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Muito turismo em Lisboa? O que podemos aprender com o que foi feito lá fora

Veneza, Barcelona, Copenhaga e Paris recebem milhões de turistas por ano. Como reagiram os cidadãos e os políticos ao turismo de massas? O que foi feito? O que pode Lisboa aprender?

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Lisboa está na moda. O sol faz brilhar a calçada (tem dias), o elétrico 28 leva a sítios improváveis, depois há as casas de fado, a arquitetura, os pastéis de nata, a História, as histórias, o chão outrora pisado por poetas e espiões. Um antes e depois em confronto. Tudo isso faz o vento soprar a favor da capital portuguesa. Em abril de 2015, o El País escrevia que “Lisboa é outra coisa”, “deslumbrante e multicultural”, com “cada vez mais admiradores”. Porquê? “Hostels calorosos, vida de bairro, noites inesperadas e tabernas familiares.”

Mas está também na moda falar de Lisboa. E pensar Lisboa. No abre e fecha, nos turistas, nos hotéis e hostels que nascem como cogumelos, no novo restaurante de fast food mais famoso prestes a abrir no Chiado, nas lojas típicas que desaparecem ou que estão em risco, na identidade que escapa entre os dedos, no dinheiro que trazem os visitantes, nos lamentos, nas novas tendências, nas línguas que andam por aí, nos preços que sobem, nos alugueres locais, nos tuk -tuk e por aí fora. É um mundo.

E no mundo esta discussão também acontece. Pequenos paraísos urbanos que viraram o suspiro do planeta inteiro. Barcelona, Veneza e Amesterdão estarão em maior evidência. Chegaremos a Copenhaga e Cinque Terre. O que aconteceu? Pode dizer-se que há demasiado turismo? O que se fez? Há consequências? É irresponsável falar-se em excesso de turismo? Há forma de o controlar?

BARCELONA, SPAIN - APRIL 10: A couple take a selfie as they enjoy the views over the city on April 10, 2015 in Barcelona, Spain. Barcelona's city hall has put a regulation in motion that bans large tourist groups visiting Barcelona's most popular market. Barcelona's authorities are debating how to control the number of tourist in the city as an estimated 10 million people are due to visit this year. (Photo by David Ramos/Getty Images)

Barcelona (Photo by David Ramos/Getty Images)

Barcelona: suspender licenças hoteleiras por um ano

“Se não queremos acabar como Veneza, algum limite de turismo terá de haver em Barcelona.” Quem o dizia era a candidata à Câmara de Barcelona, em junho de 2015, numa entrevista ao El País. Ada Colau estudou Filosofia, embora não tenha terminado o curso, e esteve ligada muito tempo a questões viradas para a habitação e o drama dos despejos, que era o retrato real da crise financeira espanhola — a catalã chegou a anunciar que multaria bancos que possuíam casas vazias. Colau venceria as eleições e prometeu mudanças.

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“Podemos crescer mais, mas não sei até onde”, dizia na mesma entrevista, ainda sobre o turismo. “Há que olhar seriamente. Quando falo de fazer um plano estratégico com todos os atores deve servir também para ver qual é o limite da carga [de turistas], porque algum haverá.”

Em julho do ano passado, a autarca Ada Colau assinou uma moratória para suspender temporariamente, por um ano, a concessão de licenças para a construção de hotéis e outros empreendimentos associados ao turismo. Resumindo, a catalã meteu um stop em 45 novos projetos. O objetivo era estudar o impacto dos turistas na cidade.

A cidade condal recebeu 7,5 milhões de turistas em 2013 — seis deles chegaram do estrangeiro. Em 2000, o número foi bem mais humilde: 3,14 milhões de pessoas visitaram a Sagrada Família e as maravilhas de Gaudí.

Em 2014 a cidade condal recebeu 7,8 milhões de turistas — seis deles chegaram do estrangeiro. Em 2000, o número foi bem mais humilde: 3,14 milhões de pessoas visitaram a Sagrada Família e as maravilhas de Gaudí. O The Telegraph, por altura das autárquicas, ouviu o seu especialista em viagem, Sally Davies, que vive na segunda grande cidade espanhola. “Sou fã de Ada Colau e do que ela espera alcançar, mas espero que não se deixe levar pelo sentimento populista de ‘turistas vão para casa'”.

