Não se entende bem por que razão a União Europeia tem de dar palpites – quando não diretivas férreas – sobre o fuso horário dos países membros ou se mudam a hora na primavera e no outono para aproveitarem os famosos e infames daylights savings. (É também por estes excessos de regulamentação, feitos centralmente, longe, em Bruxelas, que os europeus se irritam com a prepotência da UE e tomam como metediça apenas uma instituição que só pelas quatro liberdades que são o seu pilar merecia elogios compulsórios de manhã e à noite, pelo menos, de todos os seus residentes.)

Mas desta vez, a UE acertou. Ou, melhor, pode vir a acertar. Os daylight savings foram um estratagema magicado na altura do uso intensivo do carvão para poupar energia. O que não é exatamente uma descrição apurada do mundo atual. Grande parte do globo, mesmo longe do Equador, não os usa – e as populações têm sobrevivido sem excessivas mazelas.  Concordo, pois, que deixe de se mudar a hora para trás e para a frente duas vezes por ano. Isto, claro, se o bom senso prevalecer e se se mantiver a hora de verão. (Se pretenderem adotar obrigatoriamente a hora de inverno, será caso para pegarmos em armas e, agora sim, revoltarmo-nos sem tréguas.)

Já se leram artigos sobre os benefícios para a saúde e para o bom uso da energia que tem, ou não, manter sempre a mesma hora. Não me vou deter neles. Acrescento dois argumentos para a adoção permanente da hora de verão: a alegria de viver e a segurança.

Quanto ao primeiro, bom, que há de mais depressivo do que sair do emprego de noite fechada? As crianças odeiam terminar os dias, incluindo as atividades extra curriculares, sem luz. Pensam logo que o dia já terminou e que não têm tempo livre para brincar. De resto nem precisam, crianças e adultos, de saírem muito tarde de empregos e escola para já não haver dia. Quaisquer cinco horas e meia ou seis da tarde fazem as despesas durante largos períodos da hora de inverno.

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Não penso ser muito necessário dar-me ao trabalho de mostrar que luz durante as horas do dia, quando as pessoas têm, quando possível, alguns minutos para o lazer (no meio e no fim da tarde) é muito mais agradável do que ter luz nas horas em que está tudo a correr aflito para chegar ao trabalho ou às aulas. Com luz os pais podem levar os filhos ao parque um bocadinho, ir ao supermercado e às compras do que quer que seja nas ruas das cidades, promovendo o comércio tradicional (em vez de refugiarem em centros comerciais), tomar um copo com os amigos ou colegas antes de irem para casa jantar.

Falei em alegria propositadamente. A luz, a abundância de luz, promove a boa disposição e a alegria. A escuridão potencia tendências depressivas. A luz contraria-os.

Também a segurança é evidente. Um dos assuntos falados pelas feministas sobre políticas públicas urbanas é precisamente a existência de iluminação abundante nas ruas durante a noite. Quanto menos escuridão mais as mulheres estão seguras face a agressores sexuais ou ladrões – e, donde, têm maior liberdade de movimentos. Isto não se aplica só a mulheres, como é óbvio. Também se aplica a idosos, a pessoas com dificuldade de locomoção, a crianças, a rapazes adolescentes – em suma, a todos os que não têm capacidade física de dar uns valentes sopapos nuns quaisquer meliantes que lhes apareçam no meio do breu.

Regressar a casa com luz é um ganho de segurança para muita gente que a permanência na hora de verão traria.

Sem surpresa, li há tempos um artigo no Business Insider sobre um estudo de Jennifer L. Doleac Nicholas J. Sanders que conclui que a mudança da hora, permitindo ganhar mais tempo de luz durante o fim da tarde, leva a uma redução dos roubos de 7%, sobretudo devido à redução desta criminalidade em 27% durante a hora do por do sol. Apesar de não ser tão expressiva, e de ter outros fatores a influenciar, crimes violentos como violações ou assassínios também têm uma redução.

Claro que estes resultados podem não ser universais, partem de dados americanos, mas são lógicos e esperáveis. Como a ocasião faz o ladrão, se tiver menos condições adequadas para a sua atividade criminosa — maior possibilidade de ser visto por outras pessoas, por exemplo — vai reduzi-la. É certo que sendo sempre hora de verão os assaltantes poderiam adaptar-se e encontrar novos horários para roubar sossegadamente. Em todo o caso ter-lhes-íamos dificultado a vida. E os crimes violentos poderiam diminuir em definitivo.

Pelo que das poucas vezes que os políticos têm ideias verdadeiramente boas – e a exigência está tão baixa que nos contentamos com desfazer políticas anacrónicas mantidas somente graças ao imobilismo humano – devemos aplaudir, informá-los que são maravilhosos e o que faríamos sem tais seres iluminados, e esperar que, pelo menos uma vez, os políticos se preocupem em implementar pequenos grandes pormenores com impacto real na vida das pessoas. Em vez de, sei lá, querer deixar obra e inventar autoestradas para construir, ou pontes, oferecer computadores para crianças e por aí em diante. Aquelas ideias (ataque de tosse) a que estamos habituados.