No dia em que o governo socialista fracassou, não conseguindo o apoio dos seus aliados para votar o orçamento, o PM afirmou no Parlamento: “Sou de esquerda, fui educado à esquerda e cresci na esquerda.” Por mais críticas que se possam fazer a António Costa, e há muitas, temos que reconhecer que o PM tem orgulho em ser de esquerda, assume-o com convicção e até com coragem, especialmente depois de um fracasso político das esquerdas.

A afirmação de Costa leva-nos a uma anomalia da política portuguesa. A discussão sobre o “posicionamento ao centro” só acontece entre os partidos à direita, sobretudo no PSD. Não há qualquer discussão existencialista no PS sobre se o partido é de esquerda ou de centro. O PS nunca teve algum líder que lhe passasse pela cabeça identificar o seu partido como sendo de “centro direita.” Ou mesmo de “centro”. O PS não tem o seu Pacheco Pereira a fazer juras semanais que o seu partido não é de esquerda. Pode haver divergências no PS sobre a estratégia de coligações, até sobre certas políticas económicas, mas nenhum líder, dirigente ou militante do PS tem qualquer dúvida de que é de esquerda. Mais, todos têm orgulho em ser de esquerda. Ninguém o esconde com vergonha, com embaraço, ou para enganar e conquistar eleitores do “centro direita”. Os socialistas acreditam que propostas de esquerda podem conquistar eleitorado do centro direita. Estão certos. O PSD também deveria acreditar que propostas de direita deveriam ser atrativas para o eleitorado do centro esquerda.

O “centro” é assim, em Portugal, um problema apenas do PSD e não do PS. O que significa que o PSD está numa posição de desvantagem em relação aos socialistas. A falta de comparência do PSD no debate ideológico resulta no monopólio das esquerdas para definirem o que significa ser de direita em Portugal. É penoso para um eleitor de direita, assistir as esquerdas chamarem o PSD e o CDS partidos de direita, e os seus dirigentes responderem com tontices como o “espaço não-socialista”, “do centro-esquerda para o centro-direita”, ou “alianças das não-esquerdas.”

Para muitos em Portugal, o sistema partidário tem a extrema esquerda (PCP e Bloco de Esquerda), perfeitamente respeitável mesmo que ainda defendam algumas das piores ditaduras do século XX e se oponham ao euro, o pilar da ordem económica nacional. Depois, temos a esquerda, o PS, com dirigentes orgulhosos por não serem de direita. A seguir, vem o “centro-esquerda, centro”, o PSD, com dirigentes aflitos por parecerem ser de direita; e o “centro ou centro-direita”, o CDS. Por fim, chega a “extrema direita”, o Chega. A Iniciativa Liberal ainda está a decidir se é de direita, de centro ou de esquerda. Ou seja, desde o 25 de Abril, Portugal tem sido governado pela esquerda ou pelo centro. Neste patético debate politico, onde está a direita? Ausente em combate, a deixar o terreno livre para o Chega e para o André Ventura. Como dizem os brasileiros, mete dó. Quando é que as direitas partidárias em Portugal têm coragem para se assumirem e deixarem de se disfarçar como “centro”?

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Mas a falta de comparência do PSD tem ainda outro problema mais grave. O PS tem liberdade para exibir superioridade moral em relação ao PSD. Em política, isso conta muito. Por exemplo, é essa superioridade moral que permite ao PS justificar a sua ocupação do Estado como positiva para os portugueses. No fundo, subjacente a tudo isto, está a ideia de que o Estado Novo era um Estado de direita, e o regime democrático é um Estado de esquerda, ou seja do PS, no qual o PSD serve essencialmente para corrigir as contas públicas depois dos exageros socialistas. Mas mesmo o despesismo socialista é moralmente aceite como bem-intencionado, enquanto as correções fiscais do PSD são moralmente condenadas, mesmo quando são necessárias, como demonstração do egoísmo e da indiferença social da “direita”.

O debate sobre o centro na direita e no PSD está assente num enorme equívoco: a confusão entre o eleitorado flutuante, que tanto vota no PS como no PSD, e o centro político. Esse eleitorado está ao centro mas tanto vota na esquerda como na direita moderadas. Compete ao PSD, conquistar o eleitorado flutuante a partir de uma plataforma política de direita. A convicção ideológica e a coragem política são mais importantes para conquistar eleitores do que a indefinição centrista.

Bem sei que a política é muito mais do que a divisão entre as direitas e as esquerdas, e que as políticas concretas são fundamentais. Mas a política também se faz de identidades ideológicas, de doutrinas políticas e de discursos mobilizadores assentes em valores. Enquanto os partidos das direitas não entenderem isso, estarão sempre numa posição moral inferior ao PS. Mesmo quando chegam ao governo, não estão no poder.

Será muito pedir que meio século depois do 25 de Abril e 35 anos depois da adesão à União Europeia, Portugal seja como os seguintes países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária,nChipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polónia, República Checa, Roménia e Suécia?

Isso mesmo, todos os restantes países da União Europeia. Todos eles têm partidos de direita que se assumem como tal, alcançam vitórias eleitorais a partir da direita, e não sentem qualquer inferioridade moral em relação às esquerdas. Quando é que os partidos de direita em Portugal aderem à União Europeia? Será que é pedir demais que o PSD abandone 1975 e seja como os outros partidos de direita na Europa?

Quando vamos ouvir um líder do PSD dizer, parafraseando António Costa, “sou convictamente de direita, tenho orgulho em ser de direita, e acredito que a liberdade, a prosperidade e a segurança social dos portugueses precisam de um governo de direita?” Nunca ouvi um líder do PSD dizer o que é normal e comum em qualquer outro país europeu. Será que o PSD está destinado a aceitar sem qualquer problema esta superioridade moral do PS? Está claro no fim de 2021 onde isso levou o país. Se o PSD não mudar, Portugal também não mudará.