O vídeo foi viral nas redes sociais, mas, infelizmente, não é um caso único. No Santuário de Santa Teresinha do Menino Jesus, em Taubaté, no interior do Estado de São Paulo, Brasil, o celebrante distribuía a sagrada comunhão aos fiéis, que dele se aproximavam em fila e que a recebiam na mão, mantendo-se de pé. Aproximou-se então um jovem, que se ajoelhou, para comungar na boca. O sacerdote insistiu para que comungasse na mão, mas sem efeito, pelo que se desviou do jovem ajoelhado, que ficou sem comungar, e retomou a distribuição da comunhão na mão.

Pergunta-se: foi o fiel que procedeu mal, insistindo em receber a comunhão directamente na boca, ou o ministro que lhe recusou essa opção? A Eucaristia deve ser administrada segundo o critério do celebrante, ou a vontade do fiel? O ministro pode obrigar os fiéis a comungarem na mão e proibir a comunhão na boca?

Em circunstâncias normais, a Igreja exige duas condições para os fiéis poderem comungar, pressuposta a sua fé, instrução e rectidão de intenção. A saber: que o fiel não tenha consciência de nenhuma falta grave não absolvida no Sacramento da Penitência; e ter observado, pelo menos, uma hora de jejum antes de comungar, exigência esta que não impede o consumo de água, e de que estão dispensados os doentes e quem deles cuida.

Há algumas situações em que o celebrante pode legitimamente recusar-se a dar a comunhão: a uma pessoa alcoolizada ou demente; a alguém que se apresenta de forma indecente; a um não-católico; a um fiel conhecido publicamente por viver em situação irregular, ou por contradizer a fé ou a moral da Igreja, etc. Nestes casos, não é o celebrante que recusa a comunhão, mas o fiel que, por alguma razão a ele imputável, dela se exclui.

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E que dizer da comunhão na boca, ou na mão? Até ao Concílio Vaticano II, a Eucaristia só era administrada de joelhos e na boca, para garantir que a sagrada hóstia era ingerida imediatamente pelo fiel e evitar que pequenas partículas ficassem na sua mão e caíssem ao chão. Mais recentemente, a Santa Sé autorizou a comunhão na mão, dando às Conferências Episcopais competência sobre esta matéria.

É de 10 de Outubro de 1975 a Nota Pastoral do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que implementou a “licença para os fiéis de Portugal poderem comungar na mão” (todas as citações deste texto são dessa Nota Pastoral).

A CEP determinou que “esta maneira de comungar não deve ser imposta aos fiéis, pois a eles se deve deixar a escolha sobre a forma de receber a Eucaristia”. Ou seja, para os bispos portugueses ninguém pode ser obrigado a comungar na mão, ou na boca; nem proibido de comungar na boca, ou na mão.

Mas, uma tal diversidade não poderá causar perturbação na celebração? A CEP, na referida Nota Pastoral, também respondeu a esta questão: “Deste modo, não será de estranhar que, numa mesma celebração, haja quem receba a sagrada partícula na língua e quem a receba na mão.” Portanto, para o nosso episcopado, uma tal diversidade “não será de estranhar”, nem muito menos de evitar pela imposição de uma forma única de comungar, salvo em casos muito especiais, como uma pandemia.

Com efeito, em circunstâncias excepcionais, o ministro pode impor uma forma única de receber a sagrada comunhão. Dois exemplos. No centenário das aparições de Fátima, tive a graça de concelebrar com o Papa Francisco e fui também um dos muitos padres que, no recinto do santuário, distribuíram a comunhão aos fiéis. Ao ar livre e num ambiente em que os apertos e encontrões eram inevitáveis, era mais fácil que a hóstia caísse ao chão, ou que alguém, sem comungar, se afastasse do local levando a partícula consigo, sem que eu o pudesse evitar. Nestas circunstâncias, achei que não era prudente dar a comunhão na mão. Mais tarde, por ocasião da pandemia, adoptei a atitude inversa, por exigência do nosso episcopado e recomendação das autoridades sanitárias. Portanto, em situações excepcionais, há que obedecer ao critério estabelecido pela competente autoridade eclesiástica e proceder de acordo com o que for mais prudente.

Mas, em geral, cabe ao fiel optar pela comunhão na mão ou na boca, pois “o ministro que distribui a comunhão nunca deve impor os seus gostos e preferências, nem substituir-se à vontade livre dos comungantes.”  Esta advertência – sublinhe-se o “nunca”! – não apenas legitima a pluralidade de formas de comungar, como também esclarece, sem deixar lugar para a dúvida, que a escolha do modo como se recebe a Eucaristia corresponde ao comungante, não podendo ser imposta pelo ministro, seja este ordinário, no caso do presbítero ou diácono, ou extraordinário, se for leigo.

Que dizer, então, em relação ao caso verificado no Santuário de Santa Teresinha do Menino Jesus, no Brasil? Pois bem, o jovem tinha direito a comungar e, portanto, o clérigo, ao impedi-lo de receber a Eucaristia, cometeu uma grave falta, pois só aos excomungados e pecadores públicos se pode negar a comunhão. Não obstante a gravidade desta atitude do celebrante, que equivale, na prática, à excomunhão, o fiel poderia ter cedido quanto à forma de comungar, para não ficar privado da Eucaristia, nem causar, em plena celebração litúrgica, uma situação desnecessariamente tensa. Depois da Missa, o fiel, a sós com o ministro, deveria esclarecê-lo sobre o seu direito de comungar na boca. Se o ministro continuasse a negar-lhe a comunhão directamente na língua, o leigo deveria então recorrer ao Bispo da diocese e, até, à Santa Sé que, em casos análogos, reconheceu a razão que assiste aos leigos, exigindo aos ministros que respeitem este legítimo exercício de um direito fundamental de todos os fiéis.

Quanto ao comungar de pé, ou de joelhos, aplica-se também o critério da CEP: “o ministro que distribui a comunhão nunca deve impor os seus gostos e preferências, nem substituir-se à vontade livre dos comungantes”. Ou seja, ambas as opções são legítimas e cabe ao fiel decidir a posição em que quer receber a comunhão, não podendo o ministro “impor os seus gostos e preferências, nem substituir-se à vontade livre dos comungantes”.

Quando os fiéis cumprem as condições exigidas pela Igreja, os clérigos não têm o direito de lhes impedir o acesso à graça sacramental. O fiel que ‘pede’ a confissão sacramental, ou a comunhão eucarística, não está a solicitar um favor, mas a exercer um direito que, sem uma causa grave, não lhe pode ser negado.

Em boa hora, o Papa Francisco declarou guerra ao clericalismo: os sacerdotes não são donos da Igreja, nem das almas, mas seus ministros, ou servos. O Mestre não veio para ser servido, mas para servir (Mt 20, 28), e não é o discípulo mais do que o seu Senhor (Lc 6, 40).