A política que conduziu ao “milagre” económico de Centeno é, desde há muito, clara. Em termos internos, ceder nos transportes públicos e na TAP aos desejos de PCP, avançar com a ideia de gerar ganhos salariais para os funcionários públicos – ainda que incipientes –, repor o horário de 35h na função pública – o que foi um aumento salarial –, remunerar melhor os pensionistas – mesmo que fosse com 1 euro mensal, já seria ganho –, cativar e voltar a cativar, para equilibrar as contas públicas – ainda que com as consequências nefastas evidentes nos setores sociais e transportes –, iludir os sindicatos com a promessa da reposição de salários por via da promessa do descongelamento de carreiras no setor público, redução da coleta fiscal sobre o trabalho (por via do fim da contribuição extraordinária), compensada por rearranjos nos escalões – beneficiando muito poucos – e aumentando impostos indiretos. Acresce que o crescimento do turismo – a principal exportação nacional –, tem sido o principal fator de crescimento económico e também é verdade que o desemprego tem baixado – ainda bem –, embora por via de trabalhos mal pagos e essencialmente sem exigências de qualificações académicas ou profissionais.

A decisão política de protelar investimento público e privilegiar a carteira das pessoas, ainda que de forma pífia, é tão válida como qualquer outra. Mas tem um preço que lhes deve ser cobrado nas urnas. Na verdade, o governo decidiu premiar o imediato, o que poderá garantir felicidade eleitoral em outubro e tem permitido a manutenção do governo social-comunista, em vez de apostar em investimentos que, por mais necessários que fossem, seriam sempre menos valorizados pelo eleitorado. O cálculo poderá não dar certo, mas é cedo para perceber o que pode acontecer. Vamos ver se a oposição é capaz de tornar claro que o eleitorado perdeu mais do que ganhou. As perdas na qualidade dos serviços públicos, na Saúde em especial e em outras áreas como a dos transportes, a proliferação do turismo, – como se de uma monocultura se tratasse -, e a desqualificação do trabalho estão a ser piores do que os aparentes ganhos salariais de que os funcionários públicos (nem todos) poderão ter usufruído nos últimos 4 anos. Para já, infelizmente, é muito possível uma reedição da aliança das esquerdas unidas. O PCP já disse que quer e o BE nunca quis outra coisa. O PS, com esta direção e rumo, já só é um aliado interno da esquerda e um transformista externo, junto dos nossos parceiros da UE a quem os serviços públicos Portugueses nada dizem. Em termos sanitários, lamentavelmente, a UE tem uma política de subsidiariedade, por um lado, e falta de intervencionismo consequente na saúde pública, por outro. Logo, o problema é nacional e a boa figura do “Centeno de Fora” não pode servir para escamotear as aldrabices do “Centeno de Dentro”.

Finanças “sãs” não se podem construir à custa da perda do direito à proteção da saúde da população. Os últimos anos, apesar de nos terem prometido o contrário, foram de perda de tempo e de oportunidade.

A dívida dos hospitais a fornecedores nunca voltou a estar tão baixa como no Verão de 2015. Pior, cresce com um declive ainda mais acentuado. O esforço de redução de dívida hospitalar, entre 2011 e 2015 não é comparável com nada do que se tentou fazer, sem sucesso, entre 2016 e 2019. Em termos de política de medicamento, o principal motor das dívidas, temos cada vez maior dificuldade em acesso a medicamentos inovadores – um verdadeiro escândalo de falta de transparência e estratégia – e as possibilidades de redução de gasto nem sequer são eficazmente usadas. Veja-se a quota de genéricos, em termos de unidades vendidas, que aumentou de 36,2% para 47%, entre 2011 e 2015, e só subiu de 47 para 48,2% entre o final de 2015 e o de 2018. A receita total do SNS em 2012 foi de 10.575 milhões de Euros. A de 2018 foi, ainda por estimativa, de 10.223 milhões, ainda inferior à de 2012 em que a crise estava no seu auge. A dívida do SNS a fornecedores era, no terceiro trimestre de 2015, 1.456 milhões de Euros, 446 milhões considerados em atraso. No terceiro trimestre de 2018 a dívida já tinha crescido para 1.950 milhões de Euros, 862 milhões em atraso. Ou seja, piores serviços, pior acesso, falta crónica de dinheiro e mais dívida. Está tudo plasmado na nota explicativa que o MS apresentou com a proposta de OE para 2019.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mais há mais factos interessantes. Olhemos para os cuidados primários. O número médio anual de novas USF-A entre 2012 e 2015 foi de 33. Entre 2016 e 2018, 29. Onde esteve a aposta nos cuidados de proximidade? O número de USF-B novas, as USF que se transformam do tipo A com acréscimo de serviços e distribuição de inventivos – que desde já declaro desproporcionados para os ganhos de saúde que lhes são atribuídas –, uma invenção de um governo PS, cresceram ao ritmo de 18 por ano com o XIX governo, o do Dr. Passos Coelho, e só a 16/ano com o Dr. António Costa. Pior, o número em que menos USF-B abriram, apenas 2, foi em 2017 com a página da austeridade viradíssima. Tentámos, enquanto no XIX governo, atribuir um médico de família a todos que dele necessitassem. Falhámos. O número de aposentados superou sempre o de novos especialistas disponíveis. Mas, para que fique registado, de 2014 para 2015 colocámos, num ano, mais 433.326 pessoas com médico de família. Entre 2016 e 2018 a redução de utentes sem médico foi de 354.263 em 3 anos. Onde está a melhoria?

