Na terça-feira, 8 de novembro, nos cinquenta Estados dos Estados Unidos da América, os quatrocentos e trinta e cinco lugares da Casa dos Representantes e os trinta e cinco para o Senado estarão em disputa nas eleições intercalares de 2022. Os resultados irão determinar a constituição do centésimo décimo oitavo Congresso. As previsões, valendo o que valem, apontam para que os Republicanos recuperarão o controlo da Casa, enquanto os Democratas manterão (e talvez aumentem) a maioria no Senado.

É então importante perceber qual a plataforma de governação que os Republicanos oferecem aos americanos no caso de terem uma ou duas das câmaras do Congresso. A resposta foi timidamente apresentada pelo Senador Rick Scott, de Flórida, com o plano “Resgatar a América”, que foi imediatamente desautorizado pelo seu superior, o líder da minoria no Senado, Mitch McConnell. Não que o plano não seja aquilo que os Republicanos sempre querem fazer quando têm poder: cortar ajudas governamentais para os mais necessitados, enquanto cortam nos impostos para os mega-ricos e para as grandes empresas. McConnell não ficou incomodado pelas medidas, mas sim por terem sido tornadas públicas de uma forma tão clara. Porém, já foi um “progresso”, porque a plataforma eleitoral dos Republicanos aquando das eleições para a Casa Branca em 2020 foi esta: aquilo que Trump disser é a posição oficial do partido, e se não fizer sentido, o partido irá se contorcer o que for necessário para fazer com que assim seja.

Do lado da Casa dos Representantes, o Congressista Jim Banks, Chairman da House Republican Study Committee, diz que uma das primeiras medidas que será apresentada por uma maioria Republicana de Representantes é a de aumentar a idade para se aceder ao Sistema de Segurança Social para os 70 anos, e para Medicare (o seguro de saúde federal) de 67. Ou seja, mais pessoas em dificuldade para pagar as despesas de saúde e de vida que, como bem se sabe, nos Estados Unidos, se podem tornar, facilmente, em astronómicas. O plano de Scott até inclui uma provisão que defende que tais programas sejam revistos a cada cinco anos, o que faria com que, quando chegasse a vez dos Republicanos terem poder, cortes seriam inevitáveis. O Senador Ron Johnson de Wisconsin chegou a sugerir que esse prazo fosse de 1 ano. A ideia de que dois programas federais como Segurança Social e Medicare fossem revistos anualmente é simplesmente insana.

Porém, isto é só a introdução para os Republicanos. Kevin McCarthy, congressista da Califórnia e presumível Líder da Casa dos Representantes em janeiro, já fez saber que os Republicanos estão prontos para devastar e economia mundial com uma possível inadimplência da dívida dos USA (default of debt). Se o Congresso não aumentar o teto de endividamento, e com isso não pagar as suas dívidas, os mercados mundiais irão entrar numa crise que faria as grandes crises económicas uma brincadeira de crianças. Subitamente, McCarthy está muito preocupado com o “rigor orçamental”. Os Republicanos estão sempre muito preocupados com o rigor orçamental quando os Democratas estão no poder. Não foi uma preocupação, por exemplo, quando a Administração Bush teve de pagar por duas guerras, ou quando a Administração Trump aumentou a dívida em sete triliões, sendo que grande parte desse dinheiro foi para os mais ricos com mais um corte de impostos que apenas os beneficiou a eles. É também McCarthy que avisa que a ajuda dos USA à Ucrânia será condicional. Condicional de quê, não se sabe e ele não diz. E isso é particularmente importante quando o GOP se tornou o partido pró-Putin. Uma Casa dos Representantes que, como se diz, “detém a bolsa”, pode cortar não só as ajudas financeiras como parte das ajudas militares. Isso não augura nada de bom para a capacidade da Ucrânia de continuar ao ataque, ou, no pior dos casos, de se defender da agressão russa.  E a outra coisa que McCarthy ameaça é não usar a “bolsa” para continuar os fundos na luta contra a pandemia COVID, garantindo que os USA vão continuar a ser o pior país no número de vítimas mortais. E após terem mentido ao eleitorado durante décadas sobre “direitos dos Estados” na questão da interrupção de gravidez, e terem finalmente conseguido o que queriam com a decisão do Supremo Tribunal de anular os direitos conseguidos com a decisão de Roe v. Wade, enviando a proteção desses direitos para as legislaturas estatais, agora o Senador Lindsey Graham, Senador pela Carolina do Norte, já apresentou a proposta de haver uma lei federal a condicionar as mulheres de terem a sua autonomia corporal.

E se o radicalismo parece vir só do topo, não é o caso. Os Representantes eleitos, e aqueles que estão neste momento a concorrer pelos Republicanos, tornam bem claro que a pressão virá também de baixo, para alterar a história do ataque de 6 de janeiro, onde os insurreccionistas serão os “patriotas” que são agora “prisioneiros políticos” do “regime Biden”, com apelos a retirar os fundos ao FBI e ao Departamento de Justiça por terem o “desplante” de “perseguir” a “vitima” que é Trump. A isso juntam-se os prometidos processos de destituição de Joe Biden, Kamala Harris, Merrick Garland, Alejandro Mayorkas, ou investigações a Hunter Biden, Anthony Fauci e Hillary Clinton. E isto enquanto continua o processo nos Estados de maioria Republicana de restringir o acesso às urnas, de perseguir minorias sexuais, ou de ameaçar não aceitar o resultado de eleições, exceto se o candidato Republicano for o vencedor. No entanto, metade do eleitorado parece estar totalmente confortável em votar em imbecis, charlatões, fanáticos, anti-democrátas e pró Putin, Orbán, ou Duterte, desde que seja para “own the libs”. E aqueles que são independentes parecem estar satisfeitos por viver num regime autoritário desde que paguem menos uns cêntimos quando atestam os seus SUVs ou pick-up trucks.

Se os resultados das eleições intercalares de novembro afetassem só a América, podíamos pensar ser um problema interno, e que os americanos teriam de aprender com as suas más escolhas. Porém, sabemos bem que não é assim. Uma Casa dos Representantes (e um Senado) na mão dos Republicanos significará um nível de disfunção e má governação que afetará tudo o que o Presidente Biden tem feito e, particularmente para nós, o trabalho feito com a União Europeia, com a NATO, na proteção do ambiente, na segurança energética, na defesa da Ucrânia. Vamos esperar que uma maioria de americanos entenda que o “projeto americano” pode entrar numa espiral descendente até a democracia representativa deixar de existir, para ser substituída pela governação de uma minoria teocrática, regressiva, isolacionista e iliberal. Votem, Americanos. E votem bem para benefício de todos.

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