Para além dos argumentos de natureza teológica e histórica, há quem recorra a razões de carácter psicológico para justificar a conveniência de que também os padres católicos latinos possam casar. Supõe-se até que uma vida, por assim dizer, mais normal seria também benéfica em relação aos abusos de menores por clérigos. Nesta entrevista virtual, todos os textos entre aspas e itálico são citações literais de São Paulo VI, na sua Encíclica Sacerdotalis Caelibatus, de 1967.

– Vossa Santidade não acha que estes lamentáveis casos são, por vezes, uma reacção devida à repressiva disciplina eclesiástica a que são submetidos os padres católicos no Ocidente, precisamente pelo facto de não lhes ser permitida uma vida mais saudável, nomeadamente no âmbito da sua afectividade e sexualidade?! Não faltam os que assim pensam …

“Nem faltam os que estão persuadidos de que, se os sacerdotes se casassem, não haveria já para esses sacerdotes ocasião de infidelidades, perturbações e defecções penosas, que tanto ferem e amarguram a Igreja; e até poderiam esses ministros de Cristo dar um testemunho mais completo de vida cristã na própria família, da qual se encontram separados por causa do seu presente estado de vida.” (nº 9).

– Vossa Santidade entende que o celibato é causa, ou ocasião, desses escândalos?

“Não é justo repetir ainda, depois de tudo quanto a ciência tem investigado no nosso tempo, que o celibato seja contra a natureza, por se opor a exigências físicas, psicológicas e afectivas legítimas a que seria necessário dar satisfação para a completa maturidade da personalidade humana. O homem, criado à imagem e semelhança de Deus, não se compõe somente de carne, e o instinto sexual não é tudo nele; o homem é também, e sobretudo, inteligência, vontade e liberdade, faculdades graças às quais ele é deve considerar-se superior no universo; elas lhe dão o poder de dominar os seus próprios apetites físicos, psíquicos e afectivos.” (nº 53).

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– Mas a lei do celibato não é, por assim dizer, pouco natural?!

“Há também quem assevere com insistência que o sacerdote, por causa do celibato, se coloca numa condição física e psicológica antinatural, perigosa para o equilíbrio e a maturidade da sua pessoa humana; daí resulta, dizem, que o mesmo sacerdote se endurece e carece de calor humano, de uma plena comunhão com os outros seus irmãos, na sua vida e no seu destino, e é constrangido a uma solidão que é fonte de amargura e de desalento. Tudo isto não indicará uma injusta violência e um desprezo injustificável pelos valores humanos derivados da obra divina da criação e integrados na obra da redenção realizada por Cristo?” (nº 10).

– Uma tal inibição não poderá ser, para o padre, enquanto homem, frustrante?

“A escolha do celibato não comporta a ignorância e o desprezo do instinto sexual e da afectividade, o que prejudicaria o equilíbrio físico e psicológico do sacerdote, mas exige uma compreensão clara, um domínio atento de si e uma sublimação sábia das próprias forças psíquicas a um plano superior. Desta maneira, o celibato, elevando integralmente o homem, contribui efectivamente para a sua perfeição” (nº 55).

-Mas, se o celibato for entendido por uma razão de disponibilidade, não será utópica essa sublimação, que nem todos conseguem alcançar?!

“O motivo verdadeiro e profundo do celibato consagrado é – como já dissemos – a opção por uma relação pessoal mais íntima e completa com o mistério de Cristo e da Igreja, para benefício de toda a humanidade; nesta opção, não há dúvida que aqueles valores humanos podem adquirir a sua máxima expressão” (nº 54).

– Por vezes, os candidatos ao sacerdócio são compelidos a optar pelo celibato quando ainda não adquiriram uma autêntica maturidade física e psicológica …

“Observando, por outro lado, a maneira como agora o candidato ao sacerdócio chega a assumir um tão pesado compromisso, objecta-se que, na prática, isso não é o resultado de uma decisão autenticamente pessoal, mas de uma atitude passiva que pode imputar-se a uma formação inadequada e insuficientemente respeitadora da liberdade humana, uma vez que o grau de conhecimento e de autodecisão do jovem, e a sua maturidade psico-física são bastante inferiores, e em qualquer caso desproporcionadas à realidade, às dificuldades objectivas e à duração do compromisso que assume.” (nº 11).

