Outro dia, numa palestra que dei na IBM sobre combate a preconceitos no ambiente corporativo, disse que se tem uma coisa que me deixa com medo, é gente que diz que não tem preconceitos. Sim, isso me apavora, pois é sinal de uma profunda incapacidade de autoconhecimento e autocrítica. Todos nós temos preconceitos. Não porque somos maus, mas porque estamos inseridos em diversos contextos sociais que nos moldaram, desde crianças, frequentemente de uma forma equivocada.

Precisamos reconhecer os preconceitos que temos para podermos questionar o porquê deles estarem impregnados em nós e, assim, começarmos a combatê-los. É um processo difícil e necessário. É preciso se perguntar: me incomodo de trabalhar com um homossexual? Por quê? Acho que ele vai me atacar? Me incomodo de ter uma chefe mulher? Ou da minha esposa ganhar mais do que eu? E se meu chefe for negro? E se meu chefe for brasileiro? Esse é o ponto.

Sim, há xenofobia em Portugal, sem sombra de dúvidas. Assim como há xenofobia no Brasil. Pergunte a um boliviano, venezuelano ou haitiano se eles se sentem docemente acolhidos por toda população brasileira. Tenho certeza de que não. Assim como, se perguntarmos a um português que vive na França ou na Suíça se ele se sente 100% respeitado e se é tratado da mesma forma que os locais, certamente ouviremos que não. É triste, mas é a realidade do mundo em que vivemos.

Eu sou uma imigrante brasileira que sofre muito pouco com a xenofobia. Sou branca, advogada, colunista do Observador, casada com um lisboeta de família tradicional. Minha experiência não é a experiência padrão. Seria muito diferente se minha pele fosse mais escura, se eu trabalhasse servindo mesas num restaurante ou se eu não viesse da família da qual venho. Temos que ser realistas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quando, na semana passada alunos da Clássica (universidade na qual estou terminando meu doutoramento) comprovaram que a estupidez não tem limites ao colocar uma caixa com pedras e um cartaz de “brincadeira” dizendo para atirá-las em alunos brasileiros que passaram na frente deles no mestrado, precisamos falar sobre xenofobia. Em primeiro lugar: quem faz brincadeiras são crianças de 6 anos. Alunos às vésperas de pegar seu diploma de licenciatura em Direito- depois de estudar ética, direitos humanos e a constituição- não fazem brincadeiras. Fazem escolhas. E essa foi uma escolha tão burra quanto clara.

Fico tranquila por saber que a Universidade, de forma alguma, deixará que isso termine impune, pois é o nome da instituição que está em jogo. O futuro daqueles homens (sim, são homens, não miúdos, rapazes ou qualquer outro nome que lhes subtraia a responsabilidade por seus atos) é o de menos. O que importa, nesse episódio, é a postura que a Universidade pública, em nome do Estado Português, terá. Esse é um caso sério.

Imaginemos um cartaz na Sorbonne “pedras gratuitas para atirar em tugas”. Qual seria a sensação dos portugueses? Foi só uma brincadeira? Ou foi a perpetuação institucionalizada de uma relação de superioridade dos franceses? O caso é muito simples. No mundo, não há um lado de vilões e outro lado de bonzinhos. Portugueses protagonizam xenofobia e também são vítimas dela. Brasileiros são vítimas, mas também elegeram um presidente tão xenófobo e repulsivo quanto Trump. Está tudo errado. Tudo.

Não é difícil concluir que cidadãos brasileiros são vistos em Portugal com olhos tortos. Angolanos, moçambicanos e cabo-verdianos também. A pele escura só agrava a situação de marginalidade. Chineses, indianos, paquistaneses, ucranianos. Vão me dizer que os portugueses os tratam com o mesmo respeito e decoro com o qual tratam seus conterrâneos ou os imigrantes franceses? Não sejamos hipócritas. Sim, há exceções. Mas também há a regra. E a regra importa mais do que a exceção.

A principal coisa que nos cabe é ter autocrítica. Mudar os nossos comportamentos nocivos e entender que somos todos humanos. E que brasileiros fazem excelentes teses de doutoramento. E que chineses dirigem bancos com excelência. E que indianos são grandes jornalistas. E que angolanos são grandes professores. E que ucranianos são grandes advogados. Assim como qualquer português. Todos podemos ser grandes, todos podemos brilhar. Só são pequenos e foscos os que se amedrontam com a diversidade e que encontram na agressividade e no elitismo o seu único refúgio.