Desde 2015 que o actual governo vai de caso em descaso, aliando-se e desaliando-se de forma a sobreviver num parlamento onde nunca teve maioria absoluta, mesmo depois de regar o país com pequenos aumentos pecuniários destinados a arrebanhar votos para a eleição de 2019. Entretanto, com o surgimento da pandemia, os impasses acumulam-se sem solução há quase um ano e não é de crer que seja a vacinação que vai resolver o assunto tão cedo. Depois dos incêndios mortais de 2017 e da tragicomédia de Tancos, ficámos a saber que este governo não só não possui qualquer projecto com princípio, meio e fim, como tão pouco tem competência para enfrentar situações como aquelas com que estamos actualmente confrontados, sejam elas económicas, sanitárias ou de ética.

O Professor Daniel Bessa, antigo ministro da Economia de Guterres por poucos meses, fez há dias um balanço devastador da política económica dos governos socialistas, mostrando que, antes mesmo do final do século passado, Portugal já havia perdido o ritmo de crescimento económico conseguido desde 1986 graças à adesão à CEE. Ao mesmo tempo, fomos sucessivamente ultrapassados pelos países de Leste que entretanto aderiram à UE, continuando desde então a afundar-nos na escala europeia sem crescimento palpável.

Antes mesmo da hecatombe económica provocada pela pandemia, Portugal havia já sofrido uma forte perda da produtividade comparativa devido às políticas estatistas e clientelares do PS, ilustradas pela hecatombe económica de 2011 no seguimento não só da crise financeira mundial mas também do intervencionismo do governo Sócrates. Com o regresso do PS à governação e a invenção da «geringonça», vieram a inevitável estatização e a lamentável clientelização da vida económica. Esta,s por seu turno, apenas acentuaram a crise bancária, em particular o monstruoso resgate do antigo BES cujo fim não tardará muito, bem como o novo colapso da falida TAP. Isto sem falar de «trocos» como o Montepio, os CTT e os pseudo-haveres da Sr.ª Isabel dos Santos… Tudo a acrescentar à dívida em aumento imparável apesar dos juros de saldo!

Quanto à destruição da economia real provocada pela pandemia, é provável que leve anos a recuperar. O elevado grau da quebra económica em Portugal só foi estudado que eu saiba pela equipa do economista Augusto Mateus, outro antigo ministro de Guterres que também se afastou do governo e a  explicação deve-se, precisamente, à debilidade estrutural da economia, ultimamente encostada à ínfima produtividade do turismo. Quanto a distribuir dinheiro que não corresponde à produção e ao consumo, como o governo pretende fazer com o dinheiro da UE, isso não só não é garantia de recuperação económica como gerará especulação imobiliária e creditícia.

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Desde que a pandemia nos atingiu há menos de um ano, o actual governo limitou-se a balancear entre o temor ao vírus e o temor à crise económica, não conseguindo responder eficazmente nem a um nem a outra, mas sempre a contar os votos ganhos e perdidos. Por sua vez, a cena da «investidura» pública do actual presidente da República na AutoEuropa garantiu a este último a reeleição, que não só acabou com as aspirações eleitorais que o PS pudesse ter como descontentou tanto as «esquerdas» como as «direitas».

Ficaram assim à mostra o oportunismo e a vacuidade do conluio tecido entre os dois protagonistas com o fito de manterem um «bloco central» vazio de qualquer conteúdo e de alimentar a vertigem de um poder fáctico que só fez ganhar mais três anos ao líder do PS, sobrando ao PR dois anos para fazer o que então entender! Esse «constitucionalismo» com que a «extrema-esquerda» pretende manter a «extrema-direita» fora do jogo político, ao invés do que o PR acabou de fazer após as eleições regionais dos Açores, não passa de um mero pacto inter-partidário com mais de 40 anos. Quanto à apregoada constituição, nunca foi referendado pela população assim como não o foram a adesão à Europa e outras transferências de poderes soberanos votadas apenas em parlamentos voláteis!

O actual regime português perdeu há muito a adesão que chegou a ter e daí a abstenção de massas característica do país apesar ou devido ao aumento da literacia. O PR não teve nem possivelmente terá em Janeiro muito mais de metade dos votos de metade dos inscritos como há cinco anos. A questão não é, pois, a de uma constituição sagrada, mas sim a de uma opinião pública particularmente frágil e muito sensível à chamada «espiral do silêncio».

Com efeito, só a fragilidade da dita opinião pública, no nosso caso fortemente marcada pelos poderes propagandísticos e mediáticos do dia, explica que o governo actual continue a resistir durante nove meses ao repugnante significado ético do assassinato de um cidadão estrangeiro às mãos das autoridades públicas: o ministro não se demite e o 1.º ministro continua calado!