Também à Ação Climática se pode aplicar o provérbio popular: “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.”.

O excesso de protagonismo dos estados tende a criar entropia nos mercados. As questões relacionadas com os problemas climáticos são, infelizmente, também elas, afetadas por este excesso de querer fazer tudo e estar em todo o lado.

Opinar sobre o que deve ser feito, nomear os grupos de cientistas e técnicos que reforçam ou ditam e consolidam a informação científica que suporta as suas decisões, definir como devem funcionar os modelos, mecanismos e soluções, operá-los ou nomear quem opera, coordenar, fiscalizar, aplicar e cobrar taxas de carbono, regras e índices de poluição, definir quem paga e quem não paga, quem tem direitos especiais (entenda-se taxas gratuitas e períodos transitórios), quem e o quê está dentro de um ou de outro regime (entenda-se mercados regulados e não-regulados).

Neste cenário não há lugar para que a sociedade civil perceba e veja, tenha um papel pró-ativo a desempenhar. Os políticos, esqueceram-se que quem produz os resultados de facto é o mercado, entenda-se, os cidadãos, as famílias, as empresas, as organizações civis e científicas, e claro, os estados. Mas aqui os políticos esqueceram-se de todos os outros, dando-lhes apenas um papel de “cumpre ou tenta fazer de conta que cumpres”. Perigoso, quando a Ação Climática, para o sucesso urgente e imprescindível, precisa de todos envolvidos e comprometidos.

Este tem sido o principal problema da Ação Climática. Se por um lado tem sido tudo tão rápido desde Paris (Acordo de Paris), a tentativa de controlar tudo a partir de um total excesso interventivo dos estados dos países signatários, expresso no modus operandi que descrevo nos parágrafos anteriores, tem resultado numa total desorientação e descoordenação da sociedade civil, das empresas, das organizações de investigação e da ciência em geral. Impossibilitando a que o mercado, quando criadas as bases, regras, regimentos e leis, deixando-o depois funcionar, crie as condições e ele funcione de fato.

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A separação de poderes e papéis, que sempre pautou as melhores práticas, leva à mitigação da possibilidade de desconfiança que a conotação de conflitos de interesse gera. Consequentemente, a possibilidade do surgimento de um sério envolvimento de todos os atores e, daí, o benefício de melhores resultados, não tem sido aplicado à agenda da Ação Climática.

Prova disso está na forma como as taxas de carbono no mercado regulado europeu afetam o bom funcionamento da economia e afastam qualquer possibilidade de os próprios agentes económicos, ao percecionar ser o seu papel, na cadeia que cria e distribui esse valor, serem uma parte ativa, e não apenas um alguém obrigado a cumprir ou tentado a infringir regras que só prejudicam o próprio erário público e em nada abonam para a agenda climática.

Atualmente, à luz de uma análise isenta, sob o ponto de vista da sustentabilidade dos objetivos preconizados, o mercado regulado do carbono europeu, como está orientado, não gera qualquer tipo de resultados que numa análise de custo/benefício, poderíamos designar por benefício líquido. E quando falo em benefício líquido tenho em consideração, além dos objetivos que são os de redução das emissões até 2050 da União Europeia, as múltiplas dimensões ambiental, social e corporativa, assim como a sustentabilidade das medidas e politicas de incentivo aos designados programas de apoio europeus, que são financiados a partir da cobrança dessas taxas de carbono, como é o caso, em Portugal, do financiamento do Fundo Ambiental.

Vamos a um exemplo da economia real:

Uma PME portuguesa que opera na área da reciclagem têxtil há mais de 50 anos. Digamos que é precursora das empresas desta nova economia limpa e circular, sendo que há 40 anos, recordo-me, visionários destes eram chamados de “farrapeiros” porque recolhiam os restos têxteis, usando os desperdícios que toda uma indústria têxtil desprezava e não tratava, poluindo o meio ambiente. Estes visionários ecologistas e empresários, peritos já na época em sustentabilidade, montaram, a partir da visão de um problema ambiental, um negócio rentável e sustentável na visão atual.

Mas hoje, sendo eles ainda mais sustentáveis e claramente vistos como uma empresa altamente inovadora, com reconhecimentos nacionais e internacionais, será que nesta nova realidade regulatória, fiscalizadora e neste seu novo papel omnipresente, ciente e potente, ao se auto mandatar de todas as restantes funções, os estados e governos permitem de facto a criação de um ambiente propício à existência de uma indústria pujante, inovadora, sustentável e ao mesmo tempo viável?

Perguntei a este gestor e empresário se me poderia ajudar e fizemos um exercício simples que acredito seja a realidade da maioria das micro e PME´s em Portugal. Pegamos unicamente no fator custo de produção – energia.

No exemplo da Jomafil, os custos de energia representam mais de 50% dos custos de produção, sendo que se esta empresa quiser produzir energia a partir de fontes de produção próprias, por exemplo a fotovoltaica, tem ainda – além das condicionantes da descontinuidade que esta tem, na disponibilidade para uso, ou custos e limitações tecnológicas, para o seu armazenamento e uso posterior – os limites de cota de capacidade instalada de auto-produção a que está obrigada por lei, toda a indústria.

Ou seja, da totalidade das suas necessidades, a sua dependência dos mercados abastecedores, dos custos e flutuações dos preços desses mercados, onde se incluem os fatores do carbono, diretos e indiretos, a Jomafil depende e é afetada, na atualidade, aproximadamente em 70% –  proporcionalmente, no seu passado, os que, destes fatores, afetavam os custos produção eram aproximadamente 20%.

Havendo uma urgência e emergência climática, há uma necessidade de incentivar as empresas e indústrias a participar dessa urgência, com ações concretas, mas onde lhes sejam dadas condições de mercado para agir como parte interessada no problema, e simultaneamente, percebendo, nesses caminhos, as condições para sobreviver económica e financeiramente. Só assim, poderemos vencer esta batalha que é o desafio enorme que enfrentamos.

Questiono aos fazedores das políticas climáticas e seus governantes, se julgam que será por este caminho que haverá por parte dos agentes económicos, em particular, e sociedade civil, em geral, condições para percecionar, nessa sua participação, os benefícios de forma clara, justa e efetiva, para assim obter, dessa perceção, a adesão das partes interessadas e assim fazer funcionar, todos, numa cadeia de valor, que resulte na capacidade de enfrentar com sucesso esta urgente e desafiante agenda.