E continuou: “Espero que ela tenha em conta que muitos dos negócios aqui, incluindo as lojas centenárias e os pequenos restaurantes, apenas sobreviveram à recessão graças ao dólar turista. (…) O que está realmente a prejudicar a economia e as pessoas, contudo, é o subarrendamento dos apartamentos a turistas, o que está a expulsar os locais do mercado da habitação”.

Em março do ano passado, já haviam sido tomadas medidas em defesa do comércio tradicional. A autarquia de Barcelona elaborou uma lista com 32 nomes de lojas e estabelecimentos intocáveis.

Ainda assim, apesar de a discussão estar no pico, a cidade já havia feito algo para travar esta onda. Ou para se proteger, vá. Em outubro de 2013, começou a cobrar-se oito euros de entrada no Parc Guell, um cantinho mágico que transpira a genialidade de Antoni Gaudí, apimentado por músicos de rua e paisagens simpáticas. Em abril de 2015, grupos de turistas com 15 ou mais aventureiros começaram a ver condicionada a sua entrada na La Boqueria, uma espécie de Disneyland de sabores, cheiros e cores. Esses grandes grupos não podem visitar o mercado nas horas mais movimentadas — sextas e sábados, das oito da manhã às três da tarde.

Antes, em março do ano passado, também tinham sido tomadas medidas em defesa do comércio tradicional. A autarquia de Barcelona definiu uma lista com 32 nomes de lojas e estabelecimentos intocáveis. Lá está, lutava-se já contra a perda de identidade, a favor do que é da cidade, do que é rotineiro e do quotidiano, do que é das pessoas.

Em 2014, um documentário do realizador Eduardo Chibás ouviu locais e visitou pontos da cidade. “Estamos a perder a cidade para os turistas, e penso que isso não é bom”, dizia uma residente da capital da Catalunha. Outro queixava-se da criação de uma nova Barcelona para quem vem de fora. Queixava-se da identidade e de as atividades estarem a ser desvirtuadas, ou seja, é outra Barcelona, perdendo essência. O desconforto de partilhar prédios com vizinhos que mudam a cada três, quatro dias, é outro ponto em discussão.

Em julho de 2015, os residentes de Barcelona disseram numa sondagem que os principais problemas da cidade eram o desemprego e as condições de trabalho (31,9%), seguindo-se o trânsito (5,5%) e o turismo (5,1%). Só depois chega a pobreza, com 5,1%

Em julho de 2015, os residentes de Barcelona disseram numa sondagem que os principais problemas da cidade eram o desemprego e as condições de trabalho (31,9%), seguindo-se do trânsito (5,5%) e turismo (5,1%). Só depois chega a pobreza, com 5,1%.

A discussão não é de agora, de facto. Em Lisboa até é recente, mas em Barcelona os problemas vêm de trás. E os olhos estão sempre em Veneza (já lá vamos). O medo dos locais é tornarem-se em algo semelhante àquele labirinto italiano de canais e pessoas. Em setembro de 2014, o The Guardian publicou um artigo de opinião de Ada Colau com o título: “Turismo de massas pode matar uma cidade — perguntem aos residentes de Barcelona”.

“”Começamos a ver Veneza sem os venezianos. Está a acontecer em Barcelona também, uma cidade com dois milhões de habitantes que recebe 7,5 milhões de turistas por ano”

A então futura alcaldesa sugeria que o ponto de viragem foi os Jogos Olímpicos de 1992. “Começamos a ver Veneza sem os venezianos. Está a acontecer em Barcelona também, uma cidade com dois milhões de habitantes que recebe 7,5 milhões de turistas por ano. A Câmara Municipal disse que quer aumentar para dez milhões de visitantes por ano”, escrevia alguém que nem sonhava chegar à liderança do poder local.

E o que acontece aos residentes, segundo Colau? Bom, estão em risco de serem expulsos das zonas típicas, por “especuladores” que aumentam as rendas dos apartamentos e que mudam a natureza do comércio local. “Se eles decidirem ficar, têm de aguentar o barulho e a poluição, que são difíceis de combinar no dia-a-dia. É paradoxal, mas turismo de massas sem controlo acaba por destruir as coisas que fizeram a cidade atrativa para os visitantes: a atmosfera única da cultural local.”

LONDON, ENGLAND - SEPTEMBER 09: Tourists look at the view across the Grand Canal from the Rialto bridge on September 9, 2011 in Venice, Italy. (Photo by Ian Gavan/Getty Images)

Veneza (Photo by Ian Gavan/Getty Images)

Veneza: 45,8% da população fugiu da cidade

Por mais jornais e artigos de opinião que se vasculhe, não há volta a dar: Veneza é o pináculo do lado sombrio do turismo. Não é difícil de imaginar as mudanças e as consequências de uma cidade com 60 mil habitantes que recebe cerca de 20 milhões de pessoas por ano. Vinte.

