A ivermectina, um antiparasitário usado contra sarna e piolhos, tem sido cada vez mais discutida no contexto do combate à pandemia. As opiniões têm divergido entre quem defende o seu uso e quem o desaconselha. Agora, uma publicação no Facebook propõe uma toma generalizada de ivermectina no Brasil para travar a Covid-19. Será que pode resultar? A resposta é não.

A publicação, datada de 21 de março e com mais de 150 partilhas até ao momento, sugeria uma “campanha nacional” e apelava a todos os brasileiros para que tomassem o medicamento naquela data. “Dia de tomar ivermectina”, pode ler-se numa das passagens do cartaz. “Vamos [travar] a pandemia”, encontra-se mais abaixo.

A imagem apela à partilha da publicação para que a “campanha” se torne viral e sugere que, se os brasileiros cumprirem a toma do medicamento, a pandemia será travada no Brasil — país que, esta terça-feira, registou um novo máximo de mortes por Covid-19 em 24 horas: foram 3.251 vítimas. Quanto à afirmação da publicação, ela é falsa. Os reguladores do medicamento têm afirmado que não há, atualmente, provas que sustentem a eficácia e/ou os benefícios do uso de ivermectina nem na prevenção nem no tratamento de infeções por Covid-19.

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Esta semana, a Agência Europeia do Medicamento desaconselhou mesmo o uso do antiparasitário. A entidade explica num comunicado divulgado no próprio site que “os dados disponíveis não dão apoio ao uso (de ivermectina) noutro contexto que não o de ensaios clínicos bem concebidos”.

Já antes, a Food and Drug Administration, nos Estados Unidos, tinha alertado para os perigos do uso deste antiparasitário no contexto da pandemia. “A Food and Drug Administration não analisou dados que apoiem o uso de ivermectina no tratamento de pacientes Covid-19 ou na prevenção da doença”, escreve a autoridade no site oficial.

Em Portugal, também o Infarmed se pronuncia no mesmo sentido: “Dadas as limitações metodológicas nos ensaios em que a ivermectina foi utilizada e as dúvidas quanto à dose adequada e sua segurança no âmbito da infeção causada pelo SARS-CoV-2, não existem evidências que apoiem a utilização deste medicamento na profilaxia e tratamento da Covid-19″, declarou a autoridade do medicamento em comunicado.

Ao Observador, o virologista Celso Cunha reforça: “Não há nenhuma evidência da eficácia de ivermectina em doentes com Covid-19. Podemos dizer com segurança que a ivermectina não é eficaz no tratamento desta doença e o seu uso é altamente desaconselhado.” O professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical explica que, por estas mesmas razões, o medicamento também não seria eficaz numa toma em massa em qualquer país, como sugere a publicação.

Há, de facto, quem defenda o uso deste antiparasitário no contexto da Covid-19 — incluindo médicos em Portugal. Contudo, Celso Cunha afirma que os artigos científicos que defendem a eficácia deste medicamento em infeções por Covid-19 são “mal desenhados e inconclusivos”. A própria Ordem dos Farmacêuticos já o tinha sublinhado.

Podemos, assim, concluir que o conteúdo alegado na publicação de Facebook em causa está errado: uma toma generalizada de ivermectina — no Brasil ou em qualquer outro país — não trava a pandemia.

Mas continuemos a analisar a publicação. A imagem deixa recomendações: quem tiver até 40 quilos, deve tomar um comprimido; quem tem entre 40 e 90 quilos deve tomar dois e as pessoas com mais de 90 quilos devem tomar três comprimidos. O virologista Celso Cunha explica que estas recomendações “não têm qualquer base científica”. A caixa sugestiva do medicamento na imagem mostra ainda comprimidos de 6mg. O especialista explica que as doses recomendadas, com base nesta dosagem, não são tóxicas, mas garante que são “altamente ineficazes”.

Celso Cunha adianta que a ivermectina só poderia ter “alguns efeitos benéficos” na prevenção ou tratamento da Covid-19 se fosse administrada em doses elevadas. Contudo, estas seriam “altamente tóxicas”: “Caso alguém insista em tomar o medicamento em doses demasiado altas corre o risco de vir a ter  graves efeitos secundários, que podem inclusivamente levar à morte”, alerta.

Conclusão:

A publicação sugere uma “campanha nacional” no Brasil para uma toma massificada de ivermectina, um antiparasitário usado contra sarna e piolhos, como solução para travar a Covid-19. É falso. Há, de facto, estudos e ensaios clínicos a serem feitos sobre a utilidade desde medicamento no contexto da pandemia. Contudo, com base nos dados científicos atualmente disponíveis, reguladores como a Agência Europeia do Medicamento, a Food and Drug Administration e o Infarmed têm desaconselhado o uso deste medicamento na prevenção ou tratamento da Covid-19. Não há, também, qualquer indicação sobre doses ou esquemas de administração.

Ao Observador, o virologista Celso Cunha sublinha igualmente que “não há nenhuma evidência da eficácia de ivermectina em doentes com Covid-19” e garante que uma toma generalizada do medicamento não teria efeitos benéficos. O especialista acrescenta que a administração deste antiparasitário em doses elevadas pode mesmo levar a efeitos secundários graves.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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