Gente mais otimista costuma defender que, para muitos dos seus membros, a União Europeia é a única hipótese de ter um lugar no mundo. Está seguramente por provar que é a “única” e também é discutível que traga uma voz para todos os membros, mas mesmo assumindo as premissas, o argumento acaba por desabar na conclusão.

O ano começou mal para a União Europeia, com um atraso na vacinação que ainda hoje afeta vidas e economias. E não melhorou com os movimentos de tropas russas junto à Ucrânia, as sanções pesadas vindas da China que derrubaram um acordo de investimento, um incidente de mobiliário na Turquia e o laxismo nas fronteiras de Marrocos que deixou Ceuta em rutura.

O novo grande tema é o desvio para Minsk de um avião de uma companhia aérea europeia que viajava entre Estados-membros, com a intenção de prender um jornalista incómodo para o regime autoritário da Bielorrússia. Dificilmente se imagina um caso mais embaraçoso para a imagem de força europeia no mundo.

A opinião dominante explica a situação com a falta de poder militar europeu, normalmente acrescentando que, sem um exército único, não se pode fazer mais do que estar sujeito à pirataria aérea do potentado bielorrusso. A justificação militar é hábil, porque acaba com qualquer conversa e parece razoável à superfície.

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Só que não é. Não só porque o poderio militar é fraca garantia contra atos desvairados, como os nossos amigos americanos infelizmente podem explicar, mas também porque serve de pouco para explicar a verdadeira causa do insucesso europeu, em geral e na Bielorrússia.

Pelos dados mais recentes do Banco Mundial, a Bielorrússia gasta pouco mais de 1% do PIB em defesa, enquanto a Grécia (de onde partiu o avião desviado) gasta 2,6% de um PIB que é três vezes maior. Ao mesmo tempo, os exércitos nacionais não desapareceram, os Estados-membros envolvidos são também membros da NATO e a Bielorrússia não é exatamente uma potência.

O ângulo militar não deve ser desprezado, mas não substitui a falta de estratégia na política externa como causa mais profunda dos problemas. Nem o maior exército da história poderia ter disfarçado um problema que é de rumo e, com alguma sofisticação, percebemos que fazer depender a política externa europeia da existência de um exército comum é aceitar ficar nas mãos da Bielorrússia ou de Marrocos.

Em relação à Bielorrússia, a posição tem sido contraditória, pouco corajosa e lesiva. Depois das eleições presidenciais, o levantamento democrático tinha simpatias europeias e foi suprimido com crueldade, dificuldades e apoio russo. Inicialmente, a União Europeia retribuiu com alguma abertura à oposição, mas tentou não se comprometer com a situação no terreno, com medo de precipitar uma anexação russa e de tomar uma decisão definitiva quando a situação ainda se estava a desenrolar.

Essa foi uma opção criticável, mas tinha um sentido. A partir daí, a Europa abriu-se à oposição, recebendo Sviatlana Tsikhanouskaya nas suas capitais e instituições. Com esse respaldo, a direção ficou mais confusa. Qual é a estratégia da União Europeia para um dos seus vizinhos mais importantes, ferido e aparentemente dependente da Rússia? É extraordinário, mas ainda hoje é difícil dizer – e um exército não o explicaria.

Para lá de Minsk, o que quer a União Europeia? A paz, acima de tudo, e algum comércio, se for possível. Como tenciona chegar lá? Esperar que o resultado lhe caia no colo desafia as regras da história, mas trocar a paz pelo declínio é um mau negócio. Discussões internas sobre exércitos, presidentes e métodos de votação não resolvem nada de essencial e complicam o acessório.

Definir um caminho para a política externa que agrade a todos é difícil, mas não saber o que se quer é um risco inaceitável. Não é a falta de um exército que leva os vizinhos a pensar que podem provocar a União. É a ideia de que, sobrevivendo às sanções da época, nada de estrutural está em risco e a paz pode ser vendida a qualquer preço.

Com um plano, todas as humilhações se podiam perdoar para proteger o objetivo final. Sem ele, toda a gente prefere um exército. Seria uma pena.

João Diogo Barbosa, jurista (@jdiogospbarbosa no Twitter), é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer Resende e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00. 

As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.

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