Numa altura que se assume como primordial o desafio das alterações climáticas, a guerra da Ucrânia que teve início no dia 24 de fevereiro de 2022, quando tropas russas invadiram o território daquele país soberano, deflagrou num conflito que é palco das preocupações internacionais e de disrupções que abalam o ecossistema (pessoas, fauna, flora, recursos naturais e paisagens) e cujos efeitos serão sentidos por décadas, globalmente, senão vejamos:

Para além dos milhares de vidas humanas únicas e irrepetíveis interrompidas, destroçadas e perdidas de civis e militares  (de ambos os lados do conflito) e dos milhões de deslocados, as consequências económicas desta guerra em particular, estendem-se à escala planetária pela inflação provocada nos preços do petróleo, gás natural, carvão, fertilizantes, cereais, entre outros, com o consequentente  aumento do custo de vida e o emprobecimento geral global, mais fome e miséria.

Mas acrescem a estas as ambientais, muito menos faladas,  tão ou mais devastadoras, decorrentes do exponencial aumento da emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) devido a explosões/incêndios causados por bombas e mísseis e outra artilharia pesada, poluição do ar por partículas e gases tóxicos e potencial libertação de resíduos nucleares armmazenados junto à Central Nuclear, escavamento de trincheiras, destruição das infraestruturas, poluição de água dos rios e mares, compactação do solo pela passagem do arsenal e veículos bélicos, destruição de terrenos agrícolas, entre muitas outras que aqui poderíamos acrescentar que aumentarão ainda mais a pressão sobre os recursos naturais.

Recorde-se que a Ucrânia é um país de enorme relevância do ponto de vista ambiental. Para termos uma melhor noção, 35% da biodiversidade europeia é oriunda de lá, possui mais de 70 mil espécies raras endémicas de fauna e flora e aproximadamente 16% do seu território está coberto por florestas.  Porém, estima-se que 44% dos territórios dos parques nacionais e reservas naturais ucranianas se encontram na zona bélica. Neste grupo está a Reserva da Biosfera do Mar Negro ocupada pelas tropas russas.

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A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) caracteriza a região como um paraíso para 120 mil aves migratórias. No entanto a Ecoaction, (um grupo de ambientalistas ucranianos)  que acompanha os danos  registou quase 270 potenciais casos de danos ambientais, que variam desde explosões a centrais energéticas e ataques a ecossistemas marinhos no Mar Negro. Ou seja, as perdas da biodiversidade são incálculaveis e devastadoras.

Paradoxalmente, esta guerra trouxe à superfície as fragilidades da Europa no que toca à política enérgética europeia no seio da UE, assente numa enorme exposição à Rússia dos combustíveis fósseis e energias “castanhas”, mas por sua vez alavancou o urgente e irremediável caminho da transição energética independente, autónoma e diversificada (não é ainda possível cobrir as necessidades globais de energia só de fontes renováveis pela sua intermitência), já iniciado aquando do compromisso com a neutralidade carbónica.

Portugal é aliás um dos países mais empenhados e comprometidos com uma agenda de neutralidade carbónica de fortíssima aposta nas energias renováveis que entendemos ser o caminho certo, mas de cuja celeridade, velocidade e pouca diversificação, vemos com alguma cautela e precaução, pelas eventuais consequências para as famílias, empresas e indústria, porque estas opções são assentes no pressuposto de soluções tecnológicas de armazenamento que permitam reciclar a energia sobrante renovável em certas horas em que não há consumo para compensar as horas em que consumimos, que ainda não estão maduras. Ora não tendo nós energia nuclear, nem carvão (cujas centrais encerrámos recentemente), resta-nos o gás natural e o petróleo que importamos para produzir e garantir a energia suficiente já que a produção hídrica está em níveis historicamente baixos.

Mas este seria outra tema para um novo artigo.

Existe um outro aspecto ético e moral desta guerra por muitos asinalado em face dos recursos financeiros astronómicos alocados com armamento e material bélico, bem como os afectos à reparação dos danos causados pela sua utilização no palco de guerra, quanto aos duplos padrões relativamente a outros conflitos, bem como ao facto de estes recursos poderem e deverem ser afectos ao combate à fome, pobreza, à mitigação dos eventos extremos, à resiliência das populações e regeneração dos ecossitemas, etc.

Sem prejuízo de entendermos as vozes críticas e os argumentos, para nós Europeus e para as nações democráticas que partilham os nossos mesmos valores comuns entendemos que não há alternativa, uma vez iniciada esta invasão, senão estarmos do lado da Ucrânia também belicamente porque, em nosso entendimento, o confronto é, para além de tudo. profundamente simbólico entre duas visões do mundo opostas.

Dito isto, é importante afirmar que defendemos convictamente que a transição climática/sustentabilidade implica a transição para a paz mundial em que acreditamos e pugnamos, mas reconhecemos que a neutralidade da Europa neste caso seria insustentável e muito perigosa para as geografias europeias e as demais que connosco compartilham os mesmos valores e organizam as suas comunidades e sociedades de acordo e em respeito pelos mesmos.

Mas aqui chegados e no atual cenário da guerra como e quando sairemos desta?

Parece-nos que esta guerra estará para durar e que seja qual for o desfecho a região ficará instável por décadas, assistiremos ao rearmamento na Europa (como está acontecer já na Alemanha) que ensombrará a Europa/Rússia.  Se inicialmente, pensámos e defendemos que uma posição forte e unida dos aliados da OTAN, ONU, UE, Reino Unido e EUA e uma mediação diplomática poderia contribuir para o término do conflito com dignidade e respeito pela soberania e democracia da Ucrânia, e não como uma pacificação forçada. Volvido este tempo, e apesar dos avanços recentes das tropas ucranianas não parece haver qualquer abertura de Putin para qualquer diálogo/negociação mas a escalada, nem tão pouco da Ucrânia cujo povo é resiliente, mobilizado e enorme força de vontade, preferindo viver sem água, luz, etc., mas sem russos.

Prevalece, por ora, o “tudo ou nada”/”vitória/derrota” que torna o desfecho imprevisível tendo em conta que a Rússia é uma potência nuclear e detentora de armas de alta intensidade e na Ucrânia existe a maior central nuclear da Europa controlada pelos russos.

Esta é, para nós Europeus, a insustentável incerteza desta guerra com que teremos que viver porque todas as coisas estão em permanente processo de mudança e “Nós somos sempre nós e as nossas circunstâncias” (frase adaptadada original. “Eu sou eu e a minha circunstância, se não a salvo a ela não me salvo a mim”) tal como afirmou José Ortega y Gasset (1883-1955).