Primeiro. O Partido Conservador de David Cameron ganhou a maioria absoluta: os seus 327 deputados permitem-lhe assegurar a confiança do Parlamento durante toda a legislatura. A vitória conservadora contrariou todas as sondagens de forma estrondosa e recupera a lógica habitual do sistema eleitoral inglês, contra o “hung parliament” (parlamento suspenso) e as coligações.
Segundo. Talvez a razão principal para a vitória conservadora se possa resumir numa frase: os ingleses votaram pelo seguro. Votaram, pela positiva, nos resultados económicos “entregues” pelos conservadores – crescimento elevado, baixo desemprego, redução do défice – e na certeza de que não haverá nacionalistas escoceses no governo; e votaram, pela negativa, no espantalho das medidas económicas que os conservadores disseram que os trabalhistas tomariam e na eventual participação escocesa no governo. Venceu a narrativa dos “tories” sobre a insegura prestação de Miliband, líder trabalhista.
Terceiro. Os vencedores óbvios da noite são Cameron e Nicola Sturgeon, a líder do Partido Nacional Escocês; os derrotados, sem dúvida Ed Miliband e o líder dos liberais Nick Clegg. Mas há os menos óbvios, salientando-se o trabalhista escocês Jim Murphy, principal figura do “não” à independência no recente referendo; Nigel Farage, presidente do UKIP, que prometeu demitir-se se não fosse eleito (não foi e… demitiu-se); Vince Cable e Simon Hughes, proeminentes membros dos liberais, cuja não eleição é o paradigma da queda do partido; Natalie Bennet, nascida australiana e líder dos Verdes, partido cujo único lugar foi ganho por Caroline Lucas, o que coloca pressão sobre a liderança de Bennet, já de si contestada. Mas talvez a mais extraodinária derrota seja a de Douglas Alexander, antigo ministro de Tony Blair, grande estratega da campanha trabalhista, derrotado pela estudante escocesa de 20 anos, Mhairi Black. E há o caso, claro, de Boris Johnson, Mayor de Londres: ganhou ou perdeu? Foi eleito, acrescentando brilho ao seu polémico currículo, mas vai ter de esperar mais alguns anos para poder conquistar o seu verdadeiro (e já confessado) objetivo: suceder a Cameron.
Quarto. Liberais: os britânicos não gostam de mentiras? Durante 5 anos, Nick Clegg, estrela política em ascensão imparável no firmamento político do Reino, assegurou a maioria nos Comuns necessária ao executivo de Cameron. Atraídos pelo brilho do poder e por alguns lugares no governo, os liberais traíram a sua identidade. O carisma e popularidade de Clegg, impantes em 2010, sofreram um rude golpe. A promessa liberal mais proeminente, a de não aumentar as propinas universitárias, foi contrariada pela decisão do governo Cameron/Clegg de… aumentá-las. Clegg pediu perdão várias vezes. As eleições deixaram claro: não foi perdoado.  
Quinto. Esta foi uma eleição eminentemente inglesa. Explico-me: das 4 partes do Reino Unido – Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte -, a dimensão inglesa prepondera nos resultados nacionais. Os deputados eleitos em cada uma das restantes regiões são sobretudo de partidos específicos dessas regiões e não dos grandes partidos nacionais. Claro que isso acontece sobretudo graças ao resultado surpreendente na Escócia, mas é a realidade: 56 dos 59 lugares são agora do Partido Nacional Escocês; e se em Gales são apenas 3 em 40 os deputados do único partido galês – independentista – já na Irlanda do Norte 17 dos 18 lugares pertencem aos partidos locais, repartidos entre unionistas  (democráticos e unionistas com 10 deputados) e nacionalistas (Sinn Fein e Sociais Democratas com 7). Em resumo, fora de Inglaterra os partidos nacionais – Conservadores, Trabalhistas, Liberais-Democratas, UKIP e Verdes – obtiveram apenas 41 dos 117 lugares disponíveis. Um Reino cada vez mais inglês e menos unido?
Sexto. Rolam cabeças. Ed Milliband foi o primeiro. Nigel Farage seguiu-lhe o exemplo, bem como Nick Clegg. No baralhar e tornar a dar da liderança dos principais partidos ingleses (faltam talvez os Verdes) será determinada nas próximas semanas a natureza dos protagonistas e, outrossim, o teor do debate político em Inglaterra, em especial da oposição aos conservadores. E há uma grande incógnita: como ficará o Partido da Independência do Reino Unido, o UKIP, sem a sua principal figura, Nigel Farage? Tendo elegido apenas um deputado mas com quase 4 milhões de votos populares, grande vítima do sistema maioritário, a influência e implantação do UKIP não podem ser descartadas nem subvalorizadas.
Sétimo. E se o sistema político britânico, em vez de maioritário, “first past the post”, fosse proporcional, como na maioria dos países da Europa? Eis, grosso modo (numa proporcionalidade directa), o cenário do próximo Parlamento: conservadores e trabalhistas estariam mais próximos, com 240 e 198 lugares respectivamente (a diferença real é de 96 deputados). O partido nacional escocês teria só 31 votos e o grande ganhador seria o UKIP: 83 deputados (tem um)! Faz sentido este sistema?
Oitavo. E agora, que esperar? O próximo governo é conservador e o discurso da Rainha, no final do mês, deverá conter 5 linhas principais: social – como resolver a implosão do sistema nacional de saúde; défice – objectivo zero até 2020, sem provocar mais estragos a um tecido social enfraquecido; imigração – o problema sensível dos imigrantes e a utilização do generoso (e deficitário…) sistema social, sem excessos “ukipistas” (e dos sectores mais conservadores dos conservadores); união do Reino (veja-se o ponto seguinte); União Europeia (ponto 10).
Nono. “The Scottish Lion has roared” (o leão escocês rugiu). As palavras tonitruantes de Alex Salmond não deixam dúvidas: a união do Reino está em causa. Ao contrário de algumas opiniões, acredito que a redução dos trabalhistas à expressão mais simples na Escócia foi mais um grito de revolta contra Westminster e a política inglesa em geral, do que propriamente uma derrota trabalhista. No rescaldo do referendo à independência, os escoceses manifestaram-se contra o que consideram a “soberba” centralista inglesa e a falta de cumprimento das promessas feitas naquela ocasião. Nas urnas – sem a espada de Dâmocles de uma secessão imediata -, exigiram mais autonomia, com a independência no horizonte. Conseguirá Cameron aplacar esta clara ameaça à união britânica? É que se as placas tectónicas da política escocesa mudaram, como afirmou uma extasiada Nicola Sturgeon, as ondas de choque destas eleições far-se-ão sentir por muito anos.
Dez. Deixei para o final a questão europeia. Vai mesmo haver referendo. Acredito que seja em 2017, pois Cameron não pode ceder ao apelo do UKIP ou dos sectores conservadores do seu partido para o antecipar. E agora? Um referendo é sempre uma espécie de lotaria, dependente das circunstâncias do momento. A economia britânica está intrinsecamente ligada ao mercado interno e aos parceiros europeus, milhões de empregos dependem deles. Inúmeras empresas já avisaram que sairão do país em caso de um “britexit”. Uma eventual ruptura tornará ainda mais previsível a secessão escocesa – os independentistas já avisaram que não tencionam sair da União Europeia. Uma análise sobre as consequências para o futuro da Europa, do Reino e até da economia mundial de uma saída britânica da União é assunto para um livro. Não será escrito aqui, naturalmente, mas pelos britânicos nos próximos dias e meses.
PROFESSOR DO INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS DA UNIVERSIDADE CATÓLICA 

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