Vejamos os cuidados continuados. Os números disponíveis no Portal da Saúde confirmam que o ano de maior despesa com estes cuidados foi em 2012 com 138 milhões, ainda mais do que os 136 milhões de 2016. Depois dessa data não há dados no Portal. Percebe-se. O crescimento do número de lugares com internamento foi de 5.595, no final de 2011, para 7.759, no final de 2015. Quinhentos e quarenta e um novos lugares por ano. Em 2016 a coisa prometia. Mais 641 lugares O número de lugares de internamento em finais de 2016 era 8.400. Mas não há mais dados disponíveis. Fomos procurar e encontrámos um relatório da Entidade Reguladora da Saúde. No final de 2015, aceitando a discrepância entre o Portal da Saúde e o Relatório da ERS, os lugares contratados eram 7.481. Em 2016, 8.112. Mas em 2018 são só 8.459! Ou seja, entre 2011 e 2015 os lugares cresceram à razão de 471 lugares/ano e entre 2016 e 2018 ao ritmo de 173 lugares/ano. Os outros? Ficaram, obviamente, cativados. Ainda pior, a constatação de que os lugares de apoio na comunidade, os mais imprescindíveis na lógica de afastar utentes de internamentos, diminuíram 14% desde 2015.

O número de camas hospitalares continua a diminuir e a procura de serviços de urgência a aumentar. Não há, desde 2016, apresentação de relatórios do programa de combate às listas de espera (SIGIC) e soubemos agora, sendo que o governo sabia desde agosto, que os números têm sido martelados por expurgos que vão para lá da remoção de duplas inscrições ou de cirurgias já realizadas. Não, o que se fez foi retirar doentes que esperavam há muito tempo, como se fossem outliers confundentes. Não terá sido feito com intenção dolosa. Acreditemos. Mas foi incompetente e, no mínimo, aventureiro.

Fomos aldrabados. O Governo deste PS, suportado pelo PCP e BE, falhou em quase tudo o que diz respeito às operações de saúde. O SNS está pior. O PS não tem imaginação ou capacidade para nos dizer mais do que falar nos efeitos da Troika, a tal que um outro governo do PS nos trouxe. Há muito pouco que se possa aproveitar da política de saúde da esquerda que nos governa. Como antecipei, nada ganhámos com a mudança de ministro da Saúde. A nova ministra, presa na teia em que se quis meter, nada poderia fazer, mesmo que soubesse o que deveria ser feito. O problema reside no governo e na sua cúpula.

Há que desmistificar a suposta competência do Dr. Centeno e reafirmar a duplicidade do PS que prometeu e não cumpriu. O Dr. António Costa não é o que diz ser e já não consegue parecer outra coisa que não seja o primeiro-ministro de um conselho de ministros que está perdido nas suas contradições e imobilizado pelo seu ministro das finanças. O Dr. Centeno é pior, bem pior, do que nos querem convencer que a Dra. Maria Luís Albuquerque ou o Prof. Vítor Gaspar foram. E não estou a falar de competência nas contas do Excel. Falo de lisura política e conduta ética perante o Portugal que paga, cada vez mais, impostos. Os ministros dos governos de Passos Coelho, com um caminho estreitíssimo e debaixo da humilhação de dependermos de ajuda externa, nunca deixaram que a saúde deixasse de ser a última âncora a que um País em crise estava agarrado. Nunca tiveram um discurso para enganar Portugueses e outro para deslumbrar estrangeiros. Nunca, em momento algum, aceitariam de ânimo leve o ataque à coesão social que o desmantelamento do SNS está a ser. Desmantelamento, isso mesmo. Agora é que é. O PCP tanto augurou que lá conseguiu apoiar um governo que está a destruir os serviços públicos e todo o sistema de saúde. É obra. Ficarão na história. O três da vida airada.

Estamos condenados a trios. O trio do parlamento – PCP, BE e PS – e o trio de ministros em que o governo se transformou. Costa diz umas coisas, Nuno Santos faz a política de que precisa e Centeno exibe contas na Europa. O eleitorado tem, no próximo outono, a oportunidade de mudar este estado de coisas. Não a desperdicem. Para já, em 26 de maio, porque o Dr. Costa quis transformar as eleições para o Parlamento Europeu num referendo à sua pessoa, é fundamental que os descontentes vão votar contra a maioria da esquerda. A abstenção, muito mais do que a Europa, prejudica Portugal.

Ex-ministro da Saúde