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Mitos, falsas verdades e outras considerações sobre a água |
Esta é a segunda de três newsletters sobre água. Pode ler aqui a primeira, enviada na semana passada, a propósito do Dia Mundial da Água. |
A hidratação adequada pode retardar o envelhecimento e prolongar uma vida livre de doenças. Esta é uma das conclusões de um estudo do National Heart, Lung and Blood Institute, dos EUA, publicado no início deste ano. A investigação foi realizada ao longo de trinta anos a mais de onze mil adultos de meia-idade e os resultados mostraram que altos níveis de sódio sérico (um sinal de desidratação) estão associados a um risco 21% superior de morte prematura, 39% superior de desenvolver doenças crónicas e 50% maior de a idade biológica ser superior à idade cronológica/oficial (a idade biológica é aquela que é determinada pelo estado de saúde no interior do organismo). Os participantes com uma idade biológica superior à idade cronológica tinham um risco 70% maior de desenvolver uma doença crónica e um risco 60% maior de morte prematura. |
Os autores do estudo também citaram pesquisas que concluíram que cerca de metade das pessoas em todo o mundo não tem uma ingestão de água que chegue à recomendação total diária, que geralmente começa em seis copos (1,5 litros). |
A pensar nisso, deixo aqui algumas considerações, esclarecimentos e estratégias de consumo desse líquido tão precioso. |
O que nos leva a beber mais ou menos água?
A água é responsável por cerca de 60% do peso corporal de um adulto, sendo que o nosso cérebro é composto principalmente por água. Por essa razão, mesmo que seja ligeira, a desidratação pode provocar alguns impactos negativos no funcionamento cerebral. Durante o dia vamos desidratando, desde o momento em que nos levantamos até á hora de deitar. O corpo usa e deita água fora e, mesmo a dormir, esta é essencial para os processos celulares.
Desde pequenos que nos dizem para beber água mas, para muitas pessoas, isso ainda parece um desafio. Somos impulsionados a beber líquidos (de preferência água) quando sentimos sede e esse é o principal sinal que nos alerta para o facto de o corpo estar com falta de água. Outra evidência (de um nível superior de hidratação) é a dor de cabeça. A sensação de sede é inata, mas deve ser trabalhada, uma vez que quanto menos bebemos, menos sede temos. Apenas no envelhecimento se denota uma redução da capacidade de sentir sede, mas também deve ser contrariada com estratégias para manter a ingestão de água. |
Será que a temperatura da água nos pode ajudar a beber mais?
Há algumas pesquisas que sugerem que as bebidas frias aumentam a palatabilidade do líquido e levam a uma maior ingestão durante o exercício físico, o que é muito relevante tendo em conta que o estado de hidratação ajuda a prevenir a fadiga, diretamente relacionada com o desempenho. A falta de água também afeta negativamente o desempenho cognitivo (concentração, estado de alerta e memória de curto prazo) em crianças, especialmente dos 10 aos 12 anos, mas igualmente em adultos jovens dos 18 aos 25 anos e a partir dos 50 anos.
Claro que as preferências individuais serão determinantes e devem-se respeitar. Mas é importante saber que existe uma associação entre dores de cabeça e ingestão de água fria/gelada. Neste estudo, com a água arrefecida com gelo e bebida por uma palhinha, as mulheres que no passado tinham alguma história clínica de dores de cabeça tiveram o dobro da propensão para tal. |
Então a água morna pela manhã é mesmo uma boa ideia?
Para quem tem obstipação ou intestino preguiçoso, isso pode realmente fazer a diferença. A água morna tem o potencial de fazer uma vasodilatação e assim permitir relaxar o esficter gastroesofágico e promover movimentos intestinais saudáveis, pelo que é uma estratégia muito importante. Também se verificou esse efeito benéfico em situações de pós-operatório intestinal. |
E água quente ao longo do dia?
Quando estamos com gripe e congestão nasal, a água quente (ou um chá quente) permite acalmar sintomas como corrimento nasal, tosse, espirros, dor de garganta, frio ou cansaço. É pelo menos essa uma das conclusões deste estudo científico. A mesma bebida à temperatura ambiente apenas proporcionou alívio ligeiro dos sintomas de corrimento nasal, tosse e espirros
Além disso, em situação normal de saúde, o chá ou água quente permite uma melhor digestão e relaxamento. |
A água com sabores pode levar a uma maior ingestão?
O ideal são as águas aromatizadas com produtos frescos, não só por questões económicas mas também porque as águas aromatizadas industrializadas têm, habitualmente, adoçantes e conservantes. Ao aromatizarmos as nossas próprias águas podemos deixá-las no frigorífico, aumentando assim a palatibilidade. |
A água com limão é uma opção saudável?
O sumo de limão é rico em vitamina ,C mas também em vitaminas do complexo B e minerais como o potássio. Misturado com água torna-se de uma bebida mais rica nutricionalmente. Não tem um conteúdo calórico significativo e por isso não interrompe o jejum matinal. O ácido citritico presente no limão permite também que o pH da urina não seja tão ácido, o que é o pretendido no que toca à saúde da nossa bexiga. Beber água com limão antes das refeições pode ajudar a promover e melhorar a digestão. Isso porque o ácido cítrico encontrado no sumo de limão permite aumentar a secreção do ácido gástrico, o fluido digestivo produzido no estômago que permite a ativação de enzimas digestivas, facilitando assim a digestão dos alimentos, em especial os ricos em proteínas. |
Além das rodelas de limão, que outras formas (naturais) há para dar sabor à água? |
- folhas de hortelã (com gengibre para os mais audazes que gostam de sabor picante)
- cascas de ananás, devidamente lavadas previamente
- frutos vermelhos congelados
- cubos de gelo feitos com sumo de limão ou de lima e aos quais podemos juntar hortelã e raspas da casca de limão ou lima
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Desafio de hidratação matinal
Se é daquelas pessoas que bebe um chá ou café logo pela manhã e tem sentido falta de energia, experimente este desafio para melhorar o foco e a energia assim que acorda:
1. Prepare 350ml de água à temperatura ambiente e beba;
2. Prepare mais 350ml de água com sumo de meio limão ou lima (em alternativa junte ¼ de suplemento de vitamina C solúvel de 500mg sem adição de açúcar e ¼ de colher de café de sal)
3. 15 minutos depois beba o seu café ou chá.
NOTA: se tiver alguma questão de saúde pergunte primeiro a um profissional. |
Verdadeiro ou falso? O mais saudável é comer sementes de linhaça inteiras no iogurte |
Falso. As sementes de linhaça não são mastigáveis, pelo que, quando ingeridas inteiras e sem terem sido demolhadas, terão uma fraca absorção. Para que consiga absorver o rico conteúdo em ómega-3, minerais, vitaminas do complexo B e vitamina E é necessário um dos seguintes procedimentos: |
- moer as sementes num processador com alta potência (ou moinho de café), armazenando-as depois num frasco de vidro, resguardadas da luz e idealmente no frigorífico;
- hidratar num líquido como água, leite, bebida vegetal ou iogurte, durante, no mínimo, seis horas. Além de não se conseguir absorver bem os nutrientes presentes nas sementes de linhaça inteiras, há o risco acrescido de obstrução intestinal quando em grandes doses.
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Uma pergunta frequente nas consultas: se tenho gastrite crónica posso fazer jejum? |
Existem claro casos em que o jejum intermitente é contraindicado. Um deles é a gastrite. |
Quando o estômago está vazio, o ácido pode entrar em contacto com o revestimento já inflamado da mucosa gástrica, levando ao agravamento dos sintomas, como dor e desconforto. O jejum também pode aumentar a produção de ácido clorídrico do estômago, o que pode exacerbar sintomas como náuseas, vómitos e dor abdominal. Em jejum, as pessoas com gastrite aguda são frequentemente aconselhadas a ingerir pequenas refeições frequentes ao longo do dia, para assim ajudar a acalmar o estômago e promover a cura. |
A gastrite crónica é uma doença em que o revestimento do estômago fica inflamado por um longo período de tempo e a mucosa gástrica pode tornar-se mais fina e sensível ao longo do tempo, tornando ainda mais importante evitar períodos prolongados de jejum. Em vez disso, as pessoas com esta doença devem comer pequenas refeições frequentes ao longo do dia e evitar alimentos que possam agravar os sintomas (picantes, ácidos ou gordurosos). |
Dito isto, há casos de gastrite crónica em que é possível fazer jejum intermitente, como os assintomáticos, mas é sempre importante falar primeiro com um profissional de saúde para determinar se é seguro e adequado à situação individual. |
Uma sugestão de livro: How to Go Plant-Based |
Ella Mills, a autora britânica conhecida pela plataforma deliciously ella, apresentou já em vários livros as suas receitas vegan e a sua história de vida: uma doença incapacitante impulsionou-a a procurar uma alimentação diferente. As receitas dos vários livros têm sucesso porque a autora faz questão de privilegiar o sabor e junta a isso uma forma de explicar que torna tudo muito simples de executar. Este livro poderá ser importante para famílias que querem começar a alterar alguns dias da alimentação, algternando com opções vegetarianas completa se saborosas. |
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Mariana Chaves é nutricionista clínica, autora do podcast Aprender a Comer, na Rádio Observador, e do livro Dieta Única (ed. Guerra e Paz, 2016) [ver o perfil completo]. |