O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, tentou explorar o facto de António Costa estar a contradizer o que disse Carlos César na terça-feira, 17, à saída da conferência de líderes. Para o deputado social-democrata, PS e Governo estão a recuar em toda a linha ao propor a aceleração do que o PSD tem defendido.

Depois de recordar que, na sexta-feira, os socialistas “votaram contra esse mecanismo extrajudicial” para indemnizar as vítimas dos fogos, Hugo Soares voltou à carga no debate quinzenal com aquilo que classificou de “desautorização” do líder do Governo ao líder da bancada do PS. Lembrou que “ouviu” na terça-feira Carlos César a dizer que chumbaria esse mecanismo, ao contrário do que defendeu esta quarta-feira António Costa.

Quais são os factos?

O líder parlamentar do PSD acusa o PS e o Governo de recuarem nesta matéria. Desde logo, Hugo Soares começa por dizer que “foi na sexta-feira, ainda na sexta-feira, os senhores votaram contra esse mecanismo extrajudicial, com que o senhor agora enche a boca para dizer que vai fazer para recuperar a vida das pessoas“.

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O primeiro-ministro consegue, num primeiro momento, fugir diretamente à acusação, fazendo uma divisão entre indemnizações e apoio (no sentido de intervenção rápida, mais imediato). “É preciso não confundir as indemnizações devidas por danos e os apoios de mecanismos às famílias, empresas e às pessoas”, disse o primeiro-ministro, garantindo que o apoio começou logo “no dia 18 de junho em Pedrógão Grande” quando ele e outros membros do Governo reuniram com autarcas da zona.

Mas Hugo Soares insistiu: “Não levo lições suas sobre como ajudar as pessoas. Ouvi ontem o seu líder parlamentar [Carlos César], esqueceu-se de lhe dar a indicação, a dizer que chumbaria a nossa iniciativa de mecanismo extrajudicial para ajudar as pessoas que mais precisavam. Porque era primeiro era preciso o Estado e os tribunais dizerem de quem era a responsabilidade. O senhor primeiro-ministro acaba de o desautorizar hoje. Porque dava-lhe jeito vir ao Parlamento fazer esse número”. Voltava, assim, mais uma vez à acusação de recuo do Governo. Com um propósito político: mostrar a inação do Governo, a lentidão na gestão do processo e em cuidar dos familiares das vítimas.

Costa não admitiu diretamente o recuo. O primeiro-ministro lembrou no debate quinzenal que o Parlamento tem “já para votação final global um diploma que resultou das várias iniciativas legislativas e que visa, precisamente, criar um mecanismo extrajudicial de reparação (entretanto, alguém o corrige num aparte parlamentar). Já foi aprovado? Muito bem.” Mas, continuou: “O que hoje foi dito à Associação de Famílias das Vítimas é que, relativamente às vítimas mortais, estamos disponíveis para acrescentar um mecanismo que permita agilizar toda a assunção dessas responsabilidades“. Pouco depois, em resposta a Jerónimo de Sousa, António Costa voltou a reiterar que o que propôs esta quarta-feira à associação foi um “mecanismo complementar relativamente às vítimas mortais, que permitisse ter um tratamento mais célere e mais diferenciado.”

Para analisar se houve recuo do PS e do Governo é preciso puxar a fita atrás. Logo a 4 de julho, o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, anunciou que o partido ia procurar apoios no Parlamento para avançar com indemnizações rápidas às famílias. “Não há nenhuma razão para as pessoas ficarem à espera das conclusões dos relatórios e saber se o Estado tem ou não a ver com a concessionária que gere aquelas estradas, não temos de obrigar as pessoas e as famílias a passar por esse calvário”, defendeu então Passos Coelho.

