818kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Vítor Ramalho: "Não tenho dúvida nenhuma que Sócrates era mais reformista que António Costa"

O antigo governante do PS Vítor Ramalho diz que Costa é "mais habilidoso", mas Soares era "frontal" e "não governava a pensar em eleições". Pedro Nuno Santos líder do PS é possibilidade "muito forte"

O soarista e antigo governante em executivos de Soares e Guterres, Vítor Ramalho, critica a excessiva “governamentalização” do PS. Em entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, diz que nunca votou internamente em José Sócrates, mas não tem “dúvida nenhuma” que o antigo primeiro-ministro foi “mais reformista” que o atual (António Costa).

Sobre Costa, Vítor Ramalho diz que é “brilhante” e que é precisamente por isso mesmo é que estranha que o “brilhantismo das ideias” não veja “alguns aspetos da sociedade que são importantíssimos”. O antigo consultor de Mário Soares em Belém (entre 1985 e 1995), faz questão ainda de marcar as diferenças entre o primeiro e o atual líder do PS: Costa é mais “habilidoso”, mas Mário Soares era “frontal”.

Embora não seja o seu desejo, como conhece bem as federações do PS, não tem dúvidas que a probabilidade de Pedro Nuno Santos ser eleito líder do PS no futuro “é muito forte”. Defende ainda que o PS deve ter um candidato próprio nas próximas presidenciais e não fazer como o PS de António Costa decidiu nas últimas duas corridas a Belém.

[Ouça aqui o episódio desta semana do programa Vichyssoise:]

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sócrates reformista, Costa tático e o não-parecer

Foi membro de um Governo de Bloco Central, é um soarista e tem valorizado a promessa de diálogo com todos que António Costa fez há um ano quando conquistou a maioria absoluta e diz até que isso pode evitar protestos. Passado um ano há professores em greves, há várias manifestações por causa da crise na habitação. Isto prova que António Costa está a falhar com a palavra dada?
Referiu, e bem, que fui membro do Governo, mas por efeito da circunstância de ser socialista. E tive uma relação de grande proximidade com Mário Soares e congratulo-me com o facto de o PS ter comemorado a passagem dos 50 anos da existência do partido que, aliás, se deve a Mário Soares.

Foi convidado? Gostava de ter sido mais envolvido nas comemorações?
Fui convidado para o jantar. Não sou propriamente uma pessoa que sempre na vida me pautei por uma dependência exagerada, funciono com liberdade de pensamento dentro do socialismo democrático e as pessoas sabem disso, mas não podiam deixar de convidar aqueles que há muitos anos, como é o meu caso, militam no PS. No jantar ouvi referências importantes para a vida do partido em termos de memória, não há futuro sem memória — e isso foi dito mesmo pelo Willy Brandt –, mas acharia que teríamos também necessidade de pensar o futuro. Nesta fase complicadíssima, quer do ponto de vista económico, político e social, é essencial olhar para o futuro. E isso ainda não vi ser debatido.

Há aqui algum falhanço no diálogo, na abertura, do Governo?
Um partido que tem na matriz a defesa da liberdade e uma conceção da regulação do mercado e da salvaguarda de desígnios nacionais, acho que se governamentalizou em excesso e é por isso que hoje estamos a debater mais questões de personalidades, fulanizando o partido, do que propriamente dando um cunho em relação ao futuro. No último congresso, essa fulanização foi visível com a exibição dos quatro [possíveis futuros líderes] mais uma que entretanto também se inscreveu na altura. Independentemente do mérito das pessoas, acho que deve haver na militância o reconhecimento por parte da generalidade dos militantes de uma relação de pertença que resulte de alguma experiência, mesmo de militância no partido. Eu sou do Benfica e independentemente do juízo sobre as direções do Benfica, o presidente tem de ter 15 anos de militância para chegar ao cargo. Não direi tanto, mas é necessário que se tenha a consciência de que são os partidos os suporte da democracia e temos de cuidar da ideia de partido e do reconhecimento da direção dos militantes através do mínimo de experiência partidária e não apenas governamental.

