Politics is perhaps the only profession for which no preparation is thought necessary”, Robert Louis Stevenson

No dia 7 de Novembro de 2023 o país acordou com a notícia que haveria buscas no Palácio de S. Bento. Algumas horas depois, António Costa passaria a ser o terceiro primeiro-ministro do partido socialista a deixar as funções por demissão, e o segundo a ver-se a braços com problemas com a Justiça.

Há seguramente todo um tempo para a Justiça que não se compadece com o imediatismo de uma época em que vivemos ao ritmo de redes sociais e julgamentos sumários, pelo que à data de hoje não tenho grande vontade de opinar em cima de um processo cujos contornos desconheço, e que ainda vai fazer correr muita tinta.

Lamento, em qualquer caso, que mais uma vez o partido socialista, neste ciclo, o PS de Pedrógão, Tancos, do caos no SNS, da resolução do BANIF, da catástrofe da TAP, da decadência da ferrovia, da política de portas abertas na imigração sem regras, do abandono completo das políticas de habitação, da extinção do SEF, o governo que mais cobra em impostos e menos devolve em serviços eficazes e funcionais, se liberte da governação por demissão e fait divers, e não por uma censura política do eleitorado, convicto dos malefícios que as políticas socialistas, década após década, continuam a causar ao país.

Não falta quem por estes dias se dedique a tentar criar cortinas de fumo procurando ligar o (in)sucesso do processo judicial em curso a uma eventual (i)legitimidade para pôr fim a este ciclo governativo. Diga-se, porém, em abono da verdade, que este governo tinha todas as condições políticas para não se deixar enredar nas sucessivas confusões a que fomos assistindo nos últimos anos, pelo que António Costa só se pode queixar de si próprio e das pessoas que escolheu para o rodearem. Percebe-se que, visado política e judicialmente por uma investigação onde não era, sequer, o elemento central, o ainda primeiro-ministro procure esvaziar o que se está a passar, enaltecendo as virtudes da mediação que ele próprio terá feito na resolução de conflitos entre interesses conflituantes, por um lado, a importância dos investimentos, por outro, a normal burocracia que existe para salvaguardar valores ambientais e das populações locais representadas pelas autarquias.

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Toda a narrativa de António Costa poderia ser valorizada, se não tivéssemos assistido, desde o início dos seus mandatos, ao favorecimento de uma cultura de informalidade no modo como se rodeou, desde logo, de Lacerda Machado, mas também de muitos dos que foram exercendo funções governativas ou de gabinete. Dando ele próprio o mote de uma cultura de informalidade, chamando “o seu melhor amigo” para gerir dossiers de Estado, muitas vezes sem nomeação ou renumeração, ou indicando “jovens turcos” sem experiência para gerir dossiers complexos e com grande encargos para o nosso erário público, António Costa seguramente perdeu a face na hora de criticar os seus correligionários de partido e governo, em todas as situações que, desde 2015, exibem uma ausência de cultura institucional que, sucessivamente, foi fazendo vítimas, até acabar necessariamente por ferir de morte o próprio primeiro-ministro.

Importa recordar que, logo em 2016, estava ainda a Geringonça a olear-se, o escândalo Galpgate foi politicamente ultrapassado com um mea culpa de António Costa e a aprovação de um “código de conduta” que passaria a garantir uma governação responsável de todos os que exercem cargos políticos no governo. O código de conduta teve dignidade de publicação no Diário da República a 21 de Setembro de 2016, e ainda hoje impressiona pela sua clareza e ambição: logo no seu artigo 3.º, sob a epígrafe, “Princípios”, é suposto que “no exercício das suas funções, os membros do Governo e os membros dos respetivos gabinetes” prossigam “o interesse público e boa administração”, com “transparência, imparcialidade, probidade, integridade e honestidade, urbanidade, e respeito interinstitucional”. É também suposto que os membros dos governos garantam “confidencialidade quanto aos assuntos reservados dos quais tomem conhecimento no exercício das suas funções”, e que não aceitem “convites (…) que possam condicionar a imparcialidade e a integridade do exercício das suas funções (…)”, algo que ocorrerá sempre que o convite tenha associado um “valor estimado superior a € 150” (artigos 8.º e 10.º).

Quando lemos o código de conduta criado pelo partido socialista para nortear a atuação dos seus governantes, e analisamos aquilo que já se sabe sobre a forma de agir e estar – política – de João Galamba, Marco Capitão Ferreira, Matos Fernandes, Vitor Escária (ou mesmo de António Costa, que com Lacerda Machado inaugurou uma nova fórmula de “diplomacia informal”, sem estatuto jurídico, baseada numa histórica amizade), entre outros, dificilmente podemos deixar de concluir que, ocorra o que vier a ocorrer no plano criminal, as responsabilidades políticas são mais do que suficientes para fazer cair este Governo. Algo, aliás, que esteve já em cima da mesa em situações anteriores, onde a atitude de governantes fez fragilizar aquilo que se espera de um governo, com sentido de… responsabilidade. É que é o próprio código de conduta que estabelece, sem rodeios, que o seu incumprimento tem como consequência, uma “responsabilidade política”, responsabilidade essa que é autónoma e independente de “outras formas de responsabilidade, designadamente criminal, disciplinar ou financeira, que ao caso caibam, nos termos da lei” (artigo 5.º).

Muito haveria a dizer sobre a dislexia que existe entre a forma como este governo apresentou as suas aspirações, e a atuação concreta dos seus governantes, algo que nos envergonha a todos. Este governo desbaratou a confiança que os portugueses nele depositaram, para se entreter em comportamentos infantis e indignos de uma democracia que se pretende europeia e madura, numa sucessão de atitudes que em tudo violam a urbanidade, a probidade, a transparência, a imparcialidade, a integridade, a confidencialidade, no fundo, o sentido de elevação e respeito que deveria ser o padrão de conduta de quem tem a responsabilidade – sim, a responsabilidade – de liderar um país. Quem opta por fazer um governo de amigos, pessoas de confiança, e jovens turcos sem qualquer experiência de liderança de grandes processos, arrisca-se a um resultado trágico. Os spin doctors do socialismo bem que podem cultivar uma narrativa queixosa do funcionamento da justiça. Com isso, porém, não nos farão esquecer que tudo acabou, apenas, como corolário de uma profunda e permanente irresponsabilidade política.

O partido socialista, que não perde a oportunidade de se assumir como o grande defensor da famosa “ética republicana”, apenas morre por desprezar aquilo que é a sua suposta marca histórica. Que, por esta vez, nos sirva de lição, e não mais voltemos a eleger quem não assume uma postura sóbria, institucional, responsável, do exercício dos cargos públicos.