No grande romance Os Maias de Eça de Queiroz, no capítulo VI, João da Ega e Craft discutem a necessidade de reformas para evitar a bancarrota. Ega não acredita no povo português. Craft diz-lhe que as críticas que dirige aos portugueses, no fundo, se referem aos lisboetas, ao que Ega responde: “Lisboa é Portugal. Fora de Lisboa não há nada. O país está todo entre a Arcada e S. Bento!…”.

Lisboa é Portugal? Lisboa não é Portugal, mas uma grande parte dos recursos do país estão concentrados na Área Metropolitana de Lisboa (AMLisboa).

Em 2016, a região da AMLisboa representava 36% do PIB do país. De acordo com o relatório Regions and Cities at a Glance 2018 da OCDE, apenas oito países tinham regiões onde está sediada a capital com maior peso no PIB do que portuguesa (Finlândia e Canadá 39%; Dinamarca 40,3%; Chile 42,4%; Hungria, 46,3%; Grécia 47,9% e Coreia do Sul 49,4%). A média da OCDE é 26,7%.

Cerca de 30% da população portuguesa vive na AMLisboa. Entre 2000 e 2017, período em que a população portuguesa não cresceu, a AMLisboa aumentou a sua população em 7%.  Na variação da população destaca-se a população com ensino superior, que, entre 2001 e 2011, aumentou de cerca de 280 mil para 470 mil (+69%). Ou seja, para além da grande oferta ao nível do ensino superior – as universidades públicas de Lisboa representavam, no ano lectivo de 2017/2018, 39% das vagas totais – a AMLisboa revela ainda uma enorme capacidade de atração de capital humano.

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A força centrípeta de Lisboa faz-se também sentir sobre o capital. Em 2009, cerca de 45% do crédito total das famílias e das empresas estava alocado a residentes na AMLisboa, tendo diminuído para cerca de 40% em 2015.

Finalmente, é importante referir a concentração de poder político e de instituições públicas na cidade de Lisboa. Se considerarmos o peso da despesa do Governo Central na despesa pública total, Portugal é um dos países mais centralizados do mundo: em 2016, apenas 10% da despesa total era da responsabilidade da Administração Local. De acordo com aquele indicador, apenas o Reino Unido, o Luxemburgo, a Bulgária, a Roménia e a Grécia tinham um maior grau de centralização do que Portugal. Em resultado desta centralização, cerca de 50% das compras do Estado são feitas por instituições sediadas em Lisboa. Por outro lado, as vendas ao Estado por empresas sediadas na AMLisboa representa mais de 60% do total. Sobeja evidência da macrocefalia da AMLisboa, onde quase tudo é decidido.

Numa época em que a digitalização torna mais importantes as economias de aglomeração – talento atrai talento, talento atrai capital, talento e capital geram inovação, a inovação produz crescimento, crescimento atrai talento, num ciclo virtuoso que se repete – a grande concentração de recursos em metrópoles com a AMLisboa é uma tendência global e pode beneficiar o país, puxando pelo crescimento das restantes regiões.

O problema com a região de Lisboa é que, nas últimas décadas, aquele ciclo virtuoso da aglomeração não se completou: a enorme concentração de talento e capital não gerou crescimento económico. Pelo contrário: entre 2000 e 2017 o PIB per capita da região de Lisboa caiu 2% e nesse período o seu PIB per capita passou de 120% do PIB da EU para 102%. Se a região mais rica de Portugal, que concentra quase 40% da produção nacional, não consegue ir além do PIB per capita médio da UE é difícil ser optimista em relação à convergência para os níveis de PIB per capita dos países mais ricos da UE.

A verdade é que apesar do mau desempenho económico da região da AMLisboa, entre 2000 e 2017, o PIB per capita da economia portuguesa aumentou 8%. Aumentou porque um conjunto de regiões registaram taxas de crescimento razoáveis: Alentejo Litoral, 32%; Alto Minho, 28%; Cávado, 20% ou Ave, 20%. Entre outras características, estas regiões são menos endividadas, têm um maior peso da indústria na sua estrutura produtiva, apostaram na inovação e estão fortemente integradas no comércio internacional de bens. É por estas dimensões que tem de passar a estratégia de desenvolvimento de Portugal, para entre novamente numa trajectória de convergência com os países mais ricos da EU.

Da mesma forma que não é possível compreender o falhanço económico do país nas últimas décadas sem perceber o que falhou no processo de crescimento da AMLisboa, também não será possível retomar uma trajectória sustentada de crescimento sem uma AMLisboa (e do Porto) vibrante e inovadora, que puxe pelo crescimento do resto do país. Lisboa e o país ganhariam em ter uma capital com menor concentração de instituições públicas e de poder político. Claro que essa mudança implicaria romper com séculos de história e com uma dependência do Estado que Lisboa não está preparada para aceitar.

Com a recuperação da economia e a consolidação das finanças públicas será tentador voltar ao modelo de crescimento anterior, baseado na concentração de instituições públicas e sedes de grandes empresas, abrilhantado pelo turismo e pela renovação urbana que aquele permitiu. Mas nesse caso, o mais certo, como referiu Carlos Guimarães Pinto no Eco, é Lisboa transformar-se na Astana da Península Ibérica, uma cidade com algum brilho, num país cada vez mais irrelevante e em que voltaríamos ao ‘Lisboa é Portugal’ de João da Ega.