Um grupo de lesados do BES interpôs uma acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa contra o Banco de Portugal (BP) questionando a constitucionalidade da medida de resolução do BES. O Tribunal não lhes deu razão porque, globalmente falando, considerou que o BP não podia rer feito outra coisa.

A questão é muito complexa. A resolução de um banco privado que estava em colapso como era o caso é uma questão eminentemente técnica cujo controlo escapa em larga medida à competência dos Tribunais. A sentença já disponível on line evidencia que o BP exerceu ao longo de vários anos os seus poderes de superintendência sobre o BES na pessoa do conspícuo Sr. Salgado e outros. Nada de grave há a assinalar por este lado. Mas não é este o problema.

O que nos diz a lei (arts. 145-C e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) é que em caso de resolução os prejuízos são suportados em primeiro lugar pelos accionistas, como é óbvio, e em segundo lugar pelos credores, ficando garantidos os depositantes. É esta a ordem. Mas não descarta a indemnização aos credores, como é óbvio.

A sentença diz-nos que as várias inconstitucionalidades avançadas pelos interessados não colhem. Creio que até certa altura tem razão mas não posso concordar com a posição que assume quanto à não inconstitucionalidade que mais interessa aos credores lesados: trata-se da questão de saber se a resolução afecta em termos inconstitucionais os seus direitos de propriedade. O tribunal numa sentença que cita Karl Marx não foi sensível a esta realidade (pag. 182 e ss. da sentença). Que os credores tenham de suportar (parcialmente) as consequências da resolução bancária não significa que os seus direitos de propriedade não tenham sido violados e que esta realidade não mereça tutela. Claro que a sentença reconhece que os credores sofreram uma «compressão» dos seus direitos mas isso não configura, pelos vistos, uma violação inconstitucional da propriedade pois que a protecção desta se louva em visões minimalistas do respectivo conteúdo. Ignorou-se mesmo que a própria lei prevê uma indemnização dos credores a ser discutida nos tribunais avançando mesmo com os primórdios de um critério utilizável. Com esta sentença tudo fica prejudicado. E a falta da prometida provisão para garantia do dinheiro dos credores do BES também não mereceu relevância.

A estratégia da sentença da primeira instância relativamente aos direitos dos credores afectados pela resolução é esta; não houve violação atendível dos respectivos direitos de propriedade. Com esta posição de pouco valerá pedir indemnizações ao BP a título de responsabilidade civil extracontratual do BP com aquele fundamento porque o ilícito está à partida afastado. Fica-se, portanto, a saber que de acordo com o entendimento do Tribunal reduzir os direitos dos credores do BES a zero nada tem de anormal. E na sentença fica subentendido desde já que os lesados nada ganham em pedir indemnizações porque a resolução nada tem de inconstitucional.

Já se sabia que Portugal é o país da Europa em que menos se protege a propriedade privada. Nada de novo com esta sentença. A esperança está no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Até lá há que esperar pelo trânsito em julgado desta (e de outras) sentença. Aquele alto Tribunal certamente que não deixará de fazer justiça.

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