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Yulia Navalnaya. A viúva de Navalny, de discreta "primeira-dama" a líder relutante da oposição

A mulher de Alexei Navalny sempre deixou claro que não tinha ambições políticas. Mas a morte do marido obrigou Yulia a assumir o papel de nova líder da oposição russa. "Tudo depende dela", dizem.

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Yulia sempre esteve ao lado do Alexei Navalny político. Em público, onde participava nos protestos da oposição russa a Vladimir Putin, e na primeira fila de cada discurso. E, é claro, em privado — como quando fazia a mala para o marido levar para a cadeia depois de cada manifestação, já que a detenção era certa. Mas o batismo político de Yulia Navalnaya só aconteceu verdadeiramente em 2020, quando o seu marido — o principal opositor político do Presidente russo — foi envenenado com novichok e colapsou a bordo de um voo.

Com Alexei Navalny inconsciente e a precisar de cuidados médicos urgentes, Yulia teve de entrar em ação. O recado chegou pela mão de Alexei Venediktov, um dos jornalistas políticos mais experientes da Rússia que, até hoje, mantém uma linha de comunicação aberta com o Kremlin: Putin estaria disposto a autorizar a transferência de Navalny para um hospital no estrangeiro, onde poderia ser tratado. Mas havia uma condição: a sua mulher teria de o pedir publicamente. Yevgenia Albats, conhecida jornalista russa próxima dos Navalnys, resumiu assim o dilema: “Ela sabia que tinha de se ajoelhar e pedir a Putin para que deixassem o seu marido sair [do país]. Mas também sabia que o Alexei preferia morrer a pedir o que quer que fosse a Putin”.

Yulia escreveu a carta e divulgou-a publicamente. Mas não implorou ao Presidente russo: “Estou a dirigir-me oficialmente a si com a exigência de que dê autorização para transportar Alexei Anatolievich Navalny para a República Federal da Alemanha”, escreveu a Vladimir Putin. Pouco depois, o Kremlin deu luz verde à transferência — e abriu caminho a uma recuperação milagrosa do opositor, que, ao contrário do esperado, viria a sobreviver à tentativa de envenenamento.

Navalnaya tornou-se na “primeira-dama” da oposição. Agora é a sucessora óbvia do marido

O episódio foi relatado por Julia Ioffe, jornalista russo-americana, na Vanity Fair, naquele que é o perfil mais completo alguma vez escrito sobre Yulia Navalnaya — ali apelidada de “a verdadeira primeira-dama da Rússia”. O episódio de envenenamento do marido seria o ponto de viragem na popularidade de Yulia, até aí desconhecida da maioria dos russos. Depois de ser captada, de ar estóico, à porta do hospital em Omsk, tudo mudou. O regresso à Rússia ao lado do marido — ambos conscientes de que Alexei seria detido assim que pisasse solo russo — consolidou a persona pública de Yulia Navalnaya.

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Yulia Navalnaya assumiu num vídeo divulgado esta segunda-feira que tenciona continuar "o trabalho" do marido

POOL/AFP via Getty Images

Apesar disso, nas poucas declarações públicas e entrevistas que deu desde então, a mulher de Navalny frisou repetidamente que não tinha quaisquer ambições políticas e que desejava apenas apoiar o marido. Até que, na passada sexta-feira, os serviços prisionais russos confirmaram a morte de Alexei. Menos de três dias depois, a sua mulher declarava publicamente que iria agarrar o testemunho do marido: “Vou continuar o trabalho de Alexei Navalny”, anunciou num vídeo publicado pela Fundação Anti-Corrupção do marido. “Peço-vos que partilhem comigo a raiva. A fúria, a zanga, o ódio por aqueles que ousaram matar o nosso futuro.”

Mulher de Navalny diz que o marido foi morto com Novichok e garante: “Vou continuar o trabalho”

“Não há mais ninguém capaz de ocupar o lugar dele”, resumiu ao Financial Times o conhecido cientista político Francis Fukuyama, desde 2020 conselheiro da Fundação de Navalny. “Mas vai ser muito, muito difícil. Ele tinha um sentido de humor característico e sabia falar às pessoas comuns de uma forma que outras figuras da oposição não conseguiam. Teremos de esperar para ver se ela tem a mesma capacidade.

“Ela pegou na bandeira que caiu da mão dele”, aponta na mesma lógica Abbas Gallyamov, antigo speechwriter de Vladimir Putin. Ao Observador, o analista político que agora vive fora da Rússia e se aproximou da oposição prevê que a figura de Yulia pode até ser mais consensual perante os russos do que a do marido: “A maioria dos eleitores suspeita dos políticos. Estarão a ser verdadeiros? Terão motivos escondidos? É muito difícil quebrar esta parede de ceticismo e chegar ao coração dos eleitores na Rússia. Mas, para ela, vai ser muito mais fácil. A sua motivação é óbvia.”

