Salvo imprevistos, Pedro Nuno Santos será o novo chefe do PS e um dos dois candidatos plausíveis a primeiro-ministro. Para mim, o dr. Pedro Nuno tem sido uma surpresa e uma confirmação. Imaginava-o um típico produto da JS, um sujeito sem predicados nem préstimo que, por falta de alternativa e influência do “aparelho”, acabara erguido a sucessor “natural” do dr. Costa. Imaginava-o repleto de fanatismo ideológico e manha partidária. Imaginava-o brutal, eufórico e relativamente articulado, capaz de empolgar salas de devotos com retórica composta, vazia e intrujona. Imaginava-o em suma um perigo. Nestas semanas de campanha interna e pré-campanha externa, confirmei quase tudo e percebi que me enganei num pormenor.
Claro que o dr. Pedro Nuno é uma nulidade cozinhada na JS. Claro que é um comunista por reacção nervosa e um oportunista por natureza. Claro que é um pantomineiro sem maneiras. Claro que os socialistas lhe batem palmas na medida em que precisam de acautelar empregos junto do putativo patrão. E claro que é um perigo. Mas o dr. Pedro Nuno está muito além disso. Ou muito aquém.
A julgar pelas recentes entrevistas e intervenções públicas, o dr. Pedro Nuno é principalmente um caso de particular, acentuada e terminal miséria, mesmo pelos baixos padrões da actual política nacional e pelos baixíssimos padrões do actual PS. Não o destaco por não ter uma única ideia ou – Deus fosse louvado – uma “visão” para o país. O eng. Sócrates e o dr. Costa também não tinham nada de vagamente semelhante mas, sobretudo no primeiro caso, eram eficazes a fingir o contrário. O dr. Pedro Nuno não finge coisa nenhuma: o vazio que o define está exposto. O seu principal, quiçá solitário, “argumento” para mandar no partido e, depois, no país, é o facto de existir. Ainda que não dê sinais de pensar, parece consensual que o dr. Pedro Nuno existe. E isso, acha ele se calhar com rara propriedade, é o bastante para mandar em nós.
Cada aparição da criatura é confrangedora e demonstrativa do atoleiro a que o regime desceu. Não é que possamos exibir um historial rico em ilustres estadistas, mas há limites. Ou devia haver. Em entrevista ao Observador, o dr. Pedro Nuno mostrou desconhecer o valor do salário mínimo cujo aumento aprovou enquanto deputado. Em entrevista à RTP, foi triturado com evidências do início ao fim por um jornalista que a central de propaganda do PS se apressou a declarar ao serviço da “extrema-direita” (risos). As suas comunicações nas “redes sociais” são, dou de barato, redigidas por um fedelho de 13 anos e ilustradas por retratos de um branqueamento dentário. E nos discursos, emoldurados por apoiantes com a exigência da lombriga média, acotovelam-se lugares-comuns e patéticos esforços em simular “dinâmica”. Um embaraço ambulante, enfim. Preocupados, os publicitários do PS chamam-lhe “carisma”.
Quanto ao “carisma”, perdão, à competência, estamos conversados. E a coerência? Uns dias, o dr. Pedro Nuno diz-se social-democrata, noutros é socialista. Uns dias é moderado, noutros é esquerdista. Uns dias orgulha-se de servir o PS em exclusivo desde pequenino, noutros evoca o convívio com a pobreza. Uns dias exalta a íntima familiaridade com o mundo empresarial, noutros esconde a empresa com que o papá faz negócios com o Estado. Uns dias condena a especulação imobiliária, noutros vende a casa pelo dobro do preço que pagou. Uns dias enche a boca com justiça social, noutros esconde o Porsche e o Maserati. A originalidade do dr. Pedro Nuno não está em mentir: está em mentir tão desconchavadamente, a ponto de suscitar a impressão de que o que diz hoje resulta de não se lembrar do que disse ontem. E de não sonhar com o que dirá amanhã. O dr. Pedro Nuno, que aparenta ter crescido apenas fisicamente, dá pena, embora menos pena do que os infelizes que venham a depender do dr. Pedro Nuno.
Segundo o falecido Laurence J. Peter, uma pessoa tende a ser promovida até ao nível da sua incompetência. A incompetência do dr. Pedro Nuno revelou-se há inúmeros níveis abaixo. Espantosamente, continuou a ser promovido e agora é vê-lo aí, entre o atordoado e o impaciente, a prosseguir um objectivo que o próprio não só não sabe bem em que consiste como não sabe sequer o que há-de fazer para simular o oposto. O Princípio de Peter teimou em não se aplicar ao dr. Pedro Nuno, o qual, sem que uma alminha conseguisse explicar porquê, subiu de ministro a secretário-geral ante a incredulidade com que antes saltara de secretário de Estado para ministro, de deputado para secretário de Estado e de presidente da assembleia de freguesia (ou lá o que era) de São João da Madeira para deputado. Pelo que ele escreve e diz, acredito que tenha sido um escapatório presidente de assembleia de freguesia. A partir daí entrámos na ordem do inacreditável. E a partir daqui na ordem do inconcebível.
Dada a portentosa lucidez dos candidatos à “direita” e a lucidez portentosa do eleitorado em geral, há uma ou duas hipóteses de o dr. Pedro Nuno, um irresponsável mimado e um extremista boçal, vir a liderar o próximo governo, e em aliança festiva com PCP e BE. Não custa prever as consequências de tamanho desastre. Custará suportá-las, e custará mais do que, por puro pavor, ouso antecipar. Aliás, sempre que o critico sou acusado de ter medo dele. É óbvio que tenho medo. Ao invés de demasiados votantes, não sou maluco: o Princípio de Pedro Nuno pode representar o nosso fim.