Houve dois erros de análise quando pela primeira vez António Costa mostrou sintomas de que podia formar governo com os votos do PCP e do BE. O primeiro foi o dos que não quiseram acreditar, desconfiados de um simples bluff; o segundo foi o dos que quiseram acreditar, imaginando com alvoroço uma polarização da política nacional entre dois blocos de esquerda e de direita.

Costa arranjou de facto o governo de que precisava, mas a famosa polarização, tirando as picardias básicas da política, não aconteceu. Poucas semanas depois da tomada de posse, já Costa depende da direita para fazer passar legislação, já o PCP e o BE votam contra o governo, e já o PSD e o CDS seguem caminhos diferentes (como se viu ontem, na votação do Orçamento Rectificativo). A bipolarização em Portugal ainda durou menos do que o reinado da Miss Colômbia no passado fim de semana.

Isto não significa que Costa se esteja a preparar para tirar a Passos o recorde do governo mais curto da democracia. Significa apenas que temos em Portugal um governo minoritário do PS, o qual umas vezes votará com o PCP e o BE, e outras com o PSD e o CDS. Não há maiorias estáveis, nem frentes de batalha fixas. Tudo vai ser definido caso a caso.

Do lado da suposta “maioria de esquerda”, em vez do plano radical de confronto com “a Europa da austeridade”, temos um governo que afinal também vende bancos e modera reposições de rendimentos. Há ainda quem esteja a tentar usar o BANIF para sujar a “saída limpa” de Passos. Mas neste momento, provar que afinal não houve “saída limpa” só desacredita aqueles que sempre juraram que para pôr termo à austeridade bastaria mudar de governo. Afinal, parece que é mais complicado.

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Do lado da oposição de direita, em vez da “radicalização” que uns temiam e outros desejavam, vemos Passos Coelho a cumprimentar o governo (por assumir a meta do défice abaixo de 3%), a votar com o governo (no caso da Contribuição Extraordinária de Solidariedade), e a explicar que não teria feito diferente (na resolução e venda do BANIF). À primeira votação com o PS, Passos já deixou de ser “radical”. À segunda, voltará a ser social-democrata. A razão de ser da união da esquerda – “a direita radical” – ameaça desaparecer rapidamente.

O que faltará então para o Bloco Central ou para os “grandes consensos”, que desde 2011 muitos consideram essenciais para levar a cabo o ajustamento e as reformas combinadas com a troika e recomendadas por outras instituições? O que faltou sempre desde 2011. O Bloco Central em Portugal só é possível quando o PS é o primeiro partido, porque o PS, devido aos seus pruridos de esquerda, só pode aceitar alianças com o PSD enquanto parceiro maioritário. Em 2009, o PS era o primeiro partido, mas o Bloco Central não foi possível porque o PS tinha José Sócrates como líder. E depois, o PS perdeu as eleições de 2011 e outra vez as de 2015. Quanto aos “grandes consensos”, serão improváveis num regime em que os partidos vão evitar comprometer-se para além de ocasionais votações conjuntas.

O entendimento à esquerda permitiu ao PS voltar ao governo, embora o PSD continue a ser o maior partido. Ficamos então neste arranjo: o PS vota com o PCP e o BE os aumentos de despesa, e conta depois com o PSD para evitar a bancarrota. Tudo isto faz lembrar 1976, quando o PS sozinho oscilava entre a esquerda a direita, entre as “conquistas da revolução” e as “reformas estruturais”, sem se decidir. Não correu bem então, e não correrá bem agora. O país depende totalmente dos mercados internacionais para financiar investimento e consumo. Resta-nos esperar que o BCE continue a fabricar dinheiro barato.