Não é por mero acaso que leem estas palavras, assim como não foi por mero acaso que as decidi escrever. Leem pelo livre-arbítrio que vos assiste, assim como escrevi esta crónica por deliberação própria. E, se sou suficientemente adulto para poder decidir o que pretendo (ou não) fazer e em que moldes o faço, não sou menos adulto para decidir querer (ou não) pôr termo a determinados comportamentos, ações e ilações – ou, até e em última instância, à minha vida.

Temos de ser coerentes: decidir em qual restaurante almoçar parte da mesma premissa de liberdade individual que decidir pôr fim à vida. Se ninguém discorda que qualquer pessoa, em pleno século XXI, tem o direito de poder morrer de tédio ao decidir almoçar um prato gourmet que conta com rúcula e sementes de chia a acompanhar um bife de soja, por que razão, então, tantos discordam que essa pessoa tenha o direito a querer morrer, no sentido literal? Ou se é da opinião que a pessoa detém liberdade para poder decidir sobre ambas as desgraças, ou se é da opinião que não há liberdade para inferir sobre qualquer das opções.

Infelizmente, é típico de uma cultura latina – de laissez faire, laissez passer, com mais foco no “presentismo” que na eficiência – não conseguir cumprir com as definições a que se compromete. E, como a ignorância é um carro sem travões, vemos pessoas absolutamente desinformadas sobre um tema a manifestarem-se não sobre esse tema, mas, sim, sobre os estereótipos vagos que têm sobre esse tema – tristemente, sem sequer se chegarem a aperceber desse facto.

Se o que temos vindo a (tentar) debater é sobre questões relacionadas com a Eutanásia – e não sobre tantas outras definições inventadas por analistas de café –, então estaremos debruçados sobre o «direito a uma morte sem dor nem sofrimento para doentes incuráveis, praticada com o seu consentimento, de forma digna e medicamente assistida». Se for, portanto, de Eutanásia sobre o que falamos, então esta não é uma via para que pessoas se “suicidem” pela mão de outras pessoas. Neste processo, há critérios altamente rígidos e rigorosos até que se chegue a uma decisão final: primeiro, a pessoa, plena das suas faculdades mentais, terá de passar por diferentes fases de confirmação da sua intenção e, posteriormente, uma série de médicos distintos validar um sem número de pressupostos basilares. A quem não sabe importa lembrar, também, que a Eutanásia praticada em inúmeros países só se pode aplicar a pessoas mentalmente habilitadas e com uma doença que se comprove muitíssimo grave ou mesmo incurável, em estado avançado de declínio irreversível. Evidentemente, soluções como a Eutanásia e o Suicídio Assistido não podem ser usadas como “desculpabilização” para a parca aposta em serviços de cuidados paliativos a cada dia mais eficientes e que permitam dar um final de percurso confortável e digno à maioria dos doentes terminais – devendo surgir sempre como primeira resposta à prevenção e ao alívio do sofrimento.

Posto isto, estamos a discutir sobre uma opção de decidir morrer dignamente quando viver já se tornou, apenas, sobreviver para manter um sofrimento inigualável. E, para todos aqueles que não lidam com esta dureza, este é um flagelo perfeitamente tolerável. Só não o é, decerto, para quem lida com este sacrilégio perpétuo na primeira pessoa.

É de uma tremenda hipocrisia verificar que uma geração esmagadoramente egoísta e que vê um problema maior na borbulha que lhe rebentou na cara do que na fome mundial seja a mesma que apresenta, agora, pudor em ver terceiros a decidir – refletidamente – não querer viver mais num sofrimento atroz.

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