“Eles sempre se projetaram como o casal ideal”. E isso agora dá força a Yulia

Alexei e Yulia nasceram ambos em 1976 e conheceram-se quando tinham 22 anos, quando estavam os dois a passar férias na Turquia. O próprio político assumiu que, desde esse primeiro encontro, ficou encantado: “Ela espantou-me nos primeiros encontros. Loira, linda e sabia os nomes de todos os ministros.”

“Não me casei com um advogado promissor ou com um líder da oposição. Casei-me com um jovem chamado Alexei.”
Yulia Navalnaya sobre o momento em que conheceu o marido, com 22 anos

Enteada de um antigo apparatchik soviético, Yulia estudou Economia numa das universidades mais respeitadas do país e trabalhava num banco quando conheceu o futuro marido. Casados no ano 2000, rapidamente decidiram em conjunto que a mulher abandonaria a carreira para se dedicar à família. A primeira filha, Daria, nasceu logo no ano seguinte. Em 2008, chegaria o rapaz, Zahar.

Nos primeiros anos do casamento, nada faria prever que Navalny acabaria por assumir o destino de principal opositor de Putin, a que se seguiria o envenenamento, a prisão e, por fim, a morte aos 47 anos. “Não me casei com um advogado promissor ou com um líder da oposição. Casei-me com um jovem chamado Alexei”, afirmaria Yulia ao jornal russo Sobesednik em 2020.

À medida que Navalny foi assumindo uma posição de destaque na Rússia e, por arrasto, a nível mundial, fez sempre questão de professar em público o seu amor pela mulher. “Yulia, salvaste-me”, foi a primeira publicação que fez nas redes sociais depois de recuperar do ataque de novichok. Há menos de uma semana, a sua equipa publicou no Instagram a mensagem mais recente que passou aos seus advogados, cuja destinatária era a mulher, por ocasião do Dia dos Namorados: “Querida, connosco tudo é como numa canção: temos a separar-nos cidades, luzes de pistas de aeroportos, tempestades azuis e milhares de quilómetros. Mas sinto que estás próxima de mim e amo-te cada vez mais.”

“Eles sempre pareceram estar muito apaixonados, sempre se projetaram como um casal ideal”, resume Abbas Gallyamov. Essa imagem, diz o consultor, ajuda a dar agora força à imagem de Yulia: “Ela é completamente sincera no seu luto. E isso faz com que pareça sincera no que está agora a fazer.”

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Yulia Navalnaya e Alexei Navalny sempre apareceram juntos em público, em contraste com a atitude de outros políticos russos face às suas mulheres

Getty Images

A postura pública do casal sempre se destacou por ser atípica na Rússia, onde a maioria dos atores políticos não surge em público com as suas mulheres. O Presidente Vladimir Putin, por exemplo, está divorciado de Lyudmila Putina desde 2013 e, embora seja do conhecimento público que mantém um relacionamento com a ex-ginasta Alina Kabayeva, nunca o confirmou oficialmente. “Estes maridos escondem sempre as mulheres — sejam amantes, esposas legais, o que seja — do olhar público”, resumia Vera Chelishcheva no Novaya Gazeta aquando do envenenamento de Navalny. “E estas mulheres, para poderem viver as suas vidas, têm de ser escondidas e caladas, e aceitam-no docilmente.”

A própria Yulia Navalnaya deixou claro numa entrevista, citada pela edição russa da BBC, que sempre se considerou diferente das mulheres de outros políticos russos, muitas vezes cúmplices em crimes de corrupção: “As mulheres dos responsáveis não aparecem em comícios a dar-lhes as mãos, mas são usadas para legalizar enormes rendimentos escondidos”, disse.

Apesar dessa dimensão pública, durante anos Yulia enfatizou que o seu principal trabalho era o de apoiar o marido na retaguarda: “A minha principal tarefa é garantir que, apesar de tudo, nada na nossa família muda, para que as crianças possam permanecer crianças e a casa um lar”, disse numa entrevista à edição russa da Harper’s Bazaar. Uma postura que, para Gallyamov, pode agora ser-lhe vantajosa: “Muitas pessoas na Rússia têm medo da oposição por que a consideram muito radical. Mas ela parece uma pessoa normal, não parece uma revolucionária. E, por isso, podem estar mais dispostos a ouvi-la”, antevê.

Esse apoio na retaguarda, porém, era muito mais do que o trabalho de uma dona-de-casa, garantem os mais próximos do casal. “Ele pede opinião à Yulia e fala com ela sobre determinadas ideias para as formular melhor”, dizia à Vanity Fair Lyubov Sobol, antiga advogada de Navalny. “É óbvio que ela o critica quando há algo para criticar”, acrescentou Sergei Guriev, amigo de longa data.

