Caríssimos governantes desde belo país,

Ao longo dos últimos meses tenho-vos defendido, mesmo em situações algo controversas. Ao longo da minha vida profissional tenho gerido algumas crises graves e sei que é um trabalho que exige lidar com o desconhecido, que exige encontrar soluções num piscar de olhos e acarreta estar constantemente na mira de muita gente que gosta de opinar e que crê que o sabe fazer melhor. É um trabalho solitário e altamente stressante. É um trabalho que dá azos a erros de decisão. Erros, que normalmente compreendo e aceito. Vacilei na altura em que foi tomada a decisão de aligeirar as medidas na época de Natal, num país de emigrantes e com tendências a fazer jantaradas como deve ser. E, mesmo assim, não me juntei ao clube dos críticos que cantaram do alto das suas torres de marfim.

Mas agora foi demais. Então mandaram 26 profissionais de saúde militares alemães para um dos hospitais privados mais luxuosos deste país? Pessoas que já viram guerra, estão acostumadas a trabalhar em situações extremas e que vieram para cá para enfrentar uma situação que no resto do mundo é considerada catastrófica. Catastrófica, ao ponto de amigos meus, americanos, perguntarem como nos estamos a aguentar e a enviarem votos de esperança.

Eu sou alemã, mas tirando uma estada de quatro anos nos EUA, vivo em Portugal desde os 13 anos. O meu irmão mais novo nasceu prematuro num hospital do Porto e o médico da minha mãe, na Alemanha, considerou a sobrevivência do bebé um milagre. Outro irmão meu teve uma doença de sangue tão grave, que não foi identificada noutro país europeu, mas que em Portugal foi possível tratar.

A minha filha, por outro lado, nasceu no Hospital da Luz de Lisboa e foi inegavelmente uma experiência fantástica. Parece mais um hotel do que um hospital. Mas, para todos os efeitos, trata-se de um hospital, cuja principal missão é proporcionar um atendimento diferente e, não nos podemos esquecer, fazer dinheiro. Não representa a realidade em Portugal. E os casos urgentes não vão aí parar. Quando tive uma situação de urgência no oitavo mês da gravidez, às duas da manhã de uma sexta-feira invernosa, também não foi aí que fui parar. Fui internada no Hospital de Cascais. O mesmo hospital que, na semana passada, saiu numa reportagem da CNN como um dos exemplos dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde que está no limite da sua capacidade. Na altura, e enquanto estava à espera da minha vez, conheci uma jovem grávida de cinco meses que se encontrava tão subnutrida que estava em risco de perder o bebé. Ao lado, outra senhora que tinha sido agredida pelo marido e não sabia se o feto ainda estava vivo. E os enfermeiros e médicos, cansados  às duas manhã de uma noite que parecia não ter fim, trataram todos esses pacientes como se fossem únicos no mundo. Esse hospital público não tem luxos, as camas são estreitas e algumas vezes parece que voltámos aos anos 90, mas digo, com toda a sinceridade, ainda bem que fui lá parar. Eu troco mil luxos pela qualidade e empatia do pessoal de saúde que me tratou. Porque a empatia e a qualidade do pessoal de saúde do nosso país são quase imbatíveis. Que muitos hospitais públicos sejam algo antiquados, não muda esse facto. E o estado ao que chegámos nesse momento não é certamente culpa deles. É culpa de quem foi demasiado arrogante e achou que não era necessário de preparar-se melhor para uma segunda vaga só porque conseguiu superar a primeira vaga com distinção. É culpa de quem não soube admitir que precisava de ajuda mais cedo.

Quando vos estendem uma mão, aceitem a ajuda e aproveitem-na da melhor forma. Não sejam orgulhosos, ao ponto de desperdiçarem recursos só para tentar esconder as vossas fraquezas. O que está em causa são vidas humanas e não há nada no mundo que justifique o desperdício de uma única.

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