Domingo houve Óscares e o filme sobre a bomba atómica foi o grande vencedor da noite, de forma esclarecedora. Domingo houve também eleições, resultado da bomba atómica do Presidente da República, mas neste caso o vencedor foi tudo menos grande e nada ficou esclarecido. Sobra o consolo de, pelo menos para já, o tapete vermelho que nos queriam estender daqui à Venezuela ficar guardado no Largo do Rato. Acho que está no armário por cima da gaveta onde o actual partido socialista pôs o Mário Soares que pôs o socialismo na gaveta.

O problema talvez tenham sido as eleições antecipadas. Não tanto a parte das eleições, mas mais a parte do antecipadas. Desde quando é que, neste país, nos demos bem a fazer as coisas de forma antecipada? Nós, a resolver assuntos com tempo e vagar? Jamais. Nós somos bons é a fazer tudo em cima da hora, a desenrascarmo-nos na corda bamba, tipo um MacGyver que, a um segundo da bomba explodir, corta sempre o fio certo. Corta a maior parte das vezes o fio certo. Às vezes, por mero acaso, corta o fio certo, vá.

Convenhamos que não é raro procrastinarmos um bocadinho com isto das eleições. Como aconteceu ali no meio do século passado, quando decidimos esperar, calmamente, 50 aninhos até se arranjar maneira de fazer umas eleições a sério. Nos dias que correm, para os portugueses, eleições antecipadas são tão pouco naturais como era naquele tempo um preto de cabeleira loira, ou um branco de carapinha.

Resultado: depois de dois anos absolutamente desastrosos de maioria absoluta do PS, que sucederam a seis anos absolutamente desastrosos de maioria relativa do PS (fica quase a sensação de haver aqui um padrão, não é?), os portugueses foram às urnas e deram um sinal muito claro de… um sinal muito claro de quererem… hum… de quererem não sei bem o quê, para ser franco. Os portugueses deram um sinal político que é o equivalente, em termos de sinalética, àquele sinal de trânsito triangular com um ponto de exclamação. Sinal indicativo de “Cautela! Perigo já ali à frente! De que tipo? Não fazemos ideia. Por isso é que não desenhámos uma vaca, ou uma estrada em ziguezague. Fica só o enigmático ponto de exclamação. É um perigo surpresa.”

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A propósito de ziguezagues, e segundo dados do Instituto Nacionel de Estatóstica, por estes dias Portugal é o país do mundo com maior número de psicanalistas por 100.000 habitantes. E por 56.349 habitantes também, o que é muito curioso. Neste preciso momento há mais psicanalistas por habitante em Portugal do que há ovelhas na Nova Zelândia. Curiosamente, estes recém-instantâneo-formados psicanalistas parecem todos uns carneirinhos, muito tontos e baralhados, de um lado para o outro, em pânico, a tentarem descobrir o que irá nas cabeças do milhão que portugueses que votou no Chega.

Embora alguns não precisem da ajuda deste contingente dos Freuds mais bem preparados de sempre. Mariana Mortágua, por exemplo, não perdeu tempo com psicanálises e decretou que o Bloco de Esquerda será “parte de qualquer solução que afaste a direita do governo.” Sempre com aquela subtileza, aquela análise cheia de nuances, aquele irresistível impulso, típico de aprendiz de autocrata, de desumanizar os indivíduos que ousam ter uma opinião dissidente, arrumando-os, qual rebanho, numa qualquer categoria que se retrata como uma massa indistinta, nebulosa, indigna, como neste caso “a direita”. Dir-se-ia estarmos na presença de uma comunista primária, não fosse a redundância ser mais óbvia que 7×8.

É bastante fácil perceber o que irá nas cabeças dos eleitores do Chega. Em pelo menos boa parte delas, o que vai nas cabeças dos eleitores do Chega é que nas cabeças dos eleitores dos partidos socialistas e comunistas não vai nada.