Elizabeth Becker, jornalista do New York Times e escritora de livros sobre esta temática, escreveu para o Daily Beast para explicar o fenómeno Veneza, a que chamou “obra de arte ao ar livre”. A principal consequência, diz a autora, é a saída dos locais da cidade. “Não conseguem pagar as rendas mais altas promovidas pela procura estrangeira.” Outro problema será o fechar de olhos, por parte das autoridades, aos alugueres ilegais de habitação.

Lojas e estabelecimentos, inclusivamente de ensino e saúde, que davam resposta à população local, têm vindo a ser substituídos por espaços para compra de souvenirs e pastelarias. Nos últimos tempos, o número de cinemas desceu de 20 para dois, e os preços para turistas começaram a ser praticados para locais.

Lojas e estabelecimentos, inclusivamente de ensino e saúde, que davam resposta à população local, têm vindo a ser substituídos por espaços para compra de souvenirs e pastelarias, por exemplo. Nos últimos tempos, o número de cinemas desceu de 20 para dois. Mais: os preços para turistas começaram a ser praticados para locais, conta o Independent.

O diário inglês traça assim o panorama de Veneza: “Das 20 milhões de pessoas que visitam Veneza por ano, apenas metade dorme lá, razão pela qual as dormidas nos hotéis terem descido dois terços nos últimos 25 anos. (…) A população de Veneza está a diminuir graças ao menor número de postos de trabalho que envolvem turismo, assim como pelo custo da comida, transporte e habitação. (…) Os proprietários de habitação converteram os apartamentos em hotéis ou em alugueres para Airbnb, levando ao aumento dos preços”.

Conclusão: só os mais ricos podem ficar a fazer vida em Veneza. Há 30 anos, havia mais de 120 mil habitantes na cidade, enquanto agora esse número é bem mais pequeno: 55 mil. Há ainda uma previsão aterradora que sugere que em 2030 não haverá venezianos a viver nas casas que se misturam entre canais e lutam contra a subida das águas.

Conclusão: só os mais ricos podem ficar a fazer vida em Veneza. Há 30 anos, havia mais de 120 mil habitantes na cidade, enquanto agora esse número é bem mais pequeno: 55 mil. Ou seja, 45, 8% da população fugiu. Há ainda uma previsão aterradora que sugere que em 2030 não haverá venezianos a viver nas casas que se misturam entre canais e lutam contra a subida das águas.

Em dezembro, um grupo de venezianos pediu à Unesco para colocar a sua cidade na lista dos patrimónios mundiais em perigo. Seria a primeira vez. Veneza é património mundial desde 1987. Os locais defendem que o turismo de massas está a colocar em risco a cidade, uma vez que se verificou a perda de dois terços da população nas últimas décadas.

Na tal apresentação e exposição enviada à Unesco, intitulada “The Future of Venice”, os números acima referidos foram atualizados. Afinal, serão 22 milhões de visitantes por ano, sendo que apenas quatro (!) pernoitam por lá. Mais: somente dois milhões deles vão a museus ou exposições, o que sugere que fica pouco dinheiro na cidade, na verdade. O documento reflete ainda sobre os cortes nos fundos públicos, no aumento dos custos da manutenção urbana, na ausência de um planeamento. O movimento sugere ainda que se favorece os interesses privados em vez da população local. “Tudo isto coloca em risco a qualidade de vida”, pode ler-se no documento.

“Veneza está em clara e urgente necessidade de uma política rica, diversificada e culturalmente sustentável”, assim como de “uma melhor gestão do turismo, que considera, antes de tudo, o bem-estar da comunidade local.”

Outro problema apontado pelo desconforto dos venezianos é a chegada de navios enormes, que “vomitam” milhares de pessoas, contava em outubro o Telegraph, aquando da abertura de uma exposição de fotografia que deixava clara a realidade. “Estas fotografias são como um murro no estômago, mas vão ajudar as pessoas a entenderem o quão sério este problema é”, disse ao diário inglês Giulia Maria Crespi, presidente honorária do Italian Environment Fund, que alinhou na exposição enviada à Unesco.

E continuou: “Os navios gigantes que vêm para Veneza são uma desgraça e a cidade precisa de ser salva. Todos os venezianos e todos os italianos devem ver estas fotografias para compreender quão grandes são os navios que colocam em perigo Veneza, uma joia da humanidade”.

