Já não há paciência para as sucessivas greves e protestos de professores e para ouvir o inefável Mário Nogueira, que faz questão de não sair dos ecrãs das nossas televisões há décadas.

Sejamos claros: a exigência dos “seis anos, seis meses e 23 dias” (todos conhecemos já de cor esta cantilena) coloca-se apenas porque ela tem influência direta no que entra no bolso dos professores. É uma revindicação salarial, com incidência remuneratória, e nada mais do que isso.

O congelamento da contagem do tempo de serviço e das progressões automáticas na carreira durante seis anos, seis meses e 23 dias foi resultado das medidas adotadas pelo governo português nos tempos da pré-bancarrota e da intervenção da Troika para salvar o País da falência.

Todos os trabalhadores portugueses, sem exceção, sofreram acentuadas perdas de rendimento, congelamento de carreiras e de progressões salariais e cortes. E sim, muitos – senão os mais afetados – até estavam no setor privado. E a maioria nunca recuperou rendimentos, diuturnidades, contagem de antiguidade, etc. Não foram só os professores.

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Muitas centenas de milhar, inclusivamente, perderam os seus trabalhos, ficaram desempregados. Os professores, não.

A hipocrisia de os sindicatos dos professores nos tentarem empurrar esta reivindicação “6-6-23” pela goela abaixo como se se tratasse de uma luta “pela defesa do Ensino Público” é uma das maiores falácias que nos tentam impingir.

Sim, é verdade que os professores ganham mal e deviam ganhar mais. Sim, é verdade que a classe tem vindo a perder autoridade e isso tem de se contrariar e combater com medidas efetivas. Sim, é verdade que os concursos de colocação de professores são um degradante espetáculo anual, que prejudica não só os professores e suas famílias, como também os alunos (que ficam muito tempo sem professores de algumas disciplinas) e suas famílias.

Sim, é verdade que algumas escolas públicas não oferecem condições básicas de funcionamento.

Mas nada disso tem a ver, ou se resolve, com os “6-6-23”.

Defendessem os professores um sistema de avaliação justo e de onde pudesse decorrer a progressão, tratando como bons, os bons, e como maus, os maus, e não todos por igual, e eu estava com eles. Com a noção de que não podem ser todos avaliados como muito bons, e que têm de existir quotas.

Defendessem os professores modelos de colocação e de vinculação às escolas transparentes e objetivos (penso que a “municipalização” foi um passo no bom sentido, mas logo vieram os sindicatos lançar suspeições sobre o sistema) e eu estava com eles.

Defendessem os professores aumentos salariais para todos, uma carreira bem remunerada não só para os que desempenham o trabalho há décadas, mas também para os jovens que querem entrar na profissão, e eu estava com eles.

Preocupassem-se os professores com a efetiva qualidade do ensino público e com a recuperação das aprendizagens perdidas durante a pandemia, e eu estava com eles.

Mas os nossos filhos, hoje em dia, acordam sem saber se vão ter aulas nesse dia. Têm os horários repletos de “furos” por causa das greves. As avaliações são postas em causa, também por causa das greves.

Os professores deviam ser os primeiros a saber que se o Governo ceder na questão “6-6-23”, isso resolve apenas o problema do bolso dos professores (algo que pode e deve ser resolvido de outra forma, mais estrutural), mas não resolve rigorosamente mais nada na escola pública portuguesa.

Porque quem é prejudicado por esta obstinação cega pelos “6-6-23” são mesmo aqueles que deviam estar no centro da ação e preocupação dos professores: os alunos.

Esta geração que está a fazer a escolaridade obrigatória durante a pandemia e agora, com os protestos e greves dos professores, tem sérios problemas de aprendizagem e de perceber a escola como um espaço de estabilidade, normalidade e segurança.

Isso está em causa.

A responsabilidade é, neste momento, única e exclusivamente dos professores.

Tanto quanto se sabe, o Ministério da Educação já cedeu em múltiplos aspetos, sendo neste momento o “6-6-23” o maior entrave à normalização da Escola Pública.

Está na hora de os professores serem parte da solução, com a razoabilidade que não faltará à maioria deles.