Uma publicação do Facebook alega que o gesto de mostrar o “dedo do meio” surgiu durante a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), que opôs ingleses e franceses durante mais de um século.

Segundo a publicação, Filipe VI de França terá ordenado “aos seus cavaleiros que cortassem o dedo médio da mão a todos os ingleses” capturados na Batalha de Crécy (1346) para que “nunca mais pudessem usar o arco ou segurar convenientemente a espada”. Mas os franceses perderam a batalha, e “os vitoriosos ingleses (…) mostraram aos franceses o seu dedo médio como símbolo de vitória”.

A Guerra dos Cem Anos teve início no final da década de 1330 por iniciativa do rei inglês, Eduardo III (1312-1377). Depois de avanços e recuos, o conflito teve finalmente fim em 1453, após a batalha de Castillo, quando Henrique VI (1421-1471), trineto de John of Gaunt, filho mais novo de Eduardo III, ocupava o trono de Inglaterra.

A Batalha de Crécy (26 de agosto de 1346), no norte de França, é um dos episódios mais famosos da Guerra dos Cem Anos. A batalha, resultante da primeira grande invasão do território francês por Eduardo III, chocou os líderes europeus, porque o exército inglês, em muito menor número, foi capaz de derrotar o francês, um dos mais poderosos do mundo ocidental, refere a enciclopédia Britannica.

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A vitória de Inglaterra deveu-se ao uso do “longbow”, um arco longo, tipicamente inglês. O cronista medieval francês Jean Froissart, autor de uma importante obra sobre a primeira metade da Guerra dos Cem Anos, escreveu, segundo Simon Jenkins, autor de Uma Breve História de Inglaterra, que as setas inglesas eram disparadas com tal “força e rapidez que parecia que nevava” em Crécy.

Se por um lado é verdade que os ingleses obtiveram uma grande vitória em Crécy, por outro não existem evidências de que os vencedores tenham mostrado o “dedo do meio” aos perdedores depois de esta ou de outra batalha da Guerra dos Cem Anos (existe a mesma “lenda” relativamente à Batalha de Agincourt).

Referindo-se a esta última, Anne Curry, autora de um livro sobre esta batalha, escreveu, de acordo com a Reuters, que nenhuma crónica refere que os ingleses tenham mostrado o dedo do meio aos franceses ou que os arqueiros tenham ficado sem o seu dedo por ordem do rei francês. O mais provável é que o gesto tenha tido origem na Roma Antiga, onde, aliás, nasceu a maioria dos palavrões usados hoje em dia.

Palavrão a palavrão: de onde vieram as asneiras

“Os romanos são importantes na história dos palavrões porque as asneiras que usavam eram baseadas nos tabus sexuais e de excreção, como acontece na maioria das línguas modernas. Eram baseados no corpo humano e em ações.”, explicou Melissa Mohr, especialista em literatura medieval e autora de Holy Sh*t: A Brief History of Sewaring, ao Observador, em 2015.

Isto aplica-se ao inglês e também ao português. Ambas as línguas têm no seu léxico asneiras “que provêm do mesmo étimo latino” e que “foram transmitidas pelos romanos”, afirmou João Paulo Silvestre, investigador do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa e especialista em lexicologia, também em 2015, no âmbito de um artigo sobre a origem dos palavrões.

Conclusão

Não existe qualquer evidência de que o gesto do “dedo do meio” tenha surgido no âmbito da Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Como muitos gestos ofensivos e palavrões, o mais certo é que tenha nascido na Roma Antiga, onde têm origem muitos dos palavrões usados hoje em inglês e também em português.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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