Nesta semana fomos brindados com uma nova Assembleia da República (AR), ainda a ajustar-se aos novos tempos. Temos novo governo, novos ministros a começar a arrumar as pastas, renovado programa de governo e até, antes do tempo, uma nova estratégia orçamental para a legislatura (programa de estabilidade 2022-25) ainda apresentada pelo anterior Ministro das Finanças.

O Presidente da República fez questão de sinalizar que quem tinha ganho as eleições era o PS e em particular António Costa. Para bom entendedor ficou claro que para Marcelo a estabilidade política significa também ter Costa como PM até ao fim da legislatura. O Expresso veiculou a informação de que Costa não será candidato a cargo europeu em 2024. A única coisa que hoje podemos dar como certa, é que Costa ficará como PM até… sair. E que se sair antes de 2026 Marcelo provavelmente dissolverá a AR.

Acerca das reformas que podem ser operadas nesta legislatura de maioria absoluta, que tem condições para as fazer, há duas perspetivas ambas levando à mesma conclusão: a impotência e a não realização de reformas. Uma é a de que o país não precisa de grandes reformas, tem é de ter políticas incrementalistas. Geralmente acena-se com o papão das “reformas estruturais” defendidas pela troika para defender este ponto de vista. Outra a de que maioria absoluta, não significa poder absoluto, que é necessário diálogo, o que pode legitimar a conclusão, no final da legislatura, que se não foram feitas foi porque não houve esse consenso. Ambas estas posições, parcialmente verdadeiras, são perigosas pois legitimadoras do imobilismo e do declínio.

As reformas não são apresentadas como tais no programa do governo, mas antes como desafios estratégicos. Em relação a cada desafio são elencados objetivos.

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Assinalo alguns que me parecem mais relevantes. Colocar os fundos europeus (não apenas o PRR, mas o PT2030 e a conclusão do PT2020) claramente ao serviço do crescimento económico. Tornar a justiça mais eficiente, em particular os tribunais administrativos e fiscais. Melhorar significativamente a circularidade da nossa economia. Combater o declínio demográfico, promovendo a natalidade desejada. Transformar digitalmente quer o tecido empresarial, quer o Estado, para com isso melhorar, respetivamente, a produtividade e competitividade do setor privado, e a produtividade e qualidade de serviços prestados a cidadãos e empresas pelo setor público.

Elencar desafios estratégicos e objetivos é importante, mas não é suficiente na gestão pública. Porventura a maior reforma que este governo deveria iniciar com determinação, é uma única meta-reforma, a de orientar a implementação e a avaliação das políticas públicas em função do desempenho, isto é, para a avaliação do impacto naqueles que delas beneficiam (cidadãos, empresas e ecossistemas). Para isso necessitamos de indicadores e de formas fáceis de visualizar a sua evolução ao longo do tempo. Isto é, deveria alargar-se a nova metodologia de gestão do PRR que a Comissão Europeia pretende implementar, a toda a despesa pública. Por exemplo, o Programa Europa Digital tem como objetivo “impulsionar o desenvolvimento da inteligência artificial e usá-la para responder a questões críticas do nosso tempo”. Dentro dos indicadores da CE para este objetivo está este: “casos para os quais as organizações decidam integrar inteligência artificial nos seus produtos, processos ou serviços, como resultado do Programa.

Novamente os críticos de indicadores quantitativos (que deverão ser complementados por qualitativos) dirão que é muito difícil medir, que há sempre múltiplos agentes (Estado, autarquias, empresas, cidadãos) que influenciam os resultados das políticas públicas, etc. Tudo isso é verdade, mas a ausência de indicadores, significa navegar no mar alto sem azimute ou no deserto sem bússola. Não se sabe nem por onde se está a ir nem a que ritmo.  Nas várias áreas da governação existe já um conjunto alargado de indicadores (na justiça, na saúde, na economia circular e descarbonização, sobre as empresas, sobre a desigualdade e a pobreza, a natalidade, etc.). Porém, temos sido incapazes de os utilizar ao serviço da gestão pública e de implementar algo a que legalmente estamos obrigados, que é a orçamentação por programas. Isto é, passar da orçamentação tradicional (baseada nos custos dos inputs), com que em grande medida temos usado de forma ineficiente os fundos nacionais (os nossos impostos e a nossa dívida) e europeus, para uma orçamentação orientada para as atividades e os resultados. Esta a grande reforma que deveria ser operada nesta legislatura que obviamente pressupõe uma alteração da cultura de gestão pública. Andamos há décadas para a fazer sem sucesso, ou por falta de vontade ou por incompetência. Talvez a Comissão Europeia, através da metodologia de aplicação do PRR, nos ajude a fazer essa grande reforma.

Portugal nunca teve tantos fundos europeus concentrados em tão pouco período de tempo. O governo do PS tem não só a obrigação, mas todas as condições nesta legislatura para iniciar de forma determinada as reformas de que o país necessita. Certamente usando processos de deliberação públicos, procurando consensos alargados, melhorando as suas propostas ouvindo os partidos políticos, os parceiros sociais e a sociedade civil.  Se as fizer, o país agradecerá. Se não as fizer, mostrará que não está à altura de responder aos desafios do país.