Cinque Terre: limitar o número de entrada de turistas

Continuemos com o passaporte italiano. Cinque Terre, na costa da Ligúria italiana, é património mundial da Unesco desde 1997 e junta cinco pequenas aldeias com nomes bonitos: Monterosso, Manarola, Vernazza, Corniglia e Riomaggiore. Cinque Terre quer travar a vaga de turistas antes que seja tarde de mais. É isso que conta este artigo do Guardian. As autoridades locais querem limitar o número de turistas em um milhão e meio, para preservar a cultural local, diminuindo assim em um milhão de visitas o que acontecera em 2015. As entradas serão controladas através de aparelhos.

“Seremos certamente criticados por isto, mas para nós é uma questão de sobrevivência”

“Seremos certamente criticados por isto, mas para nós é uma questão de sobrevivência”, disse ao La Repubblica Vittorio Alessandro, o presidente do Parque Cinque Terre. Também aqui os cruzeiros fazem mossa, e o turismo sustentável começa a ser pensado. Os bilhetes serão vendidos com antecedência e até foi criada uma app para o efeito, mostrando a afluência de turistas.

A general view shows the village of Manarola in the "Cinque Terre" area on September 23, 2013. Wine picking is atypical due to the steep land, close to 50 degrees in some areas. AFP PHOTO / OLIVIER MORIN (Photo credit should read OLIVIER MORIN/AFP/Getty Images)

Manarola, Cinque Terre (Photo credit should read OLIVIER MORIN/AFP/Getty Images)

Amesterdão: alugueres locais com regras apertadas

Amesterdão é outro exemplo de local fetiche para o turismo mundial. Em 2012, um reputado arquiteto local já se queixava. Leo Onderwater escreveu no NRC Handelsblad que o excessivo turismo estava a levar ao encerramento de estabelecimentos como bibliotecas públicas, hospitais e até tribunais. O que surgiu no seu lugar? Hotéis, restaurantes e sex shops. A população local, escrevia Onderwater, já sentia dificuldades em acompanhar os preços das rendas. E não adoravam o número de pessoas com quem dividiam os passeios da capital holandesa.

“A grande questão é saber se a cidade consegue reter a sua qualidade de vida enquanto há uma escalada do turismo”, escreveu. O artigo do Amsterdam Herald, no qual o arquiteto é citado, diz que a maioria dos holandeses acreditavam que sim, que era possível manter a qualidade de vida.

“A grande questão é saber se a cidade consegue reter a sua qualidade de vida enquanto há uma escalada do turismo.”
Leo Onderwater, arquiteto holandês

O City Metric escrevia que a maioria dos habitantes de Amesterdão considera os turistas algo “irritantes”, mas não o suficiente para haver medidas políticas para travar a coisa. Ou seja, não há um sentimento forte como em Barcelona e Veneza, onde há protestos e manifestações. A oferta de hotéis e a flexibilidade para negócios como Airbnb demonstram que a Holanda mantém a porta aberta aos turistas.

Amesterdão está no circuito dos grandes: ocupa o 13.º lugar na lista mundial de lugares mais visitados, enquanto na Europa estaciona no quinto lugar, só atrás de Londres, Paris, Istambul e Barcelona.

Amesterdão está no circuito dos grandes: ocupa o 13.º lugar na lista mundial de lugares mais visitados, enquanto na Europa estaciona no quinto lugar, só atrás de Londres, Paris, Istambul e Barcelona. Por enquanto, parece ainda não haver muita turbulência na sociedade holandesa. Até porque tem havido uma estratégia para aliviar a pressão sobre a capital, convidando os turistas a visitar outros locais do país, contava o European Cities Marketing.

A nível legal foram também tomadas algumas medidas, embora muitas vezes contornadas pelos locais. Segundo o Dutch News, a capital holandesa tem registadas no Airbnb mais de 11 mil casas. Quem por lá vive só pode alugar a sua casa a outras pessoas 60 dias por ano, mas, lá está, há quem dê a volta e alugue as residências como hotéis, via Airbnb. O governo holandês e a empresa chegaram a um acordo e têm eliminado várias residências da sua lista. Ficou acordado também que os proprietários só poderão receber quatro turistas de cada vez.

O partido social democrata holandês, conta este artigo de opinião do El País, quer reduzir de 60 para 30 dias o tal limite para os alugueres caseiros. Os festivais e as ofertas para diversão são outro “dossier” que o partido agora na oposição quer limitar, ou reduzir.

