Ontem começaram as aulas online, mas no fim-de-semana já tinha havido recreio online. O Conselho Nacional do CDS foi uma espécie de bulha no pátio da escola, transmitida em banda larga. O Ministério da Educação bem podia pôr os olhos no Largo do Caldas. Ao contrário dos alunos que continuam sem condições para ter aulas, no sábado, todos os meninos do CDS conseguiram brincar pela internet.

Em termos de reuniões partidárias durante a pandemia, teve alguns pontos em comum com o congresso do PCP. No congresso do PCP louvou-se Lenine; no Conselho Nacional do CDS, embora não se tenha falado no camarada, sentiu-se uma clara vontade de aplicar os seus métodos a alguns correligionários.

Como nas brigas de recreio, aposto que esta também acabou com joelhos esfolados e canelas doridas. Tudo à conta dos pontapés furiosos nas mesas onde os computadores estão pousados. Mais uma vez, o CDS assume-se como um partido de nicho. Já foi o partido dos lavradores, passou a partido dos pensionistas e agora é o partido dos técnicos informáticos. Neste momento, é a categoria profissional que mais lucra com a actividade política do CDS. Só em placas gráficas escangalhadas devem ter feito uma fortuna. No sábado, há-de ter havido muitos ratos a abandonar o navio. Provavelmente, atirados pela janela, junto com os seus tapetes.

Confesso que a noite de sábado, animada pela entusiasmada militância dos centristas, despertou em mim um saudosismo que não sabia ter. Por momentos, recuei até 1986 e revivi tempos gloriosos. Não, não estou a falar da campanha presidencial de Freitas do Amaral. Estou a falar das noitadas passadas a jogar ZX Spectrum com os meus primos. Aquela discussão interminável sobre os termos da votação foi igualzinha às que nós tínhamos para decidir quem era o primeiro a jogar Chuckie Egg. Parecia mesmo um sábado em casa dos meus avós. Depois de lanchar um bollycao e um TriNaranjus quanto víamos o MacGyver, jogávamos Subbuteo ou colávamos cromos do México86. Se não estivesse a chover, íamos ao jardim jogar ao berlinde. Ah, ser um ranhoso de nove anos na reinação com outros fedelhos!

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E a estratégia dos conselheiros, a contagem de espingardas, os acordos secretos, fizeram-me lembrar as longas jogatanas de Risco, que chegavam a durar vários dias. Às tantas, estava à espera que a mãe de Rodrigues dos Santos irrompesse pelo quarto dele, com uma caneca de leite morno com Ovomaltine e umas bolachas belgas, lhe desse um beijinho na testa e dissesse: “A brincadeira ainda demora muito, meninos? Não tiveram já política suficiente por hoje? Vá, mais meia hora e depois quero tudo na cama.” E Chicão imploraria: “Já? Mas estou quase a ganhar! Tenho de conquistar 12 votos e está no papo. Só mais cinco discursos de conselheiros e acabamos, mamã!”

Francisco Rodrigues dos Santos, com a aprovação da moção de confiança, foi o grande vencedor do fim-de-semana. Independentemente da margem da vitória, o partido respondeu ao toque a reunir. Ou, dadas as circunstâncias, o Tik Tok a reunir. Chicão mostrou que, afinal, tem algo de Amaro da Costa, Freitas do Amaral e Lucas Pires. E não me estou a referir ao facto de as pessoas olharem para ele como se fosse um defunto, sem utilidade prática. Não, Chicão é já também, por direito próprio, um dirigente histórico do CDS. Trata-se do primeiro líder a triunfar no equivalente partidário de um torneio de Fortnite. Para a humilhação dos adversários ser completa, só faltou uma daquelas parvas danças da vitória.

Durante o Conselho Nacional, alguns dos notáveis do CDS mostraram desconforto com a imagem que o partido estaria a passar para o país. Sem razão, diga-se. Os portugueses estão fechados em casa, num segundo confinamento que está a ser ainda mais chato do que o primeiro. Estão em teletrabalho, irritados com o chefe e com os colegas, fartos de reuniões por zoom que acabam sempre em discussão. Se há altura em que as pessoas simpatizam com quem perde a cabeça e desata aos berros ao computador, é esta. Também não levam a mal se João Almeida, Telmo Correia e Nuno Melo tiverem passado o Conselho Nacional de calças de pijama, em vez das tradicionais Dockers caqui democratas-cristãs.

Mas não há como disfarçar. O CDS atravessa uma fase difícil, com péssimas sondagens, liderança contestada e entalado entre a Iniciativa Liberal e o Chega. Se calhar, é chegada a altura de mudar novamente de nome. Já foi CDS, depois CDS-PP, chegou a ser só PP, voltou a ser CDS e agora podia ser apenas CD. É um nome que faz mais sentido. O CD teve o seu tempo, foi importante, deu alegrias e, entretanto, ficou ultrapassado. Só que ainda há quem, por nostalgia, de vez em quando, ache graça ouvi-lo.