Pedrógão Grande. PSD vai procurar apoio para avançar com indemnizações rápidas

Surgiu então uma estranha coligação: PSD e CDS uniram-se ao PCP para legislar neste sentido. A 1 de agosto, juntou-se ainda o Bloco de Esquerda. Era uma espécie de todos contra o PS. Mas o diploma não visava apenas as vítimas mortais, pois considerava “vítimas dos incêndios as pessoas que tenham sido direta ou indiretamente afetadas na sua saúde, física ou mental, nos seus rendimentos ou no seu património”. O mesmo diploma pedia “mecanismos céleres de identificação das perdas e de indemnização às vítimas dos incêndios”. E até tinha um prazo: seis meses.

Meteram-se as férias pelo meio, o Parlamento reabriu os trabalhos e, na sexta-feira, 12 de outubro, o PS propôs alterações ao documento que a esquerda aceitou. O PSD ficou furioso, denunciando, através do vice-presidente da bancada Carlos Abreu Amorim, “um boicote parlamentar do PS a que os partidos de extrema-esquerda aderiram.” Para o PSD — colocando como condição a prova de que há responsabilidade do Estado — iriam ser “aplicadas às vítimas” as regras normais das indemnizações o que faria com que passassem “anos e anos até que fossem indemnizadas.”

No fim-de-semana, o Presidente da República entrava na batalha jurídica, ainda antes de nova tragédia e na sequência do relatório de Pedrógão. Marcelo Rebelo de Sousa fazia um “convite” à “rigorosa avaliação dos contornos jurídicos do sucedido, também à luz do conteúdo do relatório, quanto ao enquadramento de atuações e omissões no conceito de culpa funcional ou funcionamento anómalo ainda que não personalizado.” E acrescentava, sugerindo celeridade: “Como sabemos, pressuposto de efetivação de responsabilidade civil da Administração Pública, Portugal tem o dever de proceder a tal avaliação e de forma rápida, atendendo à dimensão excecional dos danos pessoais, a começar no maior e mais pungente deles que é a perda de tantas vidas.”

Depois de nova tragédia (já vai em 42 mortos), na terça-feira, o PSD anunciou na conferência de líderes que ia dar entrada com nova proposta legislativa para indemnizações mais rápidas para as vítimas dos incêndios (quer de Pedrógão, quer de todos os incêndios, incluindo os do último fim-de-semana). Os sociais-democratas insistiam que as indemnizações fossem mais céleres e que não dependessem de provar a responsabilidade do Estado em tribunal. Esse carácter de urgência não era, porém, apoiado pela maioria dos partidos com assento parlamentar. E continuou a não ser. Mesmo após a palavra do Presidente e de o próprio António Costa, na segunda-feira, ter falado na hipótese de um “mecanismo ágil no sentido de que o Estado assuma as responsabilidades que deva assumir”.

Na conferência de líderes, o CDS anunciou que acompanhava a iniciativa do PSD, mas Carlos César, líder parlamentar do PS, disse que o partido mantinha a posição. À saída da reunião explicou melhor: “Não dissemos que indemnizações não devam ser atribuídas, mas que elas não devem ter um procedimento automático. Por isso a criação de uma comissão de avaliação é indispensável“. Mas só esta quarta-feira, após falar com as famílias das vítimas (Costa disse que “era a elas a quem primeiro tinha de comunicar”) é que o primeiro-ministro admitiu criar um mecanismo “complementar” mais rápido para as famílias das vítimas mortais.

Conclusões

Ainda que seja apenas dirigido a vítimas mortais, a garantia de Costa aproxima-se mais daquilo que o PSD tem sempre defendido (quer para Pedrógão, quer para as vítimas do último fim-de-semana) do que da bancada do PS. A atitude dos socialistas até agora era: provar primeiro a responsabilidade do Estado e só depois pagar às vítimas. Agora, Costa decidiu criar um “mecanismo complementar” para as vítimas mortais para que tudo seja mais rápido, dando razão ao PSD, que sempre defendeu que neste caso não se deviam seguir os trâmites normais (em tribunais, com hipótese de prolongar o processo em sucessivos recursos).

Assim, António Costa recua face ao que tem defendido desde julho. E contradiz, como disse Hugo Soares, o que Carlos César tinha dito um dia antes à saída da conferência de líderes.

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