Uma longa publicação do passado dia 14 de Agosto, de Facebook, lança vários dados sobre criminalidade, imigração e assédio sexual. “No espaço de seis meses, entraram em Portugal legal e ilegalmente, e mesmo os legais sem qualquer tipo de controlo, o equivalente a 5% da população residente em Portugal”, refere o post. O autor garante que, apesar de a teoria da substituição populacional ser de extrema-direita, “basta andar em Lisboa para se perceber que 50% da população são imigrantes”. Garante também que o número de crimes violentos, violações e assédio sexual, tiroteios, assaltos, agressões, destruição de propriedade pública e privada bem como a insegurança pública aumentaram na mesma proporção do número de imigrantes em Portugal. Trata-se, no entanto, de uma publicação falsa.

Publicação viral estabelece relação entre aumento da imigração e aumento do crime violento em Portugal. Não se comprova com os dados mais recentes.

O autor também partilha um artigo da Constituição Portuguesa sobre a liberdade de expressão e uma folha com um conjunto de nomes de uma Escola Básica, onde se verificam alguns nomes estrangeiros. Não se percebe, de todo, qual a relação que estabelece entre todas estas informações. A não ser, depreende-se, que se trate de uma tentativa de demonstrar que existem mais alunos imigrantes naquela escola, que serve apenas como pequena amostra para uma realidade que vem pouco sustentada na sua publicação. É necessário, por isso, referir que o autor não partilha qual a fonte, notícia, relatório ou estudo em que se baseia para tecer aquelas considerações que pretendem associar um suposto aumento da criminalidade violento ao fenómeno da imigração.

Trajectória de criminalidade e violência em Portugal em 17 anos.

Na análise desta publicação, o documento mais relevante a ter em conta é o Relatório Anual de Segurança Interna. Como ainda não é possível olhar para o de este ano, que só será divulgado depois do final de 2023, quando todos os dados estiverem reunidos, temos de considerar o relatório de 2022. Uma das primeiras considerações a destacar é que, nos últimos 17 anos, a criminalidade tem vindo a diminuir. “Desde 2006, verifica-se que os valores registados atualmente, apesar de representarem acréscimos [face à realidade dos anos anteriores], são consideravelmente inferiores, observando-se uma tendência de descida”, refere o relatório. Ou seja, a criminalidade violenta e grave — que é aquela a que o autor se refere para associar a chegada de imigrantes a Portugal a um suposto aumento dos crimes violentos — fixou-se nos 3,9% de toda a criminalidade participada.

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Ao nível da criminalidade geral, sim, houve uma subida no número de registos: mais 42.451 participações do que no período homólogo de 2012, ou seja, mais 14,1%. No entanto, quanto à criminalidade participada, incluindo o período pré-Covid, ou seja, no ano de 2019, houve uma subida de 2,%.

A criminalidade violenta diminuiu: fixou-se nos 7,8% no último ano. Segundo este relatório, o maior destaque vai, mais uma vez, para a violência doméstica, que “continua a ser merecedora de uma especial atenção por parte das Forças de Segurança”. Houve uma subida de 15% com índices de participação (queixa apresentada nas autoridades) muito elevados.

Dados do RSI de 2022 sobre a população prisional em Portugal.

Quanto a subidas na criminalidade, mesmo que se mantenham longe das considerações do autor, é necessário dizer que subiu o tráfico de estupefacientes e percursores (+48,1%), a condução de veículo com taxa de álcool igual ou superior a 1,2g/l (+43,4%), furto de objeto não guardado (+40,2%), furto em edifício comercial ou industrial sem arrombamento, escalamento ou chaves falsas (+39,2%) e outras burlas (+30,4%). Porém, houve descida no crime de furto em veículo motorizado (-2,7%), burla informática e nas comunicações (-2,2%) e condução sem habilitação legal (-1,7%).

Também é importante destacar a criminalidade grupal, que aumentou 18% ao nível das ocorrências registadas, e que tem maior incidência nas áreas metropolitanas. “Caracteriza-se maioritariamente por grupos de jovens com vasto historial criminal centrado essencialmente na prática de roubo, furto, ofensa à integridade física e ameaça, durante o período nocturno”, refere o mesmo relatório.

Olhando novamente para a imigração, há outro dado relevante que ajuda a desconstruir a narrativa do autor: 84,7% da população prisional em Portugal tem nacionalidade portuguesa. Há 10 anos, a população prisional com nacionalidade portuguesa era de 76,4% do total de pessoas a cumprir pena nas prisões do país. E se, em 2022, de acordo com a Pordata, havia em Portugal 414.610 imigrantes a residir no país, no final de 2022 esse universo tinha subido para as 781.247 pessoas.

Ou seja, por um lado, os presos com nacionalidade portuguesa aumentaram (no total da população prisional) nos últimos 10 anos, ao mesmo tempo que a população imigrante a residir no país também aumentou. Portanto, e ao contrário do que alega o autor da publicação, não é possível estabelecer uma relação sobre um aumento de imigração e o aumento da criminalidade, de criminosos e de presos.

Por último, é importante referir que não existem números que garantam que metade da população na cidade de Lisboa é composta por cidadãos imigrantes.

Conclusão

Um autor de uma publicação viral de Facebook alega que o número de imigrantes em Portugal tem feito crescer o número de vários tipos de crimes no país. No entanto, o autor nunca partilha a fonte, notícia, relatório ou estudo em que se baseia. Olhando para um dos melhores documentos sobre segurança interna, o Relatório de Segurança Interna de 2022 — que é a versão mais recente — é preciso dizer que de 2006 para cá, salvo alguns aumentos, a criminalidade tem diminuído. Também é importante dizer que a população prisional em Portugal é maioritariamente portuguesa. E que o universo de imigrantes tem sido cada vez maior.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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