Segundo o mesmo site de notícias, 74% dessas habitações estão disponíveis mais do que os tais 60 dias por ano. As autoridades municipais, em fevereiro, decidiram investir um milhão de euros na investigação de alugueres ilegais — só em 2015, a câmara municipal recebeu mais de 800 denúncias de práticas ilícitas referentes ao negócio.

Uma das consequências mais visíveis, para já, escreve Isabel Ferrer, autora do artigo de opinião no El País, é perderem-se lojas de comércio tradicional para darem lugar às clássicas geladarias ou pontos de venda de wafels, que maravilham os turistas. E isso aliado a museus (abriu mais um dia 19) e canais medievais é fácil convencer qualquer um. Prevê-se que os 800 mil habitantes da capital holandesa passem a receber 30 milhões de turistas até 2025 — atualmente receberá 17 milhões de pessoas por ano.

AMSTERDAM, NETHERLANDS - MAY 11: Bikes are chained to a bridge across a canal on May 11, 2009 in Amsterdam, Netherlands. The 750,000 people who live in Amsterdam own over 600,000 bicycles. (Photo by Mark Dadswell/Getty Images)

Amesterdão (Photo by Mark Dadswell/Getty Images)

Copenhaga: bairros onde é proibido vender casas a turistas

Em julho passado, Elizabeth Becker voltou a escrever sobre o fenómeno, mas desta vez para o New York Times. O objeto era Copenhaga, a capital da Dinamarca. O título é “A revolta contra o turismo”. Em 2014 foram nove milhões os turistas que por ali passaram, numa cidade com cerca de seis milhões de habitantes. Diz a escritora que ali são os turistas que têm de se adaptar, e não o contrário. Ou seja, há quem resista à tentação de refazer e transformar o cenário a pensar nos que ali vão passar uns dias.

“Os dinamarqueses proibiram os estrangeiros de comprar casas de férias na costa; conceberam o famoso sistema de transporte de bicicleta para incluir turistas; e não permitiram que bares e restaurantes tomassem conta de Copenhaga”, escreve.

Na capital dinamarquesa há bairros que são denominadas de “quiet zones”, zonas residenciais onde os turistas devem adaptar-se à vida dos dinamarqueses e não o contrário. Elizabeth Becker conta que num passeio por Copenhaga, a guia disse que ia parar de falar quando entraram numa dessas zonas.

“Os dinamarqueses proibiram os estrangeiros de comprar casas de férias na costa; conceberam o famoso sistema de transporte de bicicleta para incluir turistas e não permitiram que bares e restaurantes tomassem conta de Copenhaga.”
Elizabeth Becker, NY Times

O porta-voz do turismo da cidade, Henrik Thierlein, desafiou Becker: “Como é que se retira vantagem do crescimento do turismo e não ser apanhado pelo turismo de massas?”. Essa é a grande dúvida, o grande desafio, certamente.

“”Como é que se retira vantagem do crescimento do turismo e não ser apanhado pelo turismo de massas?”

A Islândia bate recordes da relação entre população e visitantes. Segundo o Iceland View, num dia normal existem naquele país qualquer coisa como 25 mil turistas, o que representa 7.2% da população do país (quase 330 mil habitantes). No verão, uma em cada cinco pessoas no país é turista. O site faz ainda a comparação com outros pontos mais saturados pelo turismo (os números são do Banco da Islândia):

Islândia: turistas representam 7.2% dos habitantes
Estónia: 4%
Dinamarca: 2.5%
Espanha: 2.2%
França: 2%
Itália: 1.3%

Em 2014, a Islândia registou um milhão de turistas, esperando para 2015 um aumento de 26%. O título do artigo diz tudo, nem que seja que é tempo de pensar nas consequências ou em todos os lados da questão: “Quantos turistas são demasiados turistas?”

Paris: la crème de la crème

O amour dividiu franceses e turistas. Tudo por causa de cadeados, que simbolizavam os corações melosos entrelaçados, na Pont des Arts. Os parisienses não gostavam, o governo ouviu-os e mandou retirá-los. Afinal, como diz Becker, “Paris é, antes de tudo, para os parisienses”.

