O programa nuclear da República Islâmica do Irão é um dos mais flagrantes casos de dissimulação na política internacional. Publicamente, os líderes iranianos dizem que o seu programa nuclear é pacífico. Princípios religiosos são invocados para persuadir os incautos de que as intenções do regime são pacíficas. Clandestinamente, Teerão continua a fazer o que sempre fez. No dia 11 de Maio do corrente ano, a Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA) acusou Teerão de não divulgar informações relacionadas com a descoberta de partículas atómicas em instalações antigas e nunca declaradas no contexto do regime de inspeções do Plano de Acção Conjunto Global (JCPOA).
O dito acordo ou plano estipula que, perante tal transgressão, a IAEA terá de explicar ao Irão as razões das suas preocupações e solicitar uma clarificação. Uma sanção legal proibitiva, portanto. O significado desta descoberta recente, que corrobora outras e indicia um padrão de dissimulação, é claro: o Irão não cumpriu os requisitos impostos pelo dito acordo. Durante a vigência do PACG, a IAEA exigiu acesso a instalações não declaradas e manifestou o seu desagrado a Teerão, mas nunca afirmou de forma conclusiva que as recusas iranianas indiciavam o incumprimento do acordo e a perversão do seu espírito. Meras questiúnculas, portanto.
No passado recente, quando a IAEA foi chamada a pronunciar-se oficialmente sobre o comportamento iraniano, afirmou que Teerão cumpriu os termos que haviam sido estipulados. Quo vadis, IAEA? Outras questões “menores”, não negligenciadas pela Grã-Bretanha, Alemanha e França, como o desenvolvimento de mísseis intercontinentais balísticos capazes de transportar ogivas nucleares, foram publicitadas, mas nunca entendidas como sendo suficientemente graves para impelir e justificar a formulação e adopção de um regime de inspeções muito mais robusto e abrangente. A verdade nua e crua é que o incumprimento do Acordo JCPOA pela republica islâmica sempre foi um segredo público que todas as partes envolvidas nunca explicitaram de forma clara porque não tinham qualquer interesse político em fazê-lo. Os estados, especialmente as burocracias dos negócios estrangeiros e a própria IAEA, gostam tanto de fracassos diplomáticos como os políticos de derrotas eleitorais.
Dito isto, o aspecto mais interessante da campanha de dissimulação do Irão tem mais que ver com o seu falhanço do que com o seu sucesso. Como disse, o acordo foi sacralizado pelo medo dos custos políticos do seu fracasso. Quem o criticava era prontamente designado pelo komentariat mediático como um Trumpista lunático ou como um belicista inveterado. As nuances e os mais flagrantes factos raramente são devidamente tidos em conta no debate público, tal é o grau de polarização ideológica. Em Israel, alguns eminentes analistas argumentam que a principal virtude do acordo é a de permitir “ganhar tempo” e preservar a opção (fictícia) da dissuasão diplomática, não obstante todas as evidências que demonstram que o passar do tempo apenas prejudica os interesses nacionais do estado hebraico.
Ciente do investimento político efectuado e dos custos associados ao seu colapso, Teerão instrumentalizou a sacralização do acordo e o benevolente “benefício da dúvida” que muito agrada aos bem-intencionados diplomatas e aos progressistas europeus, norte-americanos e israelitas. Por outras palavras, Teerão explorou a percepção da “necessidade imperativa” (ética) de um acordo para continuar a “ocultar” a sua verdadeira agenda à vista de todos. Um acordo que todos sabiam estar a ser violado e que continua a ofuscar os desígnios iranianos com ambivalências e hesitações diversas de boa parte da comunidade internacional. É, sem dúvida, um dos mais bizarros casos de dissimulação de sempre.
A invasão da Ucrânia pela Rússia evidencia de forma trágica o quão delicado e perigoso pode ser um conflito com uma potência nuclear. A amplitude de acção da Rússia na Ucrânia (etc.) e a restritiva prudência ocidental resultam fundamentalmente do facto da Rússia deter armas nucleares. Moscovo está protegida por um escudo nuclear. A Coreia do Norte, um regime inteiramente dependente de Pequim e que, não raramente, age em concerto com as directrizes do Comité Central chinês, provoca reiteradamente o Japão e o ocidente com testes nucleares. Pouco ou nada pode ser feito para conter Pyongyang. Um míssil norte-coreano pode atingir Seoul em poucos minutos.
O Paquistão também beneficia de igual “autonomia estratégica”. Certamente não terá sido mero acaso do destino que a remanescente liderança Taliban procurou refúgio no Paquistão depois dos seus confrades terem sido dizimados e depostos nos dois primeiros anos da Guerra do Afeganistão. As afinidades ideológicas entre Pashtuns Afegãos e Paquistaneses explicam a migração, mas o facto do Paquistão ser uma potência nuclear certamente terá afectado os cálculos dos Taliban e dos norte-americanos, sobretudo se considerarmos o papel central dos bombardeamentos direccionados por forças especiais. Transgressões reiteradas do espaço aéreo paquistanês teriam antagonizado Islamabad, certamente. O que tem tudo isto que ver com o Irão e com o falhado Plano de Acção Conjunta (JCPOA)? Einstein disse que a “imaginação é mais importante do que o conhecimento.”