1 Que terá de acontecer mais, para acontecer alguma coisa, enquanto vai acontecendo tudo sem nunca acontecer nada? Um case study mais sociológico que político e é pena não haver um livro com esta história que começa assim: era uma vez um político socialista que sem que alguém lhe perguntasse, se apressou a sossegar o país quanto à sua condução de uma maioria absoluta: então não tinha ele a mão no leme? Mais: e não iria até Marcelo (Marcelo?) estar tão atento? Nós que ficássemos tranquilos. (Coitados).

Nunca percebi porém que se “entregasse” o exclusivo da indignação ás oposições. Ou apenas ás oposições. Que tudo se lhes peça e delas se espere, dispensando intermediários e desconfiando de mudanças. Mas parece que assim estamos: olhando tudo, não estranhando nada. É obviamente também (muito) por isso que a política está como está: ambas as coisas – o abuso de poder e arrogância de comportamentos de um lado e um alheado “deixa andar”, do outro — não são desligáveis.

São siamesas.

2 Na terra socialista o solo está tão democraticamente infértil que já nem perguntas acolhe (já repararam que nenhuma pergunta que se lhes faça obtém resposta desde há um ano?). A minha faz-se porém depressa: até quando, os não socialistas irão colecionando uma permanência de ocorrências sem um levantar de pálpebra? Como e porquê “se” vão ignorando, relativizando ou disfarçando tantos incomuns casos de difícil sobrevivência num estado de direito? Que aconteceu á indignação que tanto sorria ao dr. Soares que a via como um “direito”, sobretudo quando ela era a seu favor e logo nacionalmente praticada? Misteriosamente tal “direito” não ocorre a quem discorda do sulfúrico entendimento que o PS tem hoje da democracia: ignorando-lhe os “estatutos”, dispensando as suas exigências, não honrando a sua responsabilidade. Estatelando-se das suas regras básicas, até cair no chão da indignidade, como agora, com a conclusão do Relatório da CPI da TAP. Santo Deus que dias! Ficarão na memória colectiva, colados ao espantoso relatório sobre a ex-gloriosa companhia “de bandeira”: uma assinatura socialista, legível, impositiva, definitiva: PS+Governo são os donos dos tabuleiros de xadrez, manuseiam sozinhos as suas peças, ditam o jogo que apenas eles jogam. Não se fica indiferente: a desconcertante ousadia de dar direito de veracidade e cidade a tão indecoroso relatório indicia o quanto “eles” consideram o país e os portugueses: nada. Não consideram. Excepção para os do voto cativo no PS. Sabemos quais são.

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Que me lembre nunca houve retrato tão nítido deste invulgaríssimo grupo político de gente que age e respira como se convivessem exclusivamente entre eles. O socialismo vigente numa galáxia própria, nós, neste pequeno troço de ocidente atlântico. Desmunidos e alheados.

3 Ainda isto: a) certas pessoas e alguns factos passíveis da obrigação de explicações publicas desaparecem misteriosamente dos radares do escrutínio do país (e não só de relatórios encomendados). Por exemplo (e não, não é mais do mesmo!): que será feito daquela séria preocupação face ao saber-se o SIS envolvido num mero caso de polícia? Peço desculpa mas não desisto disto: o SIS interveio? Porquê, como, quando, a mando de quem? A porta de saída foi omiti-lo na conclusão do relatório? Pesado silêncio, comprometido silêncio. Ou o silêncio como ultimo porto abrigo político?

  1. b) No meio da mais glacial indiferença do poder socialista face à obrigação -já nem digo a honra, prática em desuso – da prestação de contas, há coisas que teimam em não nos ser explicadas. Ou seja: democracia: zero. Accountability: menos que zero.

Por exemplo: porque não podemos saber o que foi António Costa fazer a Budapeste e dizer o quê a Orban? Deu o abraço – não era o que o levava lá? – a José Mourinho? Como não é de todo crível que tenha simplesmente ido a bola, que foi lá fazer? Eu sei, uma chatice falar nisto outra vez, “já não se pode”. Ah não? Então admitimos o segredo como prática? E as más práticas, como norma?

Insisto: não. Trata-se do direito de saber, trata-se de regras comummente aceites e tidas como os indispensáveis pilares de um pais democrático; trata-se, hélas, da moralidade dos procedimentos. Em falta, como a água numa seca prolongada.

O mutismo do Governo e do PS confere-nos porém finalmente a inequívoca certeza de que se estão nas tintas. Civicamente, democraticamente, portuguêsmente. Acabam de o certificar com a segurança de um “proprietário” e uma assinatura socialista devidamente reconhecida

Em certo sentido, é uma novidade. Olhando para trás e revendo outras – digamos – “situações” de altas arrogâncias pessoais e políticas não me lembro de nada com este grau de indiferença, mascarada de “partido de governo” e do próprio governo!

Novidade, sim.

4 E já agora: falam-nos muito das contas certas (e quem nega a sua bondade?) faz parte da propaganda e não há muito mais. Oxalá porém o resto da governação acompanhasse o júbilo das “contas certas” em sectores vitais para o tecido do país. Como por exemplo as contas de quem não tem a saúde que procura, a escola a que tem direito, a justiça de que necessita. Ou o fim do mês livre do peso aflição.

Em que contas está o governo trabalhar para que os portugueses mais aflitos acertem um dia as suas próprias contas?

PS: Gostava de ainda estar neste mundo quando chegar a conta da decisão de erguer um novo hospital no Bombarral. Em vez de, como tudo recomendaria estrategicamente, nas Caldas da Rainha. Se é verdade que uma grande unidade de saúde não deve ser “o” motor de uma cidade, é bem verdade que precisa dela: o novo hospital não pode “precisar” do Bombarral, não há lá nada que faça a diferença. Nem dimensão, nem infraestruturas, nem estruturas, nem capacidade de atração de pessoal clínico. Nem, nem… Se não é favorecimento político é muito, muito parecido. Que erro! E que nova assinatura!