No artigo do NYT citado ao longo deste texto, Becker dava o caso gaulês como a exceção. La crème de la crème, diriam os franceses. E não será tarefa fácil, certamente, quando se é o país mais visitado do mundo. Segundo a autora, até há uma explicação histórica: nos anos 50, com a aplicação do Plano Marshall, o governo francês deu asas ao turismo para recuperar e reconstruir o país. “Eles descobriram que o turismo, quando bem feito, pode reforçar a proteção e potenciar a cultura francesa, a paisagem e o estilo de vida”, escreve Becker.

Ou seja, há promoção e regulamentação na dose certa. Há equilíbrio. Tudo gira à volta do turismo, “a preservação e proteção do campo, vinhas, florestas, pequenas vilas e pequenas quintas, a costa, as ciclovias e pistas de ski”. Se é necessário mais um hotel de cinco estrelas numa certa cidade, ou mais um elevador numa estância de ski, tudo isso é discutido. Tudo é pensado.

A giant tennis ball hangs under the Eiffel Tower on the sidelines of the Roland Garros 2015 French Tennis Open in Paris on May 25, 2015. AFP PHOTO / MIGUEL MEDINA (Photo credit should read MIGUEL MEDINA/AFP/Getty Images)

Torre Eifel, em Paris (MIGUEL MEDINA/AFP/Getty Images)

Becker diz que os franceses sabem cozinhar património e turismo como poucos. Ninguém se atropela, um puxa pelo outro, num setor onde haverá pouca ou nenhuma corrupção. “A França inventou o primeiro ministério da Cultura e depois espalhou festivais pelo país para enviar visitantes para fora de Paris”, nomeadamente “música em Aix-en-Provence, cinema e publicidade em Cannes, fotografia em Perpignan e dança em Montpelier”. E depois, já se sabe, há muito turismo virado para o vinho.

Copenhaga e Paris convergem em leis anti-barulho e zonas específicas para atividades para manter sob controlo o turismo. E falta o exemplo mais expressivo: a Torre Eiffel. Este monumento, o mais visitado do mundo (que exija pagamento), com sete milhões de visitas por ano. Sete. Os turistas só podem por lá ficar meia hora, enquanto são observados por guardas. Os jardins que servem de moldura à torre estão em constante manutenção. Nem sequer é possível ficar a “ver passar navios”, que é como quem diz estar por ali a deambular, nas imediações do monumento. Os vendedores ambulantes são também controlados e regulados. Simplificando: a cidade não se transformou para agradar turistas, preferiu antes envolvê-los naquela magia das avenidas enormes e bistrots com empregados carrancudos, dando-lhes a oportunidade de viverem à francesa. Oui, c’est ça.

Consequências do turismo de massas

Um artigo do El País diz que “O turismo é pior para o património do que as guerras”, porque “a urbanização descontrolada e as mudanças climáticas põem em risco os monumentos de uma forma mais lenta, mas mais constante”. Segundo o diário espanhol, em outubro, 30 dos 802 locais que fazem parte da elite do património mundial da Unesco estavam em perigo.

Em outubro, 30 dos 802 locais que fazem parte da elite do património mundial da Unesco estavam em perigo.

Quem avalia estas questões diagnosticou as causas para o risco: má gestão institucional, desenvolvimento urbano descontrolado, intervenções do homem e o uso inadequado, nomeadamente na exploração turística — se em 1983, a exploração turística visava apenas 8% dos locais, em 2013 a percentagem subiu para 75%. Depois, num patamar muito distante, surgem outras ações ou eventos, como rituais religiosos, vandalismo e guerras. O mesmo artigo dá até um exemplo que não deixa de surpreender: foi necessária uma campanha popular para travar uma etapa do mundial de padel (misto de ténis e squash) no anfiteatro romano de Mérida, um local com cerca de dois mil anos de vida.

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Anfiteatro de Mérida (HTS, D.R.)

O Guardian, em agosto de 2013, já se referia ao turismo sustentável. “O turismo global está a destruir o ambiente e as identidades culturais”, escrevia Anna Pollock, uma mulher com 40 anos de experiência na área, nomeadamente ao nível da estratégia e análise de destinos turísticos (fundou o Conscious Travel).

Pollock escreve que o turismo se tornou insustentável porque foi pensado como as outras grandes indústrias, que catapultaram ou salvaram as economias dos países, como a industria automóvel, habitação e bens de consumo. A autora do artigo não deixa de salientar que o turismo é importante para a economia mundial, gerando aproximadamente dois mil milhões de euros por ano. Em Portugal, por exemplo, o setor será responsável por 6% do PIB, empregando 8,2% de portugueses.