– A imposição do celibato, aos candidatos ao sacerdócio ministerial na Igreja católica, é uma violência que atenta contra a sua liberdade?! Ao impedir ao padre uma vida amorosa, não se contribui para a sua frustração afectiva?

“O desejo natural e legítimo no homem de amar uma mulher e de constituir um lar é, sem dúvida, superado no celibato, mas não está dito que o matrimónio e a família sejam a única via que conduz à maturidade integral da pessoa humana. O amor não se extinguiu no coração do sacerdote. Haurida na sua fonte mais pura, exercitada à imitação de Deus e de Cristo, a caridade não é menos exigente e concreta que todo o amor autêntico, alarga até ao infinito os horizontes do sacerdote, aprofunda e dilata o seu sentido das responsabilidades – índice da maturidade da pessoa – educa nele, como expressão de uma mais alta e vasta paternidade, uma plenitude e delicadeza de sentimentos que são para ele uma riqueza superabundante” (nº 56).

– A obrigatoriedade do celibato não poderá levar à ordenação sacerdotal de candidatos menos aptos, precisamente por não reunirem as condições necessárias à observância dessa disciplina?

“Aqueles que forem considerados física e psíquica ou moralmente menos aptos, devem ser imediatamente afastados do caminho do sacerdócio. Saibam os educadores que isto é para eles um dever gravíssimo; não se entreguem a esperanças falazes e a perigosas ilusões, e não permitam de modo nenhum que o candidato as nutra, com consequências perigosas para ele e para a Igreja. Uma vida assim total e delicadamente comprometida em toda a sua estrutura interior e exterior, como é a do sacerdote celibatário, exclui, com efeito, candidatos de insuficiente equilíbrio psico-físico ou moral, e não se deve pretender que a graça, neste domínio, supra a natureza.” (nº 64).

– Por vezes, alguns padres são depois dispensados do ministério sacerdotal. Essas dispensas não são, afinal, uma prova de que a lei eclesiástica é excessivamente rígida?

“As dispensas que eventualmente são concedidas, numa percentagem em verdade mínima em relação ao grande número de sacerdotes bons e dignos, ao mesmo tempo que provêem com justiça ao bem espiritual dos indivíduos, demonstram também a solicitude da Igreja para a salvaguarda do celibato sagrado e da fidelidade integral de todos os seus ministros. Fazendo isto, a Igreja procede sempre com tristeza, sobretudo nos casos particularmente dolorosos nos quais a recusa de levar dignamente o suave jugo de Cristo é devida a crises de fé ou fraquezas morais, por isso frequentemente conscientes e com escândalo dos fiéis” (nº 85).

– E que comentário faz Vossa Santidade dos padres que incorreram no crime e pecado gravíssimo da pedofilia e dos abusos de menores?

“O seu lamentável estado e as consequências provadas e públicas que dele decorrem, levam alguns a perguntar se não é precisamente o celibato o responsável, de algum modo, por tais dramas e pelos escândalos que daí advêm para o Povo de Deus. Na realidade a responsabilidade recai, não sobre o próprio celibato sagrado em si mesmo, mas sobre uma avaliação, a seu tempo, nem sempre suficiente e prudente, das qualidades do candidato ao sacerdócio, ou sobre a maneira como os ministros sagrados vivem a sua total consagração” (nº 83).

– Muito obrigado, Santo Padre, pelas suas declarações, que a ciência moderna não só não desmente, como confirma. Com efeito, “o perfil dos abusadores de crianças nunca incluem adultos normais que, como resultado da abstinência, se tornaram eroticamente atraídos por crianças (Fred Berlin, “Compulsive Sexual Behaviors” in Addiction and Compulsive Behaviors [Boston: NCBC, 1998]). De facto, “a grande maioria dos agressores sexuais são homens comuns, quase sempre casados ou em união de facto que, em 80% dos casos, ou mais, abusam dos seus familiares” (Thomas G. Plante Ph.D.,  Psichology Today, https://www.psychologytoday.com/us/blog/do-the-right-thing/201808/separating-facts-about-clergy-abuse-fiction).