O pacote de medidas para a Habitação, apresentado pelo governo há dias, está condenado ao fracasso. Dir-me-ão: qual é a novidade, se anúncios pomposos e inconsequentes são o modus operandi dos governos Costa? De facto, assim é: para alguns exemplos, leia-se Jorge Fernandes, que enumerou pacotes para a Habitação lançados por António Costa e sem quaisquer resultados. A novidade é que, desta vez, o fracasso reúne todos os ingredientes para afundar o governo em dois terrenos pantanosos — o da orientação ideológica das suas propostas e o da incompetência técnica para implementar as medidas que anuncia.

A questão ideológica trava-se fora dos grandes (ou pequenos) debates intelectuais e constitucionais. É muito estimulante discutir os benefícios ou malefícios das intervenções estatais no mercado de habitação, tal como podemos especular sobre a inconstitucionalidade de algumas das medidas propostas. O Twitter está ao rubro. Mas, no final, o que realmente conta é isto: depois de anunciar que o Estado irá agir coercivamente para que propriedades privadas sejam arrendadas ou vendidas, António Costa dilacerou a imagem de político moderado que tem cultivado no governo, mesmo em tempos de geringonça. Ou seja, criou um problema de credibilidade: em vários grupos do eleitorado, o PS passará a ser percepcionado com desconfiança, enquanto partido radicalizado por influências internas (o papel dos pedronunistas, como a própria Ministra da Habitação) e externas (a ambição de capturar os votos dos partidos à sua esquerda). Isto terá óbvias consequências na disputa de eleitores do centro político, sobretudo num país de pequenos proprietários.

A questão operacional e de implementação é ainda mais simples de explicar: é inconcebível que o Estado, sendo incapaz de inventariar e gerir o seu património, seja capaz de o fazer relativamente ao património privado. Estaria em causa identificar os imóveis de privados, aferir a sua utilização, verificar se já estão no mercado, avaliar as suas condições de habitabilidade e necessidades de reabilitação, eventualmente investir nos imóveis, articular com os proprietários (que, por vezes, são numerosos e poderão opor-se), definir valores de arrendamento ou venda. Tudo isto dezenas de milhar de vezes, quando o Estado não é capaz de listar os seus próprios imóveis de forma completa, informar sobre as suas condições de habitabilidade e disponibilizá-los no mercado. Só alguém que tenha chegado ontem a Portugal poderia acreditar que há um grão de areia de realismo nas intenções do governo — ainda por cima, quando se pretende que tudo seja feito em grande escala e em tempo útil.

O irrealismo nas propostas do governo está longe de ser inédito. A questão é que, desta vez, há três agravantes que farão o tema rebentar nas mãos do PS. Primeiro: a impreparação do governo — não se admite que o governo apresente um pacote de medidas deste tipo, que mexe com a propriedade privada e os rendimentos de milhares de famílias (via alojamento local), através de um powerpoint minimalista, lacónico e ambíguo. Segundo: a Habitação está no topo das preocupações das famílias. De acordo com a última sondagem ICS-ISCTE, 47% dos inquiridos “concordam totalmente” e 43% “concordam” quando questionados sobre se há uma crise de habitação em Portugal. Mais: 69% dos inquiridos afirmam que essa crise da habitação afecta a zona onde habitam. Terceiro: ao contrário de outros temas (como a Educação ou a Economia), na Habitação é muito fácil monitorizar a evolução do mercado e dos preços — e, portanto, muito fácil de provar o fracasso destas medidas.

A soma de todos estes factores é explosiva para o PS: eis um governo radicalizado contra a propriedade privada e incapaz de desenhar medidas realistas ou eficazes para lidar com um problema que a esmagadora maioria dos portugueses considera urgente, numa área onde o seu fracasso será facilmente documentado e assombrará a sua próxima campanha para eleições legislativas. António Costa, que se especializou em escapar aos desafios da governação com operações mediáticas, desta vez enfiou o PS num beco sem saída.

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