Pollock escreve que o turismo se tornou insustentável porque foi pensado como as outras grandes indústrias, que catapultaram ou salvaram as economias dos países, como a indústria automóvel, habitação e bens.

Para Pollock, a indústria do turismo é um comboio de alta velocidade, com passageiros com bilhetes baratos, que segue rumo a um precipício. “Por isso vale a pena perguntar por que razão este desafio gera tão pouco debate na imprensa e na literatura empresarial na sua generalidade.” A autora deixa ainda seis razões para justificar a insustentabilidade do turismo de massas.

Entre elas, lê-se que o produto é limitado e esgotável e também que a pouca regulamentação convida ao rápido crescimento e especulação. Mais: Pollock avisa que, embora numa primeira fase as pessoas tenham gosto em receber os primeiros fluxos de turistas, depois compreendem que o abaratar dos preços não se reflete na sua vida.

Para Pollock, a industria do turismo é um comboio de alta velocidade, com passageiros com bilhetes baratos, que segue rumo a um precipício. “Por isso vale a pena perguntar por que razão este desafio gera tão pouco debate na imprensa e na literatura empresarial na sua generalidade.”

Para a Organização Mundial de Turismo (OMT), é necessário ter pudor nas críticas ao turismo. A OMT diz mesmo que é “perigoso” e “grave” insinuar que receber turistas é “mau”, contava em setembro o La Vanguardia. “Nunca deve assustar-nos [o turismo], o importante é saber geri-lo e converter a sua força e poder em algo positivo”, dizia então o secretário-geral da OMT, Taleb Rifai.

“Cada novo turista representa uma nova oportunidade”, por isso, considera Rifai, há que “receber o crescimento com os braços abertos e fomentá-lo, o que implica responsabilidade e boa gestão”. A OMT prefere apelar à boa gestão e à transparência dos processos, para que todos tenham condições iguais e justas para competir neste setor.

coming out, arte, mnaa,

Lisboa

O que se passa por cá?

O Observador tem feito vários trabalhos sobre Lisboa e sobre o debate crescente das implicações do turismo. Veem-se lojas a fechar, espaços noturnos correm risco de acabar, hotéis e hostels a nascer, há lisboetas a sair, lamentos aqui e ali, “tanta gente”, surgiram os tuk-tuk, há mais guias turísticos. Os taxistas queixam-se dos clientes estrangeiros que recorrem ao Uber. Houve até cartazes espalhados em protesto contra o excesso de hotéis, contou o Corvo — “Terremotourism: instruções de emergência em caso de transformação urbana produzida por sismo turístico”. Há mais respostas e serviços para quem cá vem passar uns dias agradáveis. Há um setor que ajuda e muito a economia do país.

Há artigos de opinião para todos os gostos. E posições. “A câmara de Lisboa está a prosseguir uma prática que me parece suicida e acho que assim vão matar a galinha dos ovos de ouro (…) Eu percebo que é importante recuperar o edificado, mas isto não pode ser feito comprometendo a identidade da cidade”, disse ao Observador Catarina Portas, empresária e membro do conselho consultivo do programa da Câmara Municipal de Lisboa Lojas com História.

Catarina Portas censurou a abertura de mais um McDonald’s na Baixa da capital. Por isso, critica a autarquia e considera que há uma incoerência. “Eu quero o turismo, mas não quero o turismo a qualquer preço. E com esta política estamos a comprometer também o turismo”, defende.

"A câmara de Lisboa está a prosseguir uma prática que me parece suicida e acho que assim vão matar a galinha dos ovos de ouro. (...) Eu quero o turismo, mas não quero o turismo a qualquer preço. E com esta política estamos a comprometer também o turismo”
Catarina Portas

Em sentido contrário, num artigo no Diário Económico, Gonçalo Rebelo de Almeida considera “insultuoso” falar-se em excesso de turistas. O administrador da Vila Galé Hotéis defende que o setor do turismo é “resiliente”, “competitivo” e uma “aposta de futuro” para Portugal. “É com grande tristeza que vejo surgir na imprensa afirmações de que existe excesso de turistas em Lisboa, em Portugal, ou que os turistas prejudicam a população residente”, escreveu no Económico.

“Os interesses dos turistas que nos visitam são absolutamente coincidentes com o das populações residentes, pois apenas querem ver património recuperado, jardins limpos e organizados, boas acessibilidades e transporte, limpeza e segurança nas ruas e espaços de restauração que privilegiem a gastronomia regional”, defende. Os artigos referidos em cima demonstram que nem sempre é assim.

