Os resultados das eleições perspectivam uma Geringonça 2.0, ainda que com peças diferentes. Foi essa a vontade manifestada por António Costa na noite das eleições. O apoio do BE parece seguro. Nas suas declarações, no Domingo à noite, Catarina Martins ofereceu abertamente o seu apoio a um novo governo do PS. No seu discurso, mais do que as condições a impor ao novo governo, sobressaiu a disponibilidade para discutir as possíveis formas de apoio.

O BE quer assumir-se como o pivot dos pequenos partidos na nova solução governativa. Sabendo que a sua presença no Governo está à partida vedada pela sua oposição em relação à União Europeia, o BE procurará utilizar a importância do seu apoio parlamentar ao novo Governo para conseguir mais alguns pontos na sua lista de promessas.

A lista foi apresentada na noite das eleições: reposição de rendimentos e pensões, revisão das leis laborais, investimento público, com destaque para a habitação e saúde, nacionalização dos CTT e a eliminação do factor de sustentabilidade da Segurança Social. A verdade é que não se trata de uma lista muito exigente. Não aceitar o desafio do BE colocará no PS o ónus da instabilidade política que venha a surgir na próxima legislatura.

Em relação aos salários, já vimos que o BE não se comoveu com a inflexibilidade de António Costa e Mário Centeno em relação às carreiras dos professores e dos enfermeiros. Também consentiram as propostas de estagnação dos salários da função pública previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento para os próximos quatro anos. Ou seja, o BE deverá ficar sossegado com aumentos contidos de salários e pensões. Nas leis laborais, não cederão a qualquer alteração no sentido de flexibilização, mas poderão ficar satisfeitos com mudanças cirúrgicas que possam reduzir a precariedade. Sabemos que vamos ter mais investimento público – se na legislatura anterior aceitaram bem os níveis historicamente baixos do investimento público, não será agora que se ouvirão críticas. A exigência da nacionalização dos CTT será provavelmente resolvida no contexto da revisão da concessão serviço postal universal (a concessão aos CTT termina em 31 de dezembro de 2020). A exigência mais difícil de cumprir pelo PS será provavelmente a da eliminação do factor de sustentabilidade da Segurança Social, uma medida introduzida em 2007, por um Governo PS, que tinha como ministro Vieira da Silva, o actual detentor do cargo.

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Todas as medidas do BE remetem para o passado: ‘reposição’, ‘revisão’, ‘nacionalização’ e ‘eliminação’. Mas nenhuma como a proposta de eliminação do factor de sustentabilidade da Segurança Social ilustra a incapacidade de pensar e preparar o país para o futuro.

As propostas do BE pretendem recuperar, qual paraíso perdido, o Portugal anterior à troika. Esta ausência de ambição demonstra falta de imaginação: não conseguem imaginar um futuro melhor do que o passado. Mostra também o desconhecimento sobre a natureza da crise que nos atingiu, continuando a confundir a consequência (a troika) com a causa. Esquecem que muitos anos antes da troika chegar, já o desemprego e a emigração aumentavam e o crescimento era anémico. Mas, acima de tudo, as propostas do BE demonstram a incapacidade de pensar o nosso país como um actor nas grandes mudanças do mundo, da tecnologia à globalização, isto é, de projectar o futuro.

Estas seriam boas razões para o PS recusar qualquer acordo com o BE.

António Costa até pode desejar ver Portugal a cavalgar a onda da revolução 4.0 e acreditar que será possível estarmos no pelotão da frente. Sim, é verdade, o primeiro-ministro utiliza estas expressões ‘cavaquistas’ e tem um discurso de futuro quando está perante plateias de empresários. No entanto, na Assembleia da República ou a falar aos militantes o registo que se impôs foi sempre o da Geringonça, o da recuperação do passado. Talvez seja esta a sua verdadeira natureza.

De facto, o PS não é hoje um partido da mudança, como foi o de Mário Soares nos anos 70 e 80. É verdade que o lema da campanha eleitoral era ‘fazer mais e melhor’. Mas a experiência do último governo, o programa eleitoral e os resultados das eleições sugerem que devemos esperar mais do mesmo. O PS continuará a governar o país pelo retrovisor.

Tenho dúvidas que o país aguente mais quatro anos sem olhar de frente os desafios do futuro.