Jornalistas do website Talking Points Memo tiveram acesso a um conjunto de mensagens de texto para telemóvel (SMS’s) que estavam na posse da Comissão Especial da Casa dos Representantes para Investigar o ataque ao Capitólio de 6 de janeiro (Jan6Com). Estes SMS’s foram recebidos pelo então Chefe de Gabinete (Chief of Staff) da Casa Branca, durante o período à volta do ataque, Mark Meadows, que teve de as entregar à Jan6Com após intimação judicial. Porquê é isto importante para além daquele que é o funcionamento interno da política americana? A Casa dos Representantes é um dos ramos de administração governativa nos Estados Unidos, com o Senado e a Casa Branca, e que tem, como já foi referido neste espaço anteriormente, “o poder da bolsa”. Porém, é também a instituição que se relaciona com questões de política externa (como é o caso do Parlamento Europeu). O 118.º Congresso dos Estados Unidos, após a eleição intercalar de 8 de novembro, terá a Casa dos Representantes sob controlo do Partido Republicano. Isto significa que as Comissões de gestão governamental nesta câmara irão ter presidentes e maiorias de Congressistas republicanos. Alguns Representantes do partido, reeleitos na eleição de novembro, estão assim de volta ao Congresso, e com a possibilidade de terem lugares de destaque nas Comissões. Alguns deles estavam também ocupados nos dias à volta do 6 de janeiro de 2021 a enviar recados e sugestões para Mark Meadows. O teor e conteúdo de algumas destas mensagens será importante avaliar, pois estes serão os representantes com poder durante os próximos dois anos.

O Representante Republicano Ralph Norman, do 5.º Distrito da Carolina do Sul, enviou uma mensagem onde se pode ler: “(…) nós estamos num ponto sem retorno para salvar a nossa República. A nossa última esperança é [Trump] invocar a ‘Lei Marshall’!!. Por favor convença o Presidente a fazê-lo”. O facto de um Representante eleito não saber que aquilo a que se queria referir é a Lei Marcial (Martial Law) diz o suficiente sobre a pessoa em questão. Porém, e muito mais importante, é a opinião do político eleito de que o governo dos Estados Unidos devia usar armas contra os seus cidadãos para impor uma nova ordem não democrática. O Representante Norman será reconduzido para fazer parte da Comissão de Oversight and Reform, a influente Comissão com jurisdição sobre áreas como segurança nacional, operações governamentais e direitos e liberdades civis. Este não é o único exemplo de um congressista a pedir a ‘Lei Marshall’. O mesmo erro, mas igual intenção, foi feito pela Congressista Marjorie Taylor Greene (14.º Distrito da Geórgia). No atual Congresso, Greene foi removida de Comissões depois de uma votação na Casa dos Representantes, por “promover terrorismo doméstico, e colocar em risco a vida dos colegas”, resultante de a Congressista ter apelado à execução de líderes Democratas Nancy Pelosi, Barak Obama e Hillary Clinton. Apesar de ter sido um não fator no Partido Republicano a nível legislativo tem agora o partido na mão, e será um dos power brokers nos próximos anos, como a porta-estandarte do Trumpismo, com ou sem Trump.

O Representante Brian Babin, do 36.º Distrito do Estado do Texas, membro da Comissão de Ciência, Espaço e Tecnologia, escreveu numa mensagem: “Mark [Meadows] quando perdemos Trump, perdemos a República (…) Muitos de nós [Representantes Republicanos] queremos ajudar o Presidente de qualquer forma para prevenir o roubo declarado desta eleição Presidencial”. Mike Kelly (reeleito) do 16.º Distrito do Pensilvânia, membro da Comissão Ways and Means, responsável por questões orçamentais: “Em Filadélfia estamos a processar o Secretário de Estado por causa de intromissões ilegais na eleição, e vamos continuar a expor as ações fraudulentas [nos processos eleitorais]”. Na mesma Comissão, o Representante Greg Murphy, do 3.º Distrito da Carolina do Norte, enviou uma mensagem com texto de um site de extrema-direita (Revolver) com o título “As Legislaturas Republicanas nos Estados devem avançar para nomear Eleitores [com voto no Colégio Eleitoral] que sejam a favor de Trump” (para saber mais sobre esta ideia pode ler no Observador o artigo ‘A importância de Moore v. Harper para o futuro dos USA’). “Porque não estamos a seguir esta estratégia?”, perguntava o Congressista. Mark Green, Representante do 7.º Distrito de Tennessee, e com assento na Comissão da Homeland Security, defendia o mesmo, enviando para Meadows uma hiperligação para um vídeo de um dos canais televisivos pró-Trump (Newsmax) onde um comentador republicano defendia que as Legislaturas Republicanos tinham o “poder” de declarar Trump vencedor, com base em alegações de fraude totalmente infundadas. O Representante Paul Gosar, do 4.º Distrito do Arizona, é um óbvio nacionalista-cristão e supremacista branco. Tal como Marjorie Greene, foi expulso de Comissões, após censura na Casa dos Representantes, por publicar imagens que mostravam o Presidente Biden e a Congressista Democrata Alexandria Ocasio-Cortez a serem assassinados. Gosar enviou a Meadows uma hiperligação para um blogue chamado ‘Some bitch told me’ (como dizem os nossos amigos americanos, I wish I was kidding) e para um post com o título “Fraude massiva em Arizona”, e que fazia o Congressista prometer “fogo de artifício” se a Casa Branca o quisesse. Importante aqui é que estes representantes têm acesso àquela que é a melhor “máquina” de recolha de informação relativa à segurança de processos eleitorais, e numa eleição que foi considerada, pelos próprios membros da Administração Trump, como “uma das mais seguras de sempre”. Aliás, é interessante ver que, na agenda para os próximos anos dos republicanos na Casa dos Representantes, com toda as “investigações” ridículas prometidas, nenhuma delas se perfila para usar todo o peso do governo americano para expor, e corrigir, todas as “fraudes massivas” com as quais os republicanos sonham constantemente.

Um exemplo final é necessário. O Congressista Jim Jordan tem sido chamado o “cão de ataque” de Trump no Congresso. Reeleito pelo 4.º Distrito de Ohio, Jordan é um verdadeiro crente e promotor do MAGAismo. Vociferante, exasperante, disruptor, é um dos mais notáveis representantes deste novo movimento conservador. Com os Republicanos no controlo da Casa dos Representantes, ele será o Presidente da Comissão Oversight and Goverment Reform, apresentada anteriormente. O Congressista, credivelmente acusado de ter escondido uma série de abusos sexuais quando era treinador de luta livre olímpica na Ohio State University, enviou uma mensagem para a Casa Branca que sugeria que esta devia convencer o Vice-presidente Pence a considerar todos os votos que ele acreditasse como sendo “não constitucionais” fossem “votos não válidos”, lançando o país numa crise de onde só algo muito mau poderia resultar. Vão ser este os líderes políticos, governativos e legislativos dos republicanos em posições de decisão. Estes dois próximos anos prometem ser muito perigosos para a democracia nos Estados Unidos, à medida que o país se prepara para a eleição presidencial de 2024.

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