Vivemos mais uma vez a saga, angústia, desespero e tristeza dos fogos em Portugal por parte de quem os tem à porta  e/ou os combates e ouvimos as muitas explicações, divagações, críticas, soluções, sendo que até nos foi anunciado que afinal e de acordo com o “algoritmo” associado a fatores e condições meterorológicas isto podia ter sido 30% pior, ou  “até tivemos sorte”.

Ora, Portugal é já o país com maior percentagem de área ardida na Europa em 2022, em relação à sua dimensão, e o terceiro com maior área ardida em termos absolutos, atrás da Roménia e Espanha, conforme indicam os dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS).

Parece-nos ser de começar por assinalar, nesta matéria, que há décadas que se sabe que o clima na península ibérica se está a tornar mais próximo do desértico e, consequentemente, que Portugal continental teria que se adaptar a esta realidade, e também sabemos que Portugal tem uma tendência “especial” para os incêndios, comparando com os outros países da Europa.

Em 1994, Portugal assinou a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação que entrou em vigor a 26 de Dezembro de 1996, propondo-se combater e mitigar o fenómeno da desertificação o que passava, à data, por elaborar um “Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação”, através de um processo participativo a diferentes escalas (nacional, regional e local), de modo a envolver a sociedade no geral, e em particular as populações das áreas afetadas, e a concretização de ações de sensibilização e informação sobre este grave problema ambiental/social/ecónomico, isto é, de sustentabilidade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PANCD), foi aprovado em dezembro de 2014 pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 78/2014, de 24 de dezembro,  com um horizonte de 10 anos.

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), como entidade responsável pela elaboração e revisão do PANCD, lançou recentemente inquérito para aferir a perceção pública sobre a temática no sentido de contribuir para o processo de avaliação deste programa, que terminou em 31 de agosto, por considerar que o “…combate à desertificação é um desígnio nacional, onde os vários atores envolvidos devem ser chamados a delinear soluções e a intervir neste processo” , que curiosa e infelizmente, a comunicação social não deu qualquer destaque, nem promoveu à sua participação.

Em 2018, Portugal foi um de oito países da UE visitados por uma auditoria do Tribunal de Contas Europeu para avaliar a resposta da UE ao risco crescente de degradação e desertificação dos solos. A conclusão, relativamente a Portugal, foi: embora a desertificação e a degradação dos solos representem uma ameaça crescente, as medidas tomadas para combater a desertificação carecem de coerência e não existe uma visão harmonizada”. Neste “Relatório Especial – Combater a desertificação na UE: uma ameaça crescente que exige mais ação” para o Parlamento Europeu refere-se ainda que mais de metade de Portugal continental corre o risco extremo de desertificação, mas a resposta a este risco “não está a ser eficaz e eficiente”, considerou o TCE. Neste destacam-se os efeitos nefastos da agricultura intensiva e da insistência em políticas desajustadas para o país como a insistência no regadio num país onde a água vai ser cada vez mais escassa.

De acordo com o climatologista Carlos da Câmara em declarações recentes à Rádio Renascença, “temos que arranjar maneira de termos um novo equilíbrio entre uma meteorologia que se está a tornar mais severa, uma paisagem que se está a tornar completamente diferente e uma nova dinâmica de população, com a migração. Vai ser a natureza a tratar de nós se não tratarmos dela.”Refere ainda que as alterações climáticas “estão a andar a uma velocidade maior daquela a que nós temos mostrado que somos capazes de nos habituar” e que a própria natureza está a “tentar encontrar um equilíbrio que não é aquele que não nos agrada”.

Assim sendo o que é importante é, duma vez por todas, assumirmos esta realidade climática sem retorno e com agravamento persistente, porque Portugal está a desertificar por decisão da Natureza há muito anunciada, e adaptar e prepararmo-nos tomando as medidas de prevenção e mitigação adequadas, realistas e eficazes, sem usarmos a demagogia das condições climatéricas extraordinárias ou continuar a injetar milhões em sistemas operacionais, sem adesão e articulação no terreno, ou Planos desajustados, complexos, burocráticos e sem exequibilidade.

De acordo com os especialistas os fogos dependem de três fatores: meteorologia, ocupação do território e comportamentos.

Se a meteorologia é algo que não podemos controlar, já os nossos comportamentos e atitudes, a  prevenção, reação e proteção ao fogo podemos ensinar, preparar e educar, pelo que a literacia das pessoas, comunidades em geral e das mais expostas ao fogo é crítica.

Por outro lado e constatando-se que o número de ignições humanas em Portugal é muito maior do que em França ou em Espanha, por exemplo, e que a maior parte dos fogos se devem a ação humana como o Sr. Primeiro Ministro afirmou, é urgentíssimo agravar as molduras penais e dotar as entidades de meios e condições para investigar os motivos pelos quais estas acontecem e o que ou quem ou o quê as motiva…, já que existem algumas coincidências estranhas e/ou oportunas.

O crime de fogo posto é gravíssimo e cobarde. É ambiental, tem um grande impacto económico é socialmente destrutivo e trágico, para não falar na perda de vidas.

Paralelamente, é preciso conseguirmos resolver de vez o crónico problema de desordenamento de território, que só políticas públicas podem estancar, e que passa antes de mais pela urgência de cadastrar a propriedade dos terrenos florestais e rurais (que continua por fazer), incompreensivelmente a esmagadora maioria dos terrenos é privada e muitos pertencem a vários proprietários por heranças indivisas;  de criar incentivos ao seu não abandono pela sua valorização, e criar eficazes instrumentos jurídicos para o Estado intervir na ausência de ação dos proprietários, ou expropriar se necessário.

Mas de nada servirá exigir dos pequenos proprietários o cumprimento de medidas, se o Estado não o fizer também exemplarmente.

Consideramos ainda crucial afetar investimento público do PRR no aproveitamento energético da biomassa (energia verde) como um excelente exemplo e oportunidade da economia circular, criando um sistema logístico de recolha de sobrantes de biomassa florestal, bem como estudar a eventual promoção de centrais elétricas de biomassa que permitiriam diversificar as fontes de energia firmes que tanto necessitamos com a forte aposta nas renováveis intermitentes (vento e solar).

Quando a biomassa não é aproveitada arde (e acelera a intensidade e propagação do fogo) e o solo degrada-se, perde capacidade regenerativa e, consequentemente, produtividade.  Já  todos nós assistimos a zonas que antes eram floresta e agora são mato e terreno árido. A reposição e reflorestação do que arde é lenta, já o fogo é veloz.

Sem sermos peritas, entendemos que esta é um tema prioritário para o país e tem que ser encarado como um desígnio nacional que nos convoca e envolve a todos, pois a continuarmos como estamos, a coesão social nos territórios mais expostos e afetados, bem como a presença humana nestes estará irremediavelmente condenada, já que o modo de vida/subsistência das populações rurais e até das iniciativas de turismo rural e praias fluviais que tanto gostamos,  estará permanentemente ameaçada pela destruição dos equipamentos, infraestruturas criadas e pela perda de atratividade das mesmas por receio dos turistas.

O despovoamento e abandono do interior rural será a consequência, com uma enorme pressão sobre o Litoral e imigração.