Será uma das sessões mais aguardadas no Parlamento português — até por ser um momento de exceção na Assembleia da República, que só muito raramente recebeu líderes estrangeiros para os ouvir. Volodymyr Zelensky discursará por videoconferência para os deputados portugueses esta quinta-feira e os pormenores da sessão estão a ser ultimados — enquanto o Parlamento, em alerta com a exposição da sua rede ao exterior, já adota medidas de prevenção e suspendeu o próprio arquivo de imagens até sexta-feira.

Ao mesmo tempo, a maior dúvida sobre a sessão permanece: o que irá o PCP, único partido que não concorda com a “presença” virtual do Presidente ucraniano na Assembleia, fazer?

O mistério será desfeito na tarde desta quarta-feira, quando os comunistas finalmente revelarem, numa conferência de imprensa marcada especificamente para o efeito, se vão estar presentes para ouvir Zelensky. Mas entretanto já é possível perceber em que moldes vai decorrer a intervenção, proposta pelo PAN e aprovada por todos, exceto os comunistas.

A declaração de Zelensky, marcada para as 17h desta quinta-feira, será feita em videoconferência e transmitida nos ecrãs do Parlamento, em direto. Segundo fonte do gabinete do Presidente da Assembleia da República, a ideia será que se ouça “o som da sala”. Ou seja, que na sala onde Zelensky discursar, em ucraniano, esteja um intérprete a fazer a tradução simultânea para português, o que evitará que deputados e jornalistas precisem de um auricular para perceber o discurso.

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No hemiciclo português não se encontrarão, no entanto, apenas os deputados. Desde logo, Marcelo Rebelo de Sousa estará presente, depois de ter dirigido em conjunto com o Parlamento o convite — de chefe de Estado para chefe de Estado — a Zelensky, e sentado na mesa da Assembleia, junto a Santos Silva. O presidente da AR irá receber Marcelo e António Costa à entrada do Parlamento para os acompanhar até ao plenário (no caso de Espanha, por exemplo, houve alguns problemas técnicos que atrasaram o início da sessão em cerca de quinze minutos) — nesse cenário, as altas figuras do Estado português deverão encaminhar-se para a sala de visitas de Santos Silva para fazer um compasso de espera.

Caberá, então, a Santos Silva abrir a sessão e passar a palavra a Zelensky, que não tem limite de tempo para falar — mas o Parlamento português analisou a duração das intervenções que fez noutros países e calcula que não vá além dos quinze minutos. Para lá disso também não deverá ir a intervenção que Santos Silva fará imediatamente a seguir, a fechar a sessão — Marcelo estará presente mas não falará.

Na bancada do Governo assistirão António Costa acompanhado da ministra da Defesa, Helena Carreiras; ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes; e o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Francisco André. O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, não estará presente porque testou positivo à Covid-19.

O leque dos convidados será, no entanto, mais vasto, por decisão de Santos Silva, que quis estender a lista até ao ponto 26 das precedências do protocolo de Estado, para incluir os representantes das autarquias. Significa isto que o elenco incluirá os presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e Presidente do Tribunal Constitucional, os Presidente do Supremo Tribunal Administrativo e Presidente do Tribunal de Contas, os antigos Presidentes da República, a Procuradora-Geral da República, o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, conselheiros de Estado, ou presidentes do Conselho Económico e Social, da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e da Associação Nacional das Freguesias.

Os antigos-presidentes da República (Cavaco Silva e Ramalho Eanes) também serão assim convidados. Noutro plano, o líder do CDS, Nuno Melo, estará igualmente presente na cerimónia, apesar de o partido não ter representação parlamentar.

Além disto, confirma fonte do gabinete de Santos Silva, a lista deverá ainda incluir representantes da comunidade ucraniana, professores de ucraniano em Portugal e convidados da igreja ortodoxa. Depois disso, deverá ouvir-se o hino português no Parlamento, fechando assim a sessão.

Intervenção de Zelensky põe Parlamento em alerta de segurança

Entretanto, a sessão está a gerar preocupações de segurança na rede cibernética do Parlamento, que já está em alerta e a tomar medidas de prevenção.

Ao Observador, fonte do gabinete de comunicação da Assembleia confirmou que “está a ser dada atenção à segurança da rede” por várias razões, incluindo o elevado número de acessos que é esperado e “a preocupação de que a reunião corra sem falhas”.

Mas, ao que o Observador apurou, o problema pode ser mais complexo: existe mesmo uma preocupação com a “possibilidade de haver algum problema com os servidores expostos ao exterior” amanhã, o que poderá “dificultar a vida” ao Parlamento, nas palavras dos responsáveis da ARTV.

Entre as medidas de prevenção encontra-se a suspensão do acesso ao arquivo da ARTV, sendo que as gravações já não estão, neste momento, disponíveis no site. Os grupos parlamentares foram também avisados de que hoje às 19 horas será desligado o acesso aos seus gravadores (para poderem retirar os vídeos das intervenções dos seus deputados). A ARTV garante que na sexta-feira os serviços voltarão à normalidade.

As táticas de Zelensky, que fala na semana do 25 de abril

Cada discurso de Zelensky é pensado e preparado especificamente para os deputados do país a que se dirige — e já foram dezenas deles. Como o Observador explica aqui, o presidente ucraniano segue uma estrutura composta por seis passos: criar empatia, destacar um paralelismo com a História do país a que se dirige, fazer um ponto de situação sobre as notícias da guerra, explicar como é que isto influencia o país para o qual está a falar, fazer uma dicotomia entre o bem e o mal — para defender que quem está com a Ucrânia está com o “bem” e os valores partilhados, apresentando a Rússia como o vilão desta história. Por último, elogia o país — mas para o responsabilizar. Ou seja, agradece o esforço, mas lembra que ainda não é suficiente e que o povo ucraniano continua a sofrer.

