1 Incerteza múltipla

O Princípio da Incerteza marca cada vez mais a Física moderna desde a proposta revolucionária de Heisenberg, no século passado, ao atual modelo padrão, tal como é explicado pelo recente e inspirado livro de G. Tonelli, Génesis. Ora, a Covid-19 é talvez o melhor exemplo de incerteza no ataque à saúde pública, porquanto:

  • O contágio é facílimo e muito baseado na proximidade das trocas respiratórias, mas quais as evidências por objetos (2 dias, 2 semanas?)?
  • A sua eficácia pode variar entre zero – na maioria dos indivíduos – e entre o nível mortal, também em jovens saudáveis.
  • A sua eficácia também depende das etnias, tal como é reportado, esta semana, na Economist, concluindo-se que as etnias negras e indianas sofrem índices de mais de três vezes os índices dos brancos e chineses.
  • A utilidade dos medicamentos terapêuticos tem sofrido flutuações sazonais, tal como é ilustrado pelo caso de Remdesivir agora caído em desgraça pela OMS.

2 Como gerir a incerteza?

Como gerir, então, este vírus caracterizado pela incerteza? Com a mesma abordagem que se adota nas ameaças não incertas? Claro que não, pois deve-se minimizá-la, em vez de acrescentar mais incerteza, tal como, infelizmente, tem acontecido em muitos países ocidentais e, muito especialmente, com as  nossas entidades responsáveis:

  • Incerteza devida à pobreza dos sistemas de informação do nosso SNS, bem ilustradas pelos erros e indisponibilidades dos dados epidemiológicos, tal como já foi ilustrado por colegas universitários e pelas frequentes “correções “ dos próprios dados da DGS.
  • Incerteza devida às deficiências das plataformas de comunicação de prestação de serviços (por vezes avariadas há longos meses) e à incomunicabilidade com a primeira e mais importante linha de combate: os centros de saúde. Na verdade, o cidadão não consegue comunicar, nem por mail, nem por telefone, pelo que é frequente ter de aí se deslocar para comunicar, tal como aconteceu comigo, recentemente, para me inscrever na vacina da gripe.
  • Incerteza quanto aos diagnósticos e recomendações, os quais têm flutuado mensalmente, desde o repúdio pelas máscaras à sua adoção muito tardia mas com regras menos claras, desde a certeza do Primeiro-Ministro em como 68% dos contágios resultavam de encontros familiares, à recente novidade de que, afinal, só em 20% dos casos se conhecia a causa.
  • Incerteza resultante dos modelos de gestão logística do SNS, pelo que, mesmo após a primeira vaga, não se preveem necessidades, não se planeia a angariação dos meios nem se racionaliza a sua disponibilização. Talvez o melhor exemplo seja o da simples vacina para a gripe, cuja adoção se recomendou e que desapareceu após se terem ministrado menos doses do que no ano passado – e quando perguntei no meu Centro de Saúde para quando se previa a sua disponibilidade, logo me disseram que não faziam a mínima ideia, nem mesmo se tal aconteceria.

Esta lista poderia ser bastante alongada, mas julga-se já ter demonstrado que a gestão pública do SNS não tem diminuído a incerteza, pelo que tem contribuído para a maior ansiedade e confusão de muitos portugueses, ouvindo-se sempre a desculpa de estarmos todos a aprender, mas, tal como acontece com os alunos, a questão é com que velocidade, pois alguns aprendem depressa, outros devagar e outros ainda, nunca. Em suma, resta-nos como boa notícia a excelente competência e dedicação dos nossos profissionais de Saúde, a quem muito se deve e que tudo têm feito para minimizar os efeitos de tantas injeções adicionais de incerteza.

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