizadora para poder fazer a sua próxima curta-metragem. “Concorri com a produtora do Leonel Vieira. Não quero deixar de ser atriz, mas gosto de realizar e de me envolver nas diferentes partes do processo. Para o ano gostava de ganhar o apoio do ICA e fazer uma curta-metragem com as condições que se exigem para fazer um bom trabalho. Seria a cereja no topo do bolo”, diz. Também não deixou de fazer teatro. Além da CTA, trabalhou com a Escola de Mulheres e o Teatro Aberto, entre outras. As novelas abrandaram, mas atualmente o ritmo também é outro. “A TVI também já não faz tantas produções como no passado e isso dá-nos mais tempo para descansar. No início, esse ritmo era muito duro. Tive dias em que gravava, ia fazer um espetáculo e depois de terminar ainda ia gravar novamente. São muitas horas e dias em que é preciso manter uma disponibilidade total. Consegui porque era jovem, mas hoje já não conseguiria”, ressalta.

“Por muitas entrevistas que dê, claro que as pessoas nunca sabem quem nos somos, mas também não sabemos quem somos realmente. Hoje dou uma entrevista, mas se fosse amanhã, o meu discurso seria outro. Somos as circunstâncias em que nos encontramos.”

Ao longo dos anos ganhou prémios, criou personagens sobre as quais ainda hoje é abordada na rua e emprestou a voz para diversos filmes. Está tranquila, diz, com a imagem que as pessoas possam ter dela, ainda que a mesma possa ser diferente da realidade. “Por muitas entrevistas que dê, claro que as pessoas nunca sabem quem sou, mas também nunca sabemos quem somos realmente. Hoje dou uma entrevista, mas se fosse amanhã, o meu discurso seria outro. Somos as circunstâncias em que nos encontramos.” Como profissional do setor da cultura não deixa, no entanto, sobre as dificuldades de se criar algo artístico em Portugal. “Não temos condições. O dinheiro que existe é muito pouco. Dizem que o teu produto ou ideia é válida, mas não chega a todos e há uma lógica empresarial na forma como se gera a cultura que não se liga com a criação artística”, explica.

Deixa uma imagem: “Se fechassem durante uns meses os teatros em Lisboa, sem mais nenhuma explicação, as pessoas iriam dizer alguma coisa, porque o teatro afinal de contas colabora intelectualmente para a nossa sociedade.” Iniciou a sua carreira aos 19 anos, mas não está cansada do que escolheu fazer. Pode haver saturação de algumas coisas, como o facto de viver no Cais do Sodré, um dos locais mais apinhados de turistas de Lisboa. Mas é uma forma de poder olhar também para o seu passado e o lugar onde tudo começou. “Adoro tudo o que diz respeito à minha profissão. Lá no fundo sempre quis ser atriz. Seja a fazer teatro, televisão ou a realizar, gosto de andar neste barco”, termina.

Podcast “O Encantador de Ricos”:

Ouça aqui o trailer

Trailer “O Encantador de Ricos”. Estreia a 7 de novembro

Ouça aqui o 1.º episódio

Estreia. “O Encantador de Ricos”. Episódio 1: A máquina de fazer dinheiro

Ouça aqui o 2.º episódio

Episódio 2: “O grande estouro”

Ouça aqui o 3.º episódio

Episódio 3: “A festa não pode parar”

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