A guerra no PSD, a indiferença dos jovens e de boa parte dos portugueses em relação à política e o caso do programa de Cristina Ferreira na SIC parecem desligados, mas não estão. Todos eles ilustram a existência de dois mundos, também em Portugal, como factores de instabilidade e imprevisibilidade.

Pouco antes das últimas eleições legislativas, o receio do centro era o desaparecimento do PS. Hoje, a caminho das próximas legislativas, o receio do centro é o desaparecimento do PSD.

As perspectivas catastróficas que nos invadem podem em grande medida ser explicadas pela resistência que o PS e o PSD têm tido num quadro geral de crescimento dos populismos e colapso do centro. Uma resistência especialmente notável face à pior crise da era da democracia. Seja qual for o lado da barricada em que estejam os eleitores, terão de reconhecer que os dois partidos são os responsáveis pelo estado do País e pelo estado do Estado. Foram eles que nos governaram nos últimos anos.

Os últimos quase quatro anos são os únicos em democracia em que os partidos à esquerda se envolveram também no exercício do poder, assumindo-se assim também como responsáveis pelo que nos vier a acontecer a partir de agora.

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Mas voltemos aos mundos separados. O PSD começa a ser um dos partidos menos urbano (ou sempre teve essa característica) do cenário partidário com representação parlamentar, no sentido das elites. E isso talvez explique as diferenças entre aquilo que Rui Rio vê e aquilo que vê quem apoia o partido a partir dos olhos de Lisboa, especialmente daquele PSD que integra as elites. E também daquilo que Pedro Passos Coelho via e fez. Por muito diferentes que Rio e Passos pareçam, aquilo que mais os diferencia é a diferença geracional.

Pedro Passos Coelho, quer se queira quer não, desafiou os poderes instalados e, por acção ou omissão, ditou o colapso de alguns deles. Toda a rede à volta do Grupo Espírito Santo caiu com Passos Coelho. Foi com Passos Coelho que as pensões de reformas mais elevadas levaram os cortes mais violentos e talvez por isso tenha tido a anterior geração do seu partido a criticá-lo de forma tão violenta.

Ou seja, além da diferença entre a “cidade e o campo”, há uma outra diferença que é ainda mais determinante: a idade. Simplificadamente, de um lado temos os mais velhos que votam, do outro os mais novos que quase não votam. Se os “mais velhos” tendem já a ser em maior número, por via do envelhecimento da população, o desinteresse de boa parte dos jovens pela política reforça ainda mais o seu peso.

Quem convive com jovens – nomeadamente em idade universitária como é o meu caso – sabe bem o pouco que sabem de política e o mal que pensam dos políticos. Na conferência Movimento Europa e Liberdade um jovem num dos painéis dizia que o que os afasta é a ausência de causas. Mas pode ser mais do que isso.

A mensagem política central dos partidos está focada em problemas das pessoas “mais velhas”. Um jovem sente-se eterno e pouco ou nada lhe dizem as horas de debate sobre a Saúde, muito menos se deve ser pública ou privada. Se repararmos bem, os temas políticos mais frequentes giram em torno da saúde, pensões de reforma e salários do sector público. A excepção é o Bloco de Esquerda, com os temas classificados como fracturantes e a batalha em defesa de casas com preços mais acessíveis.

Temas como a igualdade de género, ou mesmo o reconhecimento de mais géneros além do feminino e masculino, estão hoje muito mais presentes nas preocupações dos jovens do que no passado. (Partilhando a minha experiência como professora de jornalismo, os alunos precisam em geral de ser forçados a escolher temas ligados à política e tomam a iniciativa de propor temas relacionados com os movimentos LGBTI, o feminismo ou o abuso sexual).

O espaço público parece assim bastante afastado das preocupações dos jovens, o que pode ser a melhor explicação para o seu alheamento da política. Há outras, com certeza, uma delas a falta de formação em política nos anos que antecedem a entrada para a Universidade.

Nesta cobertura incompleta da realidade temos de incluir aqueles que têm parte da responsabilidade de a retratar: os jornalistas (grupo em que estou incluída). A principal razão para os órgãos de comunicação social estarem hoje mais centrados nos grandes centros urbanos, numa espécie de retrato do Portugal sentado ou em declarações, é a falta de recursos financeiros e, como tal, humanos. O que, aliado à exigência de velocidade, leva a que se corra um sério risco de desconhecimento do país e de sermos apanhados de surpresa por um movimento de revolta que ninguém detectou.

É ainda mais estranho que quando somos confrontados com um caso de popularidade existam criticas à sua cobertura noticiosa e analítica, a tal busca dos “como e porquê” a que os jornalistas estão obrigados. (Eu também confesso que só me dei conta do seu sucesso na TVI quando se preparou para lançar uma revista e, ainda hoje, a primeira pessoa de quem me lembro quando oiço o nome é da jornalista do Público Cristina Ferreira).

O caso em questão é obviamente o de Cristina Ferreira que saiu da TVI para a SIC e das criticas à capa do jornal Público de Domingo 13 de Janeiro. As audiências do seu programa na manhã da SIC levaram a Impresa a valorizar 10%. O seu livro sobre a sua vida já tinha sido um enorme sucesso. Um jornal de referência não deve perceber quem é esta mulher, como se explica o seu sucesso, porque é que os portugueses gostam tanto dela? Não será assim que combatemos a existência de um “nós”, o povo, e um “eles”, aqueles seres abstractos que mandam?

Jovens desinteressados da política, políticos que têm as suas mensagens centradas na população mais velha e um jornalismo que se afasta da realidade. Num cenário destes é só esperar para vermos um qualquer acontecimento a reflectir o que aconteceu no Reino Unido – os jovens e a população urbana a favor da integração na União Europeia, os mais velhos a viverem fora das grandes cidades contra. E como foram os mais velhos não urbanos que se mobilizaram mais para votar, o Reino Unido está hoje no caos a que estamos a assistir.