Um longo texto sobre o que significa ser feliz tem vindo a ser atribuído ao Papa Francisco nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, embora não existam quaisquer provas de que o pontífice proferiu ou escreveu as palavras que são atribuídas.

A alegada citação começa por lembrar o leitor de que, apesar dos seus defeitos, “muitos o apreciam”, “admiram” e “amam”, lembrando que “ser feliz não é ter um céu sem tempestade”, mas antes “achar a força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor na discórdia”. “Ser feliz não é só apreciar o sorriso, mas também refletir sobre a tristeza”, continua. Esta fórmula (“ser feliz não é”) vai sendo repetida ao longo do texto, que conclui dizendo que “ser feliz não é ter uma vida perfeita” e apelando a que o leitor não desista da felicidade.

Ser feliz é deixar viver a criatura que vive em cada um de nós, livre, alegre e simples. É ter maturidade para poder dizer: ‘errei’. É ter a coragem de dizer: ‘perdão’. É ter a sensibilidade para dizer: ‘eu preciso de você’. É ter a capacidade de dizer: ‘te amo’. Que a tua vida se torne um jardim de oportunidades para ser feliz… Que nas suas primaveras seja amante da alegria. Que nos seus invernos seja amante da sabedoria. E que quando errar, recomece tudo do início. Pois somente assim será apaixonado pela vida. Descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita. Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância. Utilizar as perdas para treinar a paciência. Usar os erros para esculpir a serenidade. Utilizar a dor para lapidar o prazer. Utilizar os obstáculos para abrir janelas de inteligência.  Nunca desista….Nunca renuncie às pessoas que o amam. Nunca renuncie à felicidade, pois a vida é um espetáculo incrível”, conclui o texto.

Um utilizador português que partilhou a citação no Facebook a 4 de janeiro, refere que o Papa Francisco teria dito estas palavras na homilia de “ontem”, ou seja, de 3 de janeiro, o dia anterior à publicação do post, mas não existem indícios de que assim tenha sido. No site da Santa Sé, que disponibiliza todas as homilias e intervenções públicas de Francisco num arquivo que remonta ao início do seu pontificado, em 2013, não existe nenhuma entrada relativa a 3 de janeiro, apenas aos dias 1 e 6 do mesmo mês. Não é também possível encontrar um discurso que inclua o que consta da publicação. Uma pesquisa realizada no motor de pesquisa Google mostrou-se igualmente infrutífera.

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A falta de dados que estabeleçam uma ligação entre o texto “ser feliz” e Francisco levam desde logo a crer que nunca proferiu ou escreveu as palavras que lhe são atribuídas no Facebook, uma hipótese que é sustentada pela circulação das mesmas num período anterior à nomeação de Jorge Bergoglio como Papa. Segundo apurou o AFP Checamos, o texto circula na internet pelo menos desde 2006 e chegou a ser atribuído a Fernando Pessoa. Foi precisamente com esta atribuição que foi publicado em agosto do ano passado, numa versão em inglês no site católico Universe of Faith, que curiosamente explicita que não se trata de uma citação de Francisco, provavelmente corrigindo uma referência autoral anterior.

A versão em inglês do texto circula nas redes sociais pelo menos desde 2017, como é evidente, por exemplo, pelo post que abaixo reproduzimos (apenas parcialmente, dada a dimensão da citação). O AFP Checamos encontrou ainda uma versão em espanhol.

Mas se o Papa Francisco não é o autor do texto “ser feliz”, então quem é? Uma pesquisa no Google indica que poderá ser o famoso psicoterapeuta brasileiro Augusto Cury, autor de livros de auto-ajuda. A página de citações Pensador, que reproduz as palavras que circulam nas redes sociais, refere que se trata de um excerto “adaptado” de Dez leis para ser feliz, um dos livros de Cury. Publicado em 2003, no Brasil, o volume, que tem como subtítulo Ferramentas para se apaixonar pela vida, foi editado em Portugal em 2011, pela Pergaminho.

A sinopse disponível no site da editora portuguesa aponta que, ao longo das suas “páginas cheias de inspiração, Augusto Cury apresenta as ferramentas necessárias para encontrar esperança na dor, força no medo, amor nos desencontros e felicidade em qualquer circunstância”, uma descrição que vai ao encontro daquilo que está a ser partilhado no Facebook. O excerto reproduzido parece também corresponder ao conteúdo do texto — a expressão “ser feliz não é ter uma vida perfeita”, que surge logo no início, é usada perto do fim do texto que circula no Facebook:

“Ser feliz não é ter uma vida perfeita.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, frustrações e perdas.
Ser feliz é deixar de ser vítima e tornar-se autor da sua própria história.
Ser feliz é uma conquista e não uma obra do acaso”.

Uma pesquisa feita com recurso ao próprio livro, disponibilizado online numa versão pdf, permitiu igualmente encontrar passagens que são muito semelhantes ao texto atribuído a Francisco, o que leva a crer que, tal como refere o Pensador, se trata de uma adaptação de várias passagens de Dez leis para ser feliz, de Augusto Cury. De resto, existem algumas publicações que atribuem o texto não a Francisco ou a Fernando Pessoa, mas ao psicanalista brasileiro. Um utilizador, numa publicação de 2017, mistura inclusivamente as duas versões, afirmando tratar-se de um excerto de um dos livros de Curry, usado pelo Papa numa das suas homilias.

O Observador tentou confirmar a autoria do texto junto de Augusto Cury, mas não conseguiu obter uma resposta a tempo da publicação deste fact check.

Conclusão

Não existe qualquer indício de que o Papa Francisco tenha escrito ou proferido o texto sobre a felicidade que circula nas redes sociais. Tudo indica tratar-se de uma adaptação de várias passagens de Dez leis para ser feliz, do psicanalista brasileiro Augusto Cury.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

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