O Chega quis alterar a proporção entre táxis e TVDE (Uber, etc.). A proposta, em si mesma, nem é de excessiva importância; mas uso-a porque me serve para explicar alguns erros desnecessários. Logo de início, para basear a sua posição, o Chega declarava que os operadores de TVDE tinham vindo “desvirtuar o mercado” e provocar uma “distorção”; em relação a quê? Não se encontrava a resposta. O texto ficava assim, suspenso numa insinuação vaga.

Um pouco depois, o Chega distinguia três nacionalidades que, de acordo com os jornais, constituíam em 2022 um quarto de todos os motoristas de TVDE. Seriam pessoas vindas da Índia, do Paquistão e do Bangladesh. Estou convencida que o ponto não tinha a ver com um pressuposto de “raça”, e sim de cultura. O que nos leva à primeira inconsistência. O Chega apresenta-se como “nacionalista” (ou “patriótico”, as palavras aqui não alteram a substância); de um partido nacionalista exige-se que conheça a Pátria. E o Chega parece não compreender que a antipatia por estas culturas, ou a sua rejeição, é própria de outros países. São ideias importadas, não cabem aqui. Como Eça dizia, ficam-nos curtas nas mangas. Em Portugal, estes imigrantes nunca chegaram a formar comunidades suficientemente grandes, suficientemente apartadas e insatisfeitas, que causassem problemas. Pelo contrário, esta ideia causa problemas ao próprio Chega. Se, por um lado, os seus representantes não se devem espantar de ser tomados por racistas, por outro lado comportam-se como se não gostassem deste Portugal, que de facto existe e está neste mundo. Deixam a sensação de que amam e defendem um Portugal ficcionado, um país em que não vivemos, que não conhecemos, que existe apenas na fantasia deles, e que afinal se parece com as sociedades de onde algumas cabeças do Chega só aprendem os clichés. Um erro desnecessário.

No parágrafo seguinte, o Chega falava em “saudáveis condições de concorrência” e em “fixação de contingentes”. Uma contradição nos termos. Não é possível ter as duas condições em simultâneo. A contingentação não é mais do que a protecção, por parte do Estado, daqueles que já estão num determinado negócio, perante os que querem entrar e ficam impedidos. Ou seja, quem está fica livre de concorrência. Este engano económico leva-nos a outra fragilidade política. Além de nacionalista, o Chega apresenta-se como o grande exército contra a corrupção, talvez a sua batalha mais anunciada. Ninguém mostrou ao Chega que a contingentação é dos ambientes onde a corrupção mais floresce. E floresce viçosa, na protecção de uns em prejuízo de outros, em quem entra, quem não pode entrar, quanto vale uma licença de quem está. As licenças adquirem um valor que é crescente e especulado, e são transaccionadas no mercado paralelo. Também aqui, o Chega devia ter um pouco mais de cuidado, e perceber que a corrupção tem os seus mecanismos; ela depende mais destes ambientes do que de insuficiências jurídicas. A corrupção está muito mais na burocracia, e neste tipo de figuras económicas, do que propriamente na lei ou na polícia.

Por fim, o Chega apresenta-se como o único partido da direita. Dali em diante, das fronteiras do Chega para lá, fala como se os partidos fossem todos iguais e todos da esquerda – mais ou menos radical, mais ou menos morna, mais ou menos rendida ou adaptada aos vícios do “sistema”. Não é assim. Nem as naturezas são iguais, e muito menos as responsabilidades. E o próprio Chega, como se viu na proposta, não se distancia o suficiente – a protecção do Estado, a contingentação, o paternalismo, a burocracia, tudo isto são ideias da esquerda. São ideias que impedem a dispersão do poder, que legitimam e acentuam a prepotência sobre o indivíduo, ideias caras à esquerda e muito adequadas àquelas paragens. De vez em quando, parece que o Chega também se lhes quer juntar. Se o Chega quiser ser entendido e respeitado como um partido de direita, tem de compreender que para vencer a esquerda é preciso começar por combater as ideias que servem à esquerda. Não basta vociferar contra os partidos.

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