No Parlamento britânico, por exemplo, Zelensky citou palavra por palavra o célebre discurso de Churchill — “lutaremos nos bosques, nos campos, nas praias, nas cidades e aldeias, nas ruas. Lutaremos nas colinas, nas margens do Kalmius e do Dnieper. E não nos renderemos”. Para os norte-americanos, levava prontas as referências a Pearl Harbor, para lembrar a segunda guerra mundial, assim como ao 11 de setembro. E aos alemães quis deixar a recordação do derrube do muro de Berlim — tentando que a Alemanha se colocasse do tal lado “certo” do muro, ou melhor, apoiasse de forma cada vez mais efusiva a Ucrânia.

Em Portugal, resta adivinhar o que Zelensky dirá, sendo certo que tem um gancho fácil de agarrar — fará referências ao 25 de Abril, uma vez que a intervenção calha apenas três dias antes da comemoração da revolução portuguesa? Uma coisa é certa: a preparação está em curso e, como adiantou fonte da embaixada ucraniana em Lisboa à CNN, Zelensky está em contacto com os seus diplomatas em Portugal para escrever o discurso e até já aprendeu a dizer “obrigado”.

PCP desfaz mistério em conferência de imprensa

O PCP foi o único partido a opor-se à intervenção do Presidente ucraniano no Parlamento português. Justificação: a Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, “não deve ter um papel para contribuir para a confrontação, para o conflito, para a corrida aos armamentos”. Depois, o partido recusou revelar se estaria ou não presente na sessão, remetendo o esclarecimento para esta quarta-feira à tarde, embora na CNN o comunista Bernardino Soares tenha adiantado que a posição do PCP “não será certamente de aplaudir efusivamente a intervenção”.

O ex-deputado sublinhou que no Parlamento “só falam presidentes de outros países que tenham relações especiais com Portugal” – como representantes dos PALOP, o presidente francês e, uma vez, o presidente dos EUA, Ronald Reagan, em 1985, apesar de as situações “não serem comparáveis”.

E criticou o cheiro a “Macarthismo no debate público”. “Parece-me que há uma tentativa de centrar o debate na posição do PCP, quando o que o PCP fará — se estará, se não, se bate palmas… O fundamental é centrar a discussão no que significa aquela sessão e o que o senhor Zelensky vai lá dizer. Esta sessão vai ocorrer, e se reproduzir o que aconteceu noutras sessões noutros parlamentos, com um apelo à intevenção da NATO neste conflito. E pergunto-me se os deputados, ou parte significativa deles, vão subscrever este partido”. Apesar da reclamação do PCP sobre o foco na posição do partido, os próprios comunistas decidiram convocar uma conferência de imprensa sobre o assunto.

Outra questão é a participação de um membro do batalhão Azov, de extrema-direita e que inclui neonazis, como aconteceu no Parlamento grego, recordou Bernardino. Nesse caso, Zelensky aproveitou a sua intervenção para dar a palavra, através de um vídeo, a um soldado dos Azov que nasceu e está a combater em Mariupol contra os “nazis russos”, como disse.

Ora a intervenção provocou um enorme desconforto na oposição, mas também no próprio Governo: o porta-voz do Executivo, Giannis Oikonomou, assumiu que a inclusão da mensagem do soldado fora “incorreta e inapropriada”, depois de o líder do Syriza, Alexis Tsipras, ter falado de uma “vergonha histórica” e de uma “provocação”. Já o antigo-primeiro ministro Antonis Samaras descreveu como “um grande erro” a decisão de, como disse o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Nikos Kotzias, “dar palco a um nazi”.

Esta não é a primeira vez que o PCP assume uma posição de protesto em relação a visitas ou intervenções de chefes de Estado estrangeiros, embora sem deixar de participar na sessão. Em 1985, os comunistas estiveram presentes na sessão que recebeu o então Presidente norte-americano, Ronald Reagan, mas abandonaram a sala antes do discurso. O contexto era diferente: o muro de Berlim ainda não tinha caído e as relações com a Rússia eram próximas — e, por oposição, com os Estados Unidos eram bem distantes.

Outra situação do género aconteceu em 2016, quando os deputados portugueses receberam o rei de Espanha, Felipe VI, no Parlamento. A intervenção do rei de Espanha no Parlamento português, rematada com a garantia de que o país está “no coração” do rei espanhol, foi aplaudida de pé pelo primeiro-ministro e restantes membros do Governo e pelos grupos parlamentares do PSD, PS e CDS. Se o Bloco de Esquerda decidiu não aplaudir e permanecer sentado — o deputado José Soeiro fez, aliás, questão de vestir nesse dia uma t-shirt com a bandeira espanhola republicana, em sinal de protesto — o PCP também preferiu não aplaudir, mas mesmo assim os deputados levantaram-se no final da intervenção.

A atitude do PCP, que participou — ao contrário dos bloquistas — na sessão posterior de cumprimentos ao monarca foi, aliás, notada por outros partidos. Nesse dia, o social-democrata Duarte Marques frisava o institucionalismo sempre associado ao PCP, dizendo ser essa a “diferença” entre comunistas e bloquistas: “O PCP não bate palmas mas demonstra respeito pelo interesse nacional e sentido de Estado. O BE é apenas mal educado”.

Nessa altura, o Bloco — que justificou a posição assumida lembrando que não valoriza “as relações de poder com base em relações de sangue e não em atos democráticos” — foi de longe o partido mais criticado pelo protesto. Desta vez, é o PCP que se encontra visivelmente isolado no Parlamento português.