“”Os interesses dos turistas que nos visitam são absolutamente coincidentes com o das populações residentes, pois apenas querem ver património recuperado, jardins limpos e organizados, boas acessibilidades e transporte, limpeza e segurança nas ruas e espaços de restauração que privilegiem a gastronomia regional”

Apesar das evidências vividas noutras cidades, a autarquia lisboeta anunciou medidas que visam combater o abandono dos lisboetas do centro. No início deste mês, o Observador deu conta de que “Lisboa pisca o olho às ‘verdadeiras classes médias’ e aos jovens com rendas baixas” e que os “utilizadores do Airbnb começam a pagar taxa turística de Lisboa em maio“.

O Airbnb, por exemplo, foi responsável pelas dormidas de um milhão de turistas em 2015, contou o Económico — em 2014, 400 mil turistas recorreram ao serviço. Portugal ocupava em janeiro a 11.ª posição em anúncios inscritos, enquanto Lisboa assumia um lugar de destaque a nível mundial, ocupando o décimo lugar.

Lisboa registava, à data, 13 mil registos de propriedade no Airbnb, enquanto o Porto o número se fixava nos 3.700, o que se traduziu numa subida de 90% face a 2014. O custo médio por noite na capital é 75 euros, no Porto estaciona nos 62 euros.

Lisboa registava, à data, 13 mil registos de propriedade no Airbnb, enquanto o Porto se fixava nos 3.700, o que se traduziu numa subida de 90% face a 2014. O custo médio por noite na capital é 75 euros, no Porto estaciona nos 62 euros.

Não querendo dar uso à bola de cristal, é fácil perceber que a tendência está a aumentar. A procura quer procurar, a oferta quer oferecer. E isso terá de acontecer de duas maneiras: ou se constroem mais casas e prédios ou os residentes e lojas mudarão de sítio. Lembrando os artigos acima referidos, a discussão foi sempre nesse sentido: menos locais nas zonas históricas ou centrais, rendas e serviços mais caros, menos lojas tradicionais e cidades a ganharem o mesmo registo, esquecendo a identidade. Estará Lisboa a caminhar para isso?

TO GO WITH AFP STORY BY LEVI FERNANDES People walk at Chiado, in Lisbon on June 22, 2013. The portuguese pavement is a tourism highlight when they visit Portugal and the graphics evoke the golden age of Portuguese discoveries and the relation with the sea, developed in the nineteenth century. AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA (Photo credit should read PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

Chiado (PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

Isabel Freitas, docente e investigadora de Turismo e Património da Universidade Portucalense, desconfia que sim. “Surgem lojas mais apetrechadas, marcas internacionalmente conhecidas, retiram-se calçadas portuguesas para evitar quedas dos turistas que nos visitam, a população abandona as casas e nelas instalam-se hotéis e casas de restauração, as esplanadas amontoam-se em áreas de património e de interesse público. A vida noturna cresce, o ruído aumenta, a população desespera e abandona o lugar”, escreveu numa crónica no Público (14/04).

E deixa o alerta: “Em breve, a cidade transforma-se num palco de animação e de movimento, mas sem habitantes, sem pessoas que de geração em geração passavam hábitos, ementas gastronómicas, costumes, festas e tradições”.

“Em breve, a cidade transforma-se num palco de animação e de movimento, mas sem habitantes, sem pessoas que de geração em geração passavam hábitos, ementas gastronómicas, costumes, festas e tradições”

Já João Seixas, ao Corvo, considerou que “a hiperespecialização de Lisboa no turismo pode ser um erro histórico”. O professor, investigador e pensador de assuntos relacionados com as cidades, diz estar “preocupado” com a pressão da atividade turística no centro histórico da capital portuguesa: “Ao contrário de muita gente, não me preocupa absolutamente nada a frequência dos turistas no espaço público, não me preocupa muito haver hotéis e hostels, até acho muito bem, desde que os bairros não se tornem só de hotéis”.

Noutra direção está Marc Glaudemans, fundador e diretor do Stadslab European Urban Design Laboratory, que aborda a massificação do turismo. “E é bom termos essa noção [de que somos todos turistas], para que não olhemos para os turistas como se fossem extraterrestres”, disse ao Público em dezembro. Glaudemans considerava então que o turismo “não pode ser eliminado”, que terá de haver adaptação, com sustentabilidade e regulamentação.

Para onde está a caminhar o turismo da capital lisboeta? Há excesso, há espaço para crescer ou estará longe o limite? A discussão já anda na rua.

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