A sua inteligência nunca passou despercebida e são muitos os que apontam como, por vezes, a mulher era capaz de ser ainda mais ácida do que Alexei. O escritor britânico Owen Matthews recorda um jantar que teve com os dois, em que se falou de um jornalista próximo da oposição que passou a trabalhar para o canal estatal Russia Today. “Ele recebe dinheiro do Kremlin. O que mais há a dizer?”, comentou Yulia, encerrando a discussão.

Yulia inspira comparações com Tshikonovskaya e Corazón Aquino. Terá o mesmo sucesso?

Perante estas características, e com o destaque que Yulia ganhou após o envenenamento do marido, não tardaram a surgir vozes que sugeriam que a mulher de Navalny estaria a adquirir outra dimensão pública. “O papel dela mudou. Já não é a mulher de um político, está a tornar-se ela própria política”, notava o analista Konstantin Kalachev à AFP em 2021. “Tem carisma e charme e pode substituir o marido se for necessário.”

Já na mesma altura, o ex-speechwriter Abbas Gallyamov notava o potencial de Yulia Navalnaya: “É bem possível que as próprias qualidades de Julia se tornem completamente irrelevantes. Se ela se transformar num símbolo de resistência (quer aconteça ou não depende tanto dela agora, mas das ações do marido e das autoridades), então os eleitores da oposição não serão capazes de analisar criticamente as suas qualidades comerciais ou os pensamentos expressos por ela”, escreveu, dando o exemplo de Corazón Aquino, que acabou por se tornar Presidente das Filipinas depois de se ter tornado viúva do principal opositor de Ferdinand Marcos.

A análise de Gallyamov foi quase profética. Em março de 2023, Yulia rejeitava seguir as pisadas de Svetlana Tshikonovskaya, candidata da oposição bielorrussa a Alexander Lukashenko que entrou na política depois da prisão do marido. “Admiro-a”, reconheceu Yulia em entrevista à Der Spiegel. “Mas fiz uma escolha diferente. O meu marido é líder da oposição, está preso e eu apoio-o chamando a atenção para a sua situação.”

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Yulia Navalnaya sempre negou ter ambições políticas. Mas desde 2021 que lhe eram notadas possibilidades de singrar nessa área

AFP via Getty Images

Agora, dias após a morte de Alexei Navalny, a situação não podia ser mais diferente, com Yulia a reunir-se com os ministros dos Negócios Estrangeiros europeus e a fazer-lhes exigências em nome do marido: não reconhecimento dos resultados das presidenciais russas do próximo dia 17 de março, aplicação de sanções a figuras próximas de Putin na Europa (“A villa da ex-mulher de Putin em Biarritz foi comprada com dinheiro corrupto, mas ainda não foi apreendida”, afirmou perante Josep Borrell e os outros dignitários europeus) e criação de um mecanismo para refugiados políticos russos à semelhança do Gabinete Nansen, criado na década de 1930 para vítimas políticas do nazismo e fascismo.

Horas depois de ser informada da morte do marido, Yulia Navalnaya encontrou-se precisamente com Sevtlana Tshikonovskaya. “Ela tem de tentar unir os seus apoiantes e toda a oposição russa”, declarou a bielorrussa ao Financial Times depois desse encontro. “E ela própria está em risco, porque os serviços secretos de Putin vão agir contra ela”. Tshikonovskaya disse, contudo, estar convicta de que Yulia “não vai desistir”.

“Ninguém [na oposição] se vai atrever a criticá-la, porque ela agora é vista como uma figura moral.”
Abbas Gallyamov, antigo speechwriter de Putin hoje em dia próximo da oposição

Os desafios, porém, são grandes. Por um lado, Navalnaya — que vive atualmente num país não identificado — corre o risco de ser detida se regressar à Rússia, por ter trabalhado com a Fundação do marido, classificada como “organização extremista”. Por outro, não é certo que todos os opositores a Putin aceitem Yulia como líder incontestada do seu movimento — o responsável da diplomacia da Estónia, por exemplo, notou ao Politico que “a oposição deve decidir coletivamente quem é o seu líder”.

Gallyamov, contudo, crê que numa altura em que os principais opositores a Putin estão presos ou no exílio e com Yulia a reclamar o título de sucessora do marido tão pouco tempo depois da sua morte, ninguém da oposição russa sonhará fazer-lhe frente. “Ninguém se vai atrever a criticá-la, porque ela agora é vista como uma figura moral”, nota ao Observador.

Se uma mulher de quem não são conhecidas outras ideias políticas para lá da oposição ao Presente russo será capaz de oferecer uma visão tão ou mais inspiradora do que o marido para os russos, é outra questão. Mas não há dúvidas de que, perante o cenário atual, todos os olhos estarão fixos em Yulia Navalnaya. “Tudo agora depende dela”, resume Gallyamov. “Ela não é apenas mais um político.” E também já não é apenas a mulher de Alexei Navalny: é a sua sucessora.

 
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