A nova regra de política orçamental em Portugal parece ser distribuir dinheiro quando há folga nas contas públicas. Ou será antes uma regra de manutenção do poder, criando um exército cada vez mais alargado de dependentes do Estado, sem capacidade de iniciativa nem qualquer motivo para se mobilizar de forma a aumentar o seu rendimento. O ministro das Finanças diz que não quer dar um passo maior do que a perna, mas talvez não saiba o tamanho da perna e por isso demite-se de ter uma política de finanças públicas, que nos afaste estruturalmente do risco de colapso financeiro, optando pelo “bodo aos pobres” que garante votos.

Foi agora com a divulgação das contas nacionais relativas ao primeiro trimestre que percebemos de onde veio a generosidade do governo para com os funcionários públicos, os pensionistas, as famílias mais vulneráveis, os inquilinos e os que têm prestação por credito à habitação. O primeiro trimestre deste ano foi marcado por um excedente orçamental histórico. Na ótica da contabilidade que é relevante para Bruxelas, as administrações públicas registaram um excedente orçamental de 761,3 milhões de euros, o equivalente a 1,2% do PIB.

Os primeiros apoios chegaram logo em meados de Fevereiro com o designado pacote “Mais Habitação”. Aí se consagra uma ajuda à renda de casa que pode ir até ao máximo de 200 euros. Começaram a ser pagos em meados de Junho, desencadeando a deceção de alguns inquilinos, depois de o Governo, através de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, ter “interpretado” o decreto-lei, considerando que a taxa de esforço de 35% se devia calcular com o rendimento bruto e não com o rendimento colectável (mais baixo), o que reduz os apoios. Aparentemente, e de acordo com o Diário de Notícias, a formulação do decreto-lei levava a que o custo desta medida atingisse os mil milhões de euros, quando o Governo esperava gastar 250 milhões de euros, verba consagrada no Programa de Estabilidade, e que se prevê que dure até 2027. Esta ajuda à renda começou a ser paga também em Junho, incluindo-se neste pacote a bonificação de juros para o crédito à habitação, com um custo previsto, apenas para este ano, de 200 milhões de euros.

O segundo apoio foi logo anunciado em finais de Março, dirigido às famílias mais vulneráveis no montante de 30 euros mensais, pagos trimestralmente, mais 15 euros por dependente. O custo desta medida, que se pode ver no Programa de Estabilidade 2023-27 é de 580 milhões de euros . O primeiro montante foi recebido pelas famílias em Maio e o segundo em Junho. É uma ajuda mais focada, respeitando melhor as orientações de evitar apoiar quem não precisa, como de alguma forma aconteceu no final de 2022.

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Na mesma altura, em Março, foi anunciado um aumento intercalar de 1% para a função pública e a subida do subsídio de refeição em 80 cêntimos para 6 euros. Começou a ser pago em Maio com retroativos a Janeiro e tem um custo bruto estimado de 388 milhões de euros. (O encargo líquido é de 456 milhões de euros porque a esse valor é preciso somar o IRS e as contribuições que se perdem no caso do aumento do subsídio de refeição – 163 milhões ao todo – e subtrair 95 milhões que se ganha em mais IRS e contribuições pelo aumento salarial). E este é um valor que fica para sempre na despesa.

É também em Março que é anunciada a redução do IVA para zero num cabaz de produtos alimentares, depois de uma enorme resistência do Governo e mesmo assim alvo de criticas por beneficiar quer as famílias vulneráveis como as de mais elevados rendimentos. Uma decisão que custa 410 milhões de euros.

Em Abril é anunciado o aumento intercalar das pensões, em 3,57%, a ser pago a partir de 1 de Julho. Esta é uma correção que pretende responder às críticas que foram feitas ao Governo quando deu, o ano passado, uma prestação única e aumentou as pensões em Janeiro apenas pela metade do que está previsto na lei. De acordo com o Plano de Estabilidade, esta atualização significa mais 500 milhões de euros.

Foram seis anúncios de aumentos, apoios e redução do IVA que começaram em Fevereiro e acabaram em Abril. A seguir aos anúncios chegam os pagamentos que se vão prolongando. São medidas de distribuição de dinheiro que são tomadas passo a passo, crescendo à medida que o Ministério das Finanças percebe que vai ter os cofres cheios. Ao todo e por junto, estas medidas correspondem a  um custo orçamental adicional de quase 2,4 mil milhões de euros.

Claro que podemos considerar que o aumento dos funcionários públicos é justo, pela perda de poder de compra que têm tido, e que a correção do valor das pensões mais do que justa corresponde ao cumprimento da lei. O problema é a forma como se vai adotando estas medidas, como se de um prémio se tratasse. Uma tática que temos legitimidade de considerar que tem como objetivo manter os votos deste segmento muito elevado da população – funcionários públicos e pensionistas.

Resolvem-se muito lentamente os problemas estruturais dos salários da função pública e vai-se dando aumentos aqui e ali.  Não se resolve o problema das pensões e vai-se dizendo aos pensionistas que se paga o que determina a lei se houver dinheiro. E se ou quando não houver dinheiro? Os funcionários públicos regressam aos cortes da era da troika e os pensionistas também?

O apoio às famílias mais vulneráveis é o único que, na actual conjuntura, tem racionalidade. A inflação, especialmente esta que tem sido mais elevada na alimentação, é um pesado imposto para quem tem rendimentos baixos.

Mas todos os outros apoios, nomeadamente os relacionados com a habitação e até com o IVA zero já são mais discutíveis. Os apoios à renda e a bonificação dos juros não resolvem problema nenhum. Teria sido preferível aumentar o apoio às famílias vulneráveis, em vez de entrar neste modelo de ajuda a quem é inquilino ou quem comprou casa. Mas a ideia aqui, tal como está a acontecer com o PRR, é espalhar dinheiro pelo maior número de pessoas possível.

Percebe-se que Fernando Medina joga pelo seguro, esperando para ver se tem dinheiro para depois o distribuir. Prefere ir dando dinheiro com um carácter excecional do que reduzir impostos, ficando com menos receitas cuja recuperação, se a conjuntura o exigir, tem elevados custos políticos.

Mas esta forma de gerir as contas públicas tem um perfil mais de “politics” do que de “policy”, contribuindo igualmente para uma cultura de dependência do Estado, de subsidiodependência, de esperar que o dinheiro caia do céu. Obviamente que é uma receita ganhadora para quem tenha como único objetivo a perpetuação no poder e não a criação de uma sociedade madura, responsável e desenvolvida.

A política orçamental deixou de existir. Temos agora uma política de gestão do dinheiro que vai sobrando. E é isso que Fernando Medina irá fazer, escolher o saldo orçamental que quer e depois distribuir o resto pelo povo, em apoios populares. E podia ser diferente, porque há dinheiro para mudar estruturalmente o Estado, garantindo melhores serviços públicos com menos despesa e, ao mesmo tempo, reduzir mais rapidamente a dívida. Vivemos um tempo de oportunidades perdidas porque a função objetivo de quem nos governa está apenas concentrada em manter o poder – ou só sabe fazer política económica desta maneira.