Após quarenta e quatro anos de democracia e alguma convergência real da qualidade de vida com a média das economias europeias, em Portugal a mobilidade social continua a ser apenas um sonho distante que está ao alcance de muito poucos. Geração após geração os filhos continuam a seguir as pisadas dos pais em termos de anos de escolaridade, qualidade da educação e até de profissões. A qualidade de vida e os rendimentos vão melhorando graças também ao Estado providência, mas a igualdade de oportunidades que deveria ter crescido com a democracia é ainda muito insuficiente.

Num estudo divulgado pela OCDE no final da semana passada, a imagem é desoladora, porque o elevador social da educação está avariado. Portugal tem o pior desempenho em termos de mobilidade educacional entre pais e filhos dos quinze países analisados pela OCDE, apesar de ter uma despesa em % do PIB superior à média. A imagem melhora ligeiramente quando olhamos para a mobilidade de rendimentos, ainda assim os resultados não são muito satisfatórios. Em Portugal, são necessárias cinco gerações para uma família de baixos rendimentos (famílias entre os 10% mais pobres) atingir um rendimento médio, quando na média da OCDE são precisas apenas quatro e meia e aqui ao lado em Espanha apenas quatro. Os países nórdicos são onde mais rapidamente se sai da pobreza, no caso da Dinamarca demora apenas duas gerações.

A mobilidade de rendimentos e a persistência de desigualdades estão intimamente ligadas. Os países que eram mais desiguais o início dos anos noventa, são também os que apresentam atualmente menor mobilidade rendimentos. É fácil entender que em sociedades muito desiguais, é mais difícil para os com menores rendimentos pais investirem em educação para os seus filhos.

Considerando que a mobilidade social entre gerações resulta de políticas implementadas ao longo de várias décadas, é provável que os resultados atuais melhorem nos próximos anos. E alguns resultados são encorajadores. É o caso da redução da desigualdade de rendimentos em Portugal nos últimos 20 anos, tendência que não se inverteu apesar da crise financeira. Ou o caso da educação, onde a uma fase de democratização e massificação após 1975, se seguiu uma fase de melhoria da qualidade. Atualmente, os resultados de PISA para Portugal mostram uma melhoria significativa nos conhecimentos de Matemática, Ciências e Português. Estas melhorias terão certamente um impacto positivo na mobilidade social e de rendimentos no futuro.

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Ainda assim, os a imagem apresentada pela OCDE atualmente é muito impressiva porque mostra com enorme clareza como é especialmente difícil em Portugal para uma família mais desfavorecida oferecer aos filhos melhores oportunidades para crescerem e se desenvolverem.

No topo das prioridades tem de estar o combate à corrupção, que tem como objetivo confesso manter abusivamente um privilégio, impedindo a saudável concorrência. Os anos da crise mostraram como são perversos os efeitos da corrupção, porque é fundadora de desigualdade e porque, ao mover fundos financeiros na sombra da lei, favorece os negócios ilícitos e lesivos para o bem comum. A reforma da justiça, tornando-a mais célere e mais eficiente, e o trabalho do Ministério Público nos últimos anos contribuíram para dar um salto no combate à corrupção.

Mas os dados da OCDE convocam-nos também para uma reflexão sobre a educação. Como é que podemos transformar a escola num mecanismo de promoção da igualdade de oportunidades? Apesar das melhorias notáveis na qualidade, até nas escolas em zonas mais desfavorecidas, a rigidez do sistema continua a fomentar desigualdades. Ao tratar de forma igual situações que são à partida muito diferentes contribui para as desigualdades. Famílias com menos capacidade financeira não têm oportunidade de escolher uma escola que permita melhorar os resultados dos seus filhos. Para reduzir as desigualdades na educação é importante dar mais liberdade às escolas na escolha dos currículos e na escolha dos professores para adaptarem o ensino às capacidades dos seus alunos. É fundamental continuar a monitorizar os resultados das escolas e avaliá-las, tendo em consideração as condições socioeconómicas dos alunos que servem, alargando a liberdade de escolha dos pais, para encontrarem escolas mais adaptadas aos seus filhos. É urgente introduzir uma avaliação mais justa dos professores, que tenha em consideração os resultados que efetivamente obtêm com os seus alunos.

Finalmente, o mercado de trabalho. Em Portugal, a rigidez do mercado laboral tem duas consequências graves para a mobilidade social. Por um lado, torna mais difícil às novas gerações encontrarem um trabalho com a durabilidade suficiente para fazerem a necessária aprendizagem no local de trabalho e se inserirem no mercado. Por outro, o desemprego de longo prazo tem tendência a prolongar-se, dificultando assim que um desempregado possa recuperar os seus rendimentos depois de uma crise económica, por exemplo. O anterior Governo introduziu um conjunto de medidas que reduziram a rigidez do mercado de trabalho, é importante não as reverter. Mas é preciso também continuar a avançar no sentido de premiar o mérito e de aumentar as oportunidades de integração no mercado de trabalho dos mais jovens.

Aumentar a mobilidade social é fundamental para reduzir as desigualdades, e só é possível com maior igualdade de oportunidades. Portugal já fez um longo caminho em democracia com a massificação do acesso à educação à saúde, aos serviços básicos. Agora é preciso dar um salto de qualidade.