"O PS é um partido que se governamentalizou em excesso e é por isso que hoje estamos a debater mais questões de personalidades, fulanizando o partido, do que propriamente dando um cunho em relação ao futuro"

António Costa está a esquecer esse passado e os mais experientes do partido?
Não direi que está a esquecer o passado, mas o partido está a governamentalizar-se em excesso. As pessoas que aparecem como candidatos à sucessão — e o momento não é este, porque não vai haver sucessão a curto prazo no partido — são membros do Governo e isso mostra como o partido está secundarizado. E isso não é uma coisa boa. A própria dinâmica tradicional dos debates dentro do partido fomentava naturais correntes de opinião. O primeiro congresso que Mário Soares teve na legalidade teve uma oposição forte de Manuel Serra. Ganhou por uma unha negra. Depois com o ex-secretariado a mesmíssíma coisa. Com Salgado Zenha, amigo indefetível, também. A questão aqui não é pessoal, é política.

E ainda pode ser António Costa a dar a volta a isso?
Espero que seja o PS no seu conjunto a dar a volta. Estas questões nunca dependem de um homem só por mais talentoso que seja — e ele é muito e isso reconheço — mas há aqui encruzilhadas grandes no mundo atual que têm a ver com posicionamento de política externa de Portugal face à reestruturação geoestratégica. Isso tem de ter linha clara, quais são os aliados que nós temos. O que representa dentro desses aliados a relação euro-africa-iberoamericana, que é determinante para o futuro. Há o problema, do ponto de vista interno, da administração pública, da saúde, da habitação.

Esteve num Governo de Bloco Central e essa não é propriamente uma experiência que o PS recorde como uma boa memória…
Mas é pena.

Tem feito mal o PS afastar-se dessa experiência histórica e ao não sentar-se mais vezes com o PSD?
Sim. Por uma razão muito simples. Em relação ao Bloco Central, Mário Soares — quando nos candidatámos às eleições em 1983 e não tivemos um sufrágio de maioria absoluta e era necessário haver um acordo para salvar o país da bancarrota — fez um referendo interno sobre se a solução que se tinha de seguir era essa outra. Tal como fez sempre o SPD alemão. E isso não foi seguido e diminuiu a legitimidade do partido, a meu ver.

"É pena [que PS e PSD não conversem mais vezes]"

Na altura da geringonça.
Sim, até porque nessa altura o partido nem sequer foi o mais votado.

Uma nova geringonça teria de ser referendada também?
Com certeza. Não é líquido o que se vai passar. A alternativa ao PS é o PS. Do ponto de vista da direita, o potencial candidato à liderança, na eventualidade de Montenegro não ganhar as Europeias, é Passos Coelho. A meu ver ele não tem qualquer hipótese porque para ser candidato à liderança. tinha de ter espaço temporal capaz de ter uma intervenção já nas Europeias. É por isso que, a meu ver, ele [Passos Coelho] sustenta que não haja eleições antecipadas, ao contrário de Montenegro. Neste quadro, é muito difícil que essa solução se dê nas próximas eleições para o próprio Parlamento Europeu, porque vai haver um congresso do PSD a escassos meses das eleições e não é credível que haja uma guerra fratricida interna que conduziria a uma situação difícil para o PSD. E o [Governo]PS pode começar, até pela disponibilidade financeira muito grande que tem, a que haja respostas satisfatórias, como já começou a haver, relativamente aos pensionistas. Ou, de hoje para amanhã, também a resolução dos problemas dos funcionários públicos. Não é nada líquido que estas sondagens venham a traduzir-se na realidade. Por isso é que acho que os partidos devem aproveitar para discutir o futuro agora.

"Uma nova geringonça terá de ser referendada internamente no PS [como Soares fez com o Governo Bloco Central em 1983]"

Acha que o PS poderia ter um líder que é um político mais à esquerda como Pedro Nuno Santos. Isso é desejável?
Procuro olhar para a realidade e não para o que gostaria que sucedesse e, por estranho que lhe pareça, a admissibilidade de um candidato tipo Pedro Nuno ser eleito no PS é muito forte. Isso tem a ver com a lógica dos partidos e a proximidade com as bases e a relação de peso que cada candidato tem e ele tem muito grande nas federações. Eu sei o que são as federações, fui presidente durante seis anos da federação de Setúbal. A situação do partido que é alternativa ao PS, nas próximas eleições, dificilmente será liderado por outra figura que não seja Montenegro. E com a lógica de atuação do PS, como se viu agora nas pensões…

"A possibilidade de um candidato tipo Pedro Nuno ser eleito no PS é muito forte"

Se o PS for distribuindo e dando apoios às pessoas…
Isso é importante para a satisfação das classes mais desfavorecidas e dos pensionistas. Reconheço que é necessário, mas simultaneamente tem que se abrir uma porta de discussão do futuro. É preciso discutir a posição de Portugal no mundo. A questão fundamental da educação, corporizar nos programas de ensino o que é a alma de ser português, como diz o padre Manuel Antunes: “Retornar ao mesmo através do diverso”. O problema da juventude e da saúde é fundamental. Voltando ao Bloco Central e ao PS no Governo, quando Mário Soares tomou o poder, o país estava na bancarrota, havia salários em atraso. 600 empresas tinham salários em atraso, o país não tinha dinheiro para importar bens. Fui secretário de Estado do Trabalho e vivi isso. Com esse Bloco Central, ao fim de menos de dois anos, o país que tinha um programa e um projeto: estava a entrar na União Europeia. Foi uma mudança brutal. O que é que o Mário Soares fez? Não governou para ganhar eleições.

"Mário Soares não governou para ganhar eleições"

E o atual PS está demasiado focado nisso? 
O Mário Soares tinha 8% dos votos. É preciso olhar para o futuro como o Soares sempre ensinou. Como foi com a descolonização, depois olharmos para a Europa connosco e a seguir a consolidação da democracia, a defesa da liberdade.

Indo a outro assunto. António Costa, na comemoração dos 50 anos do PS, disse que a primeira maioria do partido foi com Ferro Rodrigues, nas Europeias de 2004. Afinal não foi com Sócrates em 2005? Qual é a vantagem deste acerto de contas nesta altura?
Não diria acerto de contas. Quem foi o candidato às eleições para o Parlamento Europeu foi António Costa. Era candidato [como número 2 de Sousa Franco, que viria a falecer antes das eleições].

Mas o entendimento é que a primeira maioria absoluta foi com José Sócrates. Qual é a vantagem disto?
Tornei-me amigo de Mário Soares ao dizer-lhe uma vez na vida que não. E eu não era ninguém na altura. O Sócrates, se me está a ouvir, sabe que nunca votei nele, nem nunca o fui visitar à cadeia. Tenho respeito por ele mas não tinha intimidade.

António Costa foi.
E acho bem que tivesse ido. O Sócrates tinha um projeto de país por mais voltas que se deem. Do ponto de vista da energia, da agricultura, tinha.

E António Costa não tem?
Estou a dizer que o Sócrates tinha.

Por comparação ou não? 
Nunca votei nele, nem internamente, porque apoiei João Soares. Ele sabendo disso, quando eu fui presidente da federação de Setúbal e lhe solicitei legitimamente alguma coisa ele nunca se opôs porque eu tinha sido eleito democraticamente. O partido, independentemente da crítica que possa fazer a alguns dirigentes, como o Sócrates, tem que reconhecer que do ponto de vista político tinha um projeto, porque tinha mesmo. Uma questão diferente é aquilo que na opinião pública se fala.

E era mais reformista do que António Costa? 
O Sócrates? Não tenho dúvida nenhuma. Neste momento é preciso é olhar para o futuro. É fundamental que a justiça seja reformulada. As pessoas pobres e com fracos recursos não têm acesso à justiça e aos tribunais. Como se sabe, aqueles que o têm e que dispõem de uma projeção mediática forte vêm protelar os julgamentos. Portugal é o único país democrático que tem a estrutura judiciária igual desde o 25 de Abril. Há um estudo do professor Freitas do Amaral em que isso se torna claro. O SNS, criado pelo PS, e eu assisti a isso, não era para ter sido com o António Arnaut, que tinha sido indigitado ministro da Justiça e por razões de várias ordens foi encaminhado para os Assuntos Sociais, com um grande secretário de Estado que era Mário Mendes, de Coimbra, que tinha bebido em Inglaterra a importância do SNS [o National Health Service foi criado em 1948 no Reino Unido]. O Serviço Nacional de Saúde teve esta defesa política do Soares, depois do Arnaut e como grande técnico o Mário Mendes e isso não pode ser esquecido.

"Não tenho dúvida nenhuma que Sócrates era mais reformista que António Costa"

Noutro capítulo fora da governação. Em 2026 faz 20 anos que o PS está fora de Belém. É essencial que volte a ter um Presidente da República? Haverá condições para isso? Com quem como candidato?
É essencial que o PS tenha um candidato próprio. A primeira vez que o PS não teve um candidato foi nas duas últimas eleições.

"É essencial que o PS tenha um candidato próprio"

Com António Costa como líder.
Sim, mas eu refiro isto porque é política. Tenho simpatia pelo Costa, é admirável, é uma pessoa superiormente dotada. Fui ao jantar, como é minha obrigação, porque sou socialista e vi o discurso e disse: ‘Este homem é brilhante, o que é que falha nisto? Porque é que o brilhantismo das ideias dele e de outros camaradas de Governo e do partido não estão a ver alguns aspetos da sociedade que são importantíssimos?’ Alguns deles são desígnios nacionais e não têm a ver com partidos. A justiça, a saúde, a educação. Tudo isso tem que ser discutido.

É importante que se esclareça que deve ter um candidato próprio?
Sim, na altura própria que não é já.

Sei que não gosta de fulanizar. Augusto Santos Silva seria um nome forte? Carlos César?
Não fulanizo mesmo. Até admito que possa ser um candidato fora do partido mas que seja apoiado pelo partido. Quando estive com o Sampaio da Nóvoa estava convencido, quando fui ao Teatro da Trindade e vi muitos camaradas de peso, a começar pelo Carlos César e não só, pelo Mário Soares, pelo Jorge Sampaio, por pessoas de fora como o General Eanes, estava convencido de que ia ser o candidato [oficialmente apoiado pelo PS] e só depois percebi que não. Isso enfraquece a unidade do partido. Estas questões têm que ser discutidas no partido e à vista de todos. Eu tenho estima pelo António Costa, pela sua inteligência e pela luta que travou desde os 14 anos, mas isto é política não é uma questão pessoal.

Dizer isto de um “sampaísta” como António Costa se calhar é difícil: Costa é um primeiro-ministro mais à Soares? Não tanto um executivo?
O Mário Soares tinha características que é muito difícil qualquer ser humano ter na política. Era de uma coragem inaudita e quando tomava decisões não olhava para trás. Para Soares o partido era o Stradivarius, como dizia várias vezes, e para se tocar música têm que existir vários instrumentos e tem que haver, para além do próprio maestro, várias pessoas. O Costa não tem essas características. Terá outras. É uma personalidade mais habilidosa, do ponto de vista tacticista. O Soares era frontal.

"Costa tem uma personalidade mais habilidosa, Soares era frontal"

Carne ou Peixe:

Preferia aconselhar em Belém o Presidente da República socialista Carlos César ou Augusto Santos Silva?
Preferia aconselhar um Presidente da República que olhasse para o futuro do país.

Com quem mais facilmente se sentava à mesa para voltar a reunir as esquerdas na Aula Magna: Mariana Mortágua ou Paulo Raimundo?
Seguramente não inquiria nenhum deles. O PS é de esquerda porque é. Não é de esquerda porque fez geringonças. Não faria sentido ir perguntar a outros o que achavam.

Quem é que levava a uma viagem a Angola André Ventura ou Nuno Melo?
Nenhum. São demasiado marcados pela partidarite e acho que as relações com Angola, sendo eu secretário-geral da UCCLA, devem ser feitas considerando o desígnio nacional e falando com todos.

Quem convidaria para passar umas férias nas instalações no INATEL – entidade da qual foi presidente: António José Seguro ou José Sócrates?
Por uma relação de maior amizade, escolhia o Seguro. Partilhei muito com o Seguro mas quando chegou a altura própria apoiei o António Costa, muitos antes de ser candidato e explico isso no livro “As minhas causas”.  

 
Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais o nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos