A discussão dos últimos dias, centrada na avaliação das maiorias absolutas passadas e na comparação com a que ainda agora está a começar, tem muito que se lhe diga. Prova, em primeiro lugar, que Cavaco Silva ainda é a demonstração viva de que é possível combater a aparente hegemonia do Partido Socialista na sociedade portuguesa. Às indiscutíveis mudanças que o então Primeiro-ministro introduziu no país, os socialistas respondem com um autoritarismo repescado numas quantas manifestações de estudantes e de polícias, como se estas não tivessem ocorrido de forma igualmente violenta em tempos de governo PS.

Mas os acontecimentos dos últimos dias são os que mais importa reter, para avaliar a forma de governar em maioria absoluta do Partido Socialista:

1 Rui Moreira, Presidente da Câmara do Porto, independente e, portanto, liberto das amarras partidárias, rompeu com uma unidade indiscutida nos últimos quarenta anos. Incomodado com o seguidismo da autarca socialista que preside à Associação Nacional de Municípios, decidiu bater com a porta e abandonar a associação. Moreira acusa a direção da ANMP de não defender as autarquias na hora de negociar a descentralização, preferindo acatar as imposições do Governo. O peso desta decisão arrisca desencadear uma reação em cadeia de outros municípios que também se sentem lesados. Pergunto: Não será isto uma consequência de quem confunde maioria absoluta com poder absoluto?

2 O chamado Setúbal Gate, sabe-se hoje, foi muito mais do que um caso isolado numa autarquia. O escândalo na Câmara comunista foi só a ponta do iceberg de uma prática que estava instalada nas principais instituições públicas que lidam com imigrantes e refugiados. O Instituto do Emprego e a Segurança Social tinham como prática recorrer aos serviços de uma associação russa para facilitar os contactos com os ucranianos que vinham para Portugal. Para além da falta de senso de tal decisão, sabe-se agora que os líderes desta associação estavam referenciados pelos serviços de informação nacionais. Tudo ingredientes a precisarem de ser escrutinados pelo Parlamento e pela comunicação social. O que faz o poder socialista? Impede audições na Assembleia da República e o Primeiro-ministro refugia-se num suposto dever de sigilo para não explicar nada desta trapalhada aos portugueses. Pergunto: Não será isto uma consequência de quem confunde maioria absoluta com poder absoluto?

3 A bancada socialista anunciou recentemente a reescrita do projeto para a legalização da eutanásia, garantindo que, apesar de estarmos em nova legislatura, o processo está feito, apesar de se verificar que o texto teve alterações que não são de somenos. A eliminação da expressão “doença fatal” do conteúdo do texto altera de forma determinante a proposta. Ainda assim, garantem os socialistas, não há mais debate. É para votar e enviar para o Presidente. Mesmo sabendo que, no seu último veto, Marcelo Rebelo de Sousa tinha alertado para a mudança radical que se introduz, retirando a dita expressão. Perante tais dúvidas, os socialistas respondem em tom de chantagem: ou o Presidente aprova o diploma, ou está a agir ao contrário do que anunciou, quando disse que as suas convicções pessoais não iriam pesar na decisão. Pergunto: Não será isto uma consequência de quem confunde maioria absoluta com poder absoluto?

Os sinais estão todos cá. E ainda só temos poucos meses de Governo. Cavaco Silva já fez o seu papel pedagógico e pediu obra concreta. Agora cabe a quem quer ser líder da oposição desmascarar o lobo com pele de cordeiro que se esconde por trás do Partido Socialista das maiorias absolutas dialogantes. Isso não existe. É bastante óbvio para quem acompanha a vida política. É preciso torná-lo claro aos olhos dos portugueses. Não é difícil